Como o governo Bolsonaro progressivamente se apagou na América Latina

14 de novembro de 2022

Por Ana Beatriz Aquino, Bruno Fabricio Alcebino da Silva, Gabrielly Provenzzano da Silva, Geovanna Mirian Raimundo, Isabella Brandão Alcantara, Vinicius Silva Santos e Vitor Cristian Maciel Gomes (Foto: José Dias/PR)

 

Durante sua campanha, Bolsonaro não poupou nenhum dos líderes da centro-esquerda na região, que passou de plataforma de projeção internacional do Brasil na política externa à protagonista de sua campanha de desinformação

 

 

O ano de 2022 decreta o fim do governo Bolsonaro e de sua desastrosa política externa. Após perder o norte na figura de Donald Trump, a diplomacia bolsonarista chegou ao seu último ano com certa indisposição, para dizer o mínimo. Depois de romper com as tradicionais bases universalistas e pragmáticas e redefini-la em termos de “amigos” (líderes de extrema direita) e “inimigos” (todo e qualquer um que fosse pejorativamente taxado como globalista, de Maduro na Venezuela à Merkel na Alemanha) conforme convergências e divergências estritamente ideológicas (Casarões, 2021), o governo Bolsonaro se viu isolado em organizações internacionais, em suas principais relações bilaterais (EUA e China) e, em especial, na América Latina. Além disso, com a maratona da corrida presidencial no plano interno, e com uma nova onda rosa iminente na região, a política externa não teve fôlego para alcançar grandes feitos.

 

Outro ponto que decretou os últimos momentos do atual governo foi a questão ambiental. No mesmo ano em que passou a vigorar o Acordo de Escazú – o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe que busca promover, entre outras coisas, a proteção de ativistas ambientais – os brutais assassinatos do jornalista Dom Phillips e do ex-servidor da FUNAI Bruno Pereira, na região da Amazônia, chocaram o mundo. O Brasil de Bolsonaro, mais preocupado com passar a boiada nas questões ambientais e climáticas, naturalmente não ratificou o acordo. De certa forma, os casos ilustram simultaneamente a postura brasileira de (não) participação em iniciativas de integração latino-americanas e o descaso do governo com questões relativas ao meio ambiente, ao clima e, especialmente, com a crescente degradação da Amazônia e o aumento da violência na região.

 

Além disso, a forma com que o governo Bolsonaro levou a questão ambiental no plano interno – principalmente em relação à Amazônia – resultou em entraves nas negociações do acordo Mercosul-União Europeia, a principal bandeira do governo para o bloco latino-americano. Aqui, vale destacar ainda que em 2022 o esvaziamento dos mecanismos de integração e a perda de protagonismo do Brasil no bloco, uma de nossas principais plataformas de inserção internacional, ficou evidente na ambígua postura brasileira frente à iniciativa de liberalização defendida pelo Uruguai. Na 60ª Cúpula do Mercosul, ocorrida em julho, o país reiterou sua intenção de firmar um tratado de livre comércio bilateral com a China, proposta que coloca em xeque a unidade do bloco, que define que todo tratado envolvendo os países membros seja negociado conjuntamente. Na ocasião, Carlos Alberto França, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, destacou a necessidade de ser flexível, mas preservar “elementos centrais de integração”. Num exemplo de que o Mercosul não é prioridade do governo, como disse Paulo Guedes em 2018, ou de foco nas eleições do Brasil, o presidente Bolsonaro não participou da reunião.

 

Mudança de ventos

 

Apesar de sua dimensão, as mudanças na política brasileira –– especialmente as eleições presidenciais – não foram as únicas eleições relevantes para compreender a política externa do último ano do governo Bolsonaro, principalmente quando falamos de América Latina. Eleito em 2018 na quebra de uma onda neoliberal na qual surfaram também o chileno Sebastián Piñera (2018-22), o argentino Maurício Macri, a boliviana Jeanine Añez (2019-20) e o colombiano Iván Duque (2018-22), Bolsonaro e seu governo se depararam com um cenário diferente em 2022. Somadas as eleições do mexicano López Obrador, do argentino Alberto Fernandez, do boliviano Luis Arce e do peruano Pedro Castillo, as vitórias de Gabriel Boric, no Chile, e de Gustavo Petro, na Colômbia, representam o descontentamento das populações com a ineficiência das políticas neoliberais. Se antes, quando tinha chances de convergir ideologicamente com as demais lideranças regionais, a política externa bolsonarista não logrou grandes alinhamentos à nível continental, no marco das novas lideranças de centro-esquerda o que se viu foi uma ampliação do isolamento brasileiro. À luz da política de outrora (universalista, pragmática, capaz de ter um papel propositivo na América Latina), mais do que nunca, a política externa do governo Bolsonaro se mostrou indisposta.

 

Contudo, o isolamento diplomático de Jair Bolsonaro não é apenas o resultado da mudança de conjuntura política na região, mas também da ineficiência do presidente para manter os próprios aliados, como pode ser observado nas relações com o chileno Sebastián Piñera, que se afasta do líder brasileiro após declarações sobre a ditadura militar chilena nas quais Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente Michelle Bachelet (assassinado durante a ditadura) e elogiou Pinochet. Além disso, a condução desastrosa da pandemia e da questão ambiental também impactaram a imagem internacional do presidente brasileiro, o que fez com que figuras da direita como Lacalle Pou (atual presidente do Uruguai) rejeitassem o apoio de Bolsonaro durante suas campanhas eleitorais. 

 

Esse cenário de isolamento tanto na esquerda quanto na direita latino-americana também obstaculizou seu principal objetivo para 2022: a reeleição. No último ano de seu governo, Jair Bolsonaro manteve laços próximos com apenas dois líderes da região, o equatoriano Guillermo Lasso e o guatemalteca Alejandro Giammattei (únicos representantes da região com os quais Bolsonaro se reuniu durante a Assembleia Geral da ONU). Todavia, enquanto o presidente brasileiro esteve engajado durante os seus quatro anos de mandato na promoção da agenda da extrema-direita na América Latina, declarando publicamente seu apoio a candidatos desse bloco, como nas eleições argentinas (o que rompe com o paradigma de não intervenção em assuntos internos de outros países que o Brasil perseguiu ao longo de sua história), seus aliados remanescentes não realizaram os mesmos esforços para garantir seu êxito eleitoral. 

 

Meias verdades e inverdades

 

Por fim, vale dizer que, no pior dos casos, a indisposição da política externa do governo Bolsonaro para com a América Latina não poupou a região de ser o alvo de ofensas diretas: durante as eleições, os países latino-americanos foram os moinhos de vento dos delírios bolsonaristas. Apesar de a cruzada ideológica contra as esquerdas do continente ser uma velha conhecida da política brasileira, foi apenas em 2018 que o fantasma comunista que ronda Cuba ganhou um aliado de peso no discurso da direita: o pânico moral causado pelo medo de o Brasil virar a Venezuela foi uma das principais estratégias da campanha que elegeu Bolsonaro. Quatro anos depois, as meias verdades e inverdades completas sobre os países da América Latina voltaram a ganhar espaço na corrida presidencial. Além de Cuba e Venezuela, a Nicarágua passou a integrar a retórica bolsonarista que buscava vincular Lula, o principal adversário de Bolsonaro, a governos em crise e alinhados, a algum nível, à esquerda. Nesse caso, a intenção era vincular o regime ditatorial de Daniel Ortega à Lula, numa tentativa de emplacar a ideia infundada de que um eventual governo Lula no Brasil teria os mesmos desdobramentos. Ademais, durante sua campanha Bolsonaro não poupou nenhum dos líderes de esquerda da América Latina em meio a seus esforços desesperados para a reeleição, gerando inclusive tensões diplomáticas com outros governos, como observado durante um debate presidencial no qual Jair acusou o presidente chileno Gabriel Boric de vandalismo durante os protestos que tomaram o país andino entre 2019-2020, o que gerou uma reação imediata do governo chileno frente às falsas acusações.

 

Lado a lado com a pouca prioridade atribuída à região ao longo dos últimos quatro anos, as menções, frequentemente distorcidas, mostram como a América Latina passou de principal plataforma de projeção internacional do Brasil na política externa para um mero espantalho no discurso eleitoreiro bolsonarista de 2022, invocada, na maioria das vezes de forma negativa, apenas na tentativa de angariar votos para a reeleição de Bolsonaro.

 

Referências bibliográficas:

 

Casarões, Guilherme. “O Brasil nas ruas e longe do mundo: como a crise político-econômica levou ao colapso da política externa brasileira”. AISTHESIS. Nº 70 (2021): 439-473. Disponível em: <http://revistaaisthesis.uc.cl/index.php/RAIT/article/view/43515/39131>. 

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