Resultado das eleições primárias na Argentina

22 de agosto de 2023

 

Por Audrey Andrade Gomes e Bárbara Fasolin Koboyama (Imagem: Unsplash)

 

Há duas semanas, a Argentina escolheu as legendas e os/as candidatos/as que disputarão as eleições gerais em 22 de outubro. O resultado da etapa primária contrariou as pesquisas de intenção de voto das semanas anteriores e teve como destaque o candidato de extrema direita, Javier Milei.

 

No segundo domingo de agosto, dia 13, a população argentina participou das PASO – as eleições Primarias, Abiertas, Simultáneas y Obligatorias – que antecedem as eleições gerais de 22 de outubro. Entre os potenciais presidenciáveis, se destacou Javier Milei (La Libertad Avanza) que obteve 30% dos votos do eleitorado. Os segundo e terceiro lugares foram ocupados pelas legendas Juntos Por El Cambio (JxC) e Unión Por La Patria (UP) com 28,3% e 27,3% dos votos, respectivamente. A pré-candidata escolhida para o JxC é Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri, recebeu 17% dos votos. Para representar o UP e o peronismo, o escolhido é Sergio Massa, atual ministro da Economia do governo de Alberto Fernández, com 21,4% dos votos. 

 

A etapa prévia foi implementada em 2011, ano em que Cristina Kirchner foi eleita pela segunda vez, e tem a função de selecionar os pré-candidatos que fazem parte das disputas internas dos partidos, além de excluir legendas inexpressivas, que pontuam menos de 1,5% nas primárias. As PASO de 2023 registraram a segunda menor participação desde sua primeira edição, somente 69,6% do eleitorado esteve presente para votar. Entre os que votaram, 6% não escolheu nenhum candidato (1,2% anularam e 4,8% votaram em branco). Essa abstenção só é superada pelas eleições legislativas do ano de 2021, em que apenas 67,8% dos eleitores participaram devido às implicações da crise sanitária mundial. 

 

Excêntrico e extremista

 

O vitorioso, Javier Gerardo Milei, é um economista de 52 anos de idade que está no segundo ano de seu mandato como deputado nacional. Com uma personalidade excêntrica e uma aparência memorável, Milei reproduz discursos e comportamentos que se tornaram padrão entre líderes de extrema direita. Busca ficar famoso se expondo em situações extravagantes e oferece soluções simples – ou, em alguns casos, estapafúrdias – para problemas complexos. Apesar disso, segundo Sylvia Colombo em reportagem à revista Piauí, quando não está em frente às câmeras, o argentino se comporta de maneira mais contida e “desapaixonada”.

 

O candidato se assemelha a Jair Bolsonaro e Donald Trump em determinados aspectos. É irreverente, faz discursos de ódio que atacam as mulheres, as pessoas pobres e de etnias não brancas e condena conceitos fictícios como “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”. Seu cabelo também não é uma casualidade, já que faz questão de chamar atenção para isso ao nomear seus canais no Youtube e no Tiktok de “El Peluca Milei” (“O Peruca Milei”), possivelmente inspirado em Boris Johnson, que também é lembrado por seu estilo “desleixado”. Essa prática atribui um caráter autêntico, às vezes humilde e pretende aproximar a figura política do eleitorado.  

 

Por trás da bem sucedida campanha de Javier Milei, há um experiente comunicador de ideias de extrema direita, seu nome é Fernando Cerimedo, titular de um canal no Youtube chamado “La derecha diário”. O especialista em política digital ajudou na campanha de Bolsonaro em 2018 e foi um dos que alegou haver “fraude” no resultado das eleições brasileiras de 2022. Ele também foi um dos responsáveis pela vitoriosa campanha digital que rejeitava a proposta de uma nova Constituição no Chile. Além disso, Cerimedo diz não ser pago para trabalhar para o candidato e que o faz por considerar-se alinhado com as ideias dele.

 

Para solucionar os problemas que assolam a Argentina, Milei propõe a extinção do Banco Central e a atribuição do dólar como moeda oficial do país. Em algumas de suas aparições públicas, o candidato propõe abandonar o Mercosul e se afastar da China, que é um dos principais parceiros comerciais dos argentinos, seguido pelo Brasil. As propostas se contrapõem aos novos acordos desenvolvidos entre o país asiático e as nações sul-americanas, que tem procurado driblar o uso do dólar em suas operações. Se forem postas em prática, essas medidas tendem a aprofundar problemas econômicos e sociais.

 

O placar das prévias

 

O resultado das eleições da PASO revela alguns eventos marcantes na Argentina. A configuração entre os candidatos deve ser analisada visto que o partido peronista não está entre os dois mais votados, apesar de seu candidato, Sergio Massa ter alcançado, individualmente, o segundo lugar. Esse resultado acompanha as eleições do Senado de 2021. Segundo o Página 12, o peronismo não conseguiu eleger um quórum próprio, isto é, não atingiu o número mínimo de membros presentes no Senado para tomar decisões e fazer acordos. O cenário tem sido de intensa disputa para o lado peronista nos últimos anos.

 

A colocação de Milei como o candidato mais votado demonstra uma situação controversa no país. O discurso de apoio à ditadura é uma das características da recente onda neoliberal que atinge diversos países da América Latina, como o caso de Bolsonaro no Brasil. Apesar de não ser um argumento presente em sua agenda política, a postura de Milei em relação ao tema é também negacionista. Pode-se notar isso em sua fala, transmitida pelo Todo Noticias, ao questionar onde estaria a lista com os nomes dos 30 mil desaparecidos da última ditadura no país – sugerindo não ser legítima a reivindicação de familiares e amigos das vítimas. A situação é inesperada na Argentina visto que o país tem uma forte memória de resistência contra a ditadura. Contudo, o discurso ‘anti-sistema’ parece ser aderido por parte da população, juntamente com a dolarização da economia.

 

Outra situação inesperada foi o resultado das eleições na província de Buenos Aires e na Ciudad Autónoma de Buenos Aires (CABA). A tendência das eleições costuma ser decidida dentro da província de Buenos Aires. Os dados do censo argentino de 2022, INDEC, indicam que há uma concentração de 38,16% da população na província de Buenos Aires, equivalente a cerca de 17.500.000 de pessoas e, entre essas, 3.120.612 estão na CABA. Entretanto, os votos mostram que Bullrich ganhou em CABA, enquanto Massa saiu vitorioso na província. Embora Milei tenha vencido em Córdoba e Rosário – outros dois grandes centros urbanos do país -, não é um cenário comum que as eleições sejam decididas pelas demais províncias.

 

A possível vitória de Milei para a presidência da República traz preocupações em relação aos projetos de integração regional do continente e acende um alerta quanto ao posicionamento do país sul americano diante do conflito global leste-oeste. Para o Brasil e outros países da região, a incorporação da Argentina pelo anarcocapitalismo é preocupante e colide com interesses desenvolvimentistas que dependem de um Estado participativo e interventor. Entre as diferentes possibilidades de estratégia, a conquista de votos dos que se abstiveram ou dos que estão dispostos a evitar a eleição de um projeto neoliberal deve ser considerada.

 

O resultado das PASO é literalmente fruto de um rechaço à política por parte de setores da população desencantados e decepcionados com a queda de seu padrão de vida nos últimos meses. A partir do governo Macri, mais de 40% da população submergiu na linha da pobreza. Premido por compromissos externos draconianos acertados com o FMI em 2018, não há solução à vista para a crise inflacionária de 115% ao ano.

 

As eleições argentinas de 2023 passam por eventos peculiares e há muitas possibilidades de cenários. A apuração da PASO demonstra pouca diferença entre os votos e uma grande porcentagem de abstenção nas urnas. O cenário das eleições em outubro é acirrado e depende das estratégias políticas e da mudança de humor de parcelas do eleitorado. Por um lado, o resultado mostra a expressão da direita no país, por outro, não se sabe se isso pode acabar por dividir os votos e possibilitar uma resposta peronista. Ainda há parte dos eleitores que podem decidir votar ou mudar de voto considerando esse cenário. O resultado das primárias demonstra as incertezas enquanto a afirmação do que pode acontecer e quais são os motivos para o eleitor argentino votar em tal candidato.

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