Brics: Não é que a China vai ganhar e o Brasil vai perder; vai todo mundo ganhar

06 de setembro de 2023

Por Flávia Mitake Neiva, Isabella Pedroso Lucino, Lucas Barbosa Oliveira, Olívia Bulla, Pedro Gabriel Ferreira dos Santos e Vitor Hugo dos Santos (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)


A 15ª Cúpula do Brics recebeu notoriedade mundial por anunciar a primeira expansão em mais de uma década, representando um marco nas relações internacionais contemporâneas. Porém, mesmo com a adesão de seis novos países a partir de 2024, não houve dúvidas, ao menos na imprensa convencional, de que a China foi a grande vencedora ao final do encontro em Joanesburgo entre 22 e 24 de agosto.


Já o Brasil ficou, para muitos, entre os derrotados. No entanto, parafraseando uma célebre frase da ex-presidente Dilma Rousseff, a proposta deste texto é mostrar que “quem ganhar ou quem perder, não vai ganhar ou perder; vai todo mundo ganhar”, pois se trata de uma situação de ‘ganha-ganha’ (win-win), e não de soma zero, alcançada a partir de um consenso, ainda que com níveis distintos de benefício entre as partes envolvidas.


Isso porque a intenção do Brics não é ser um contraponto ao G7 nem ao Ocidente, mas sim organizar o chamado Sul Global, fortalecendo essa aliança diversa através da maior interação e parceria entre os países em desenvolvimento em busca de mais opções em um sistema mundial dominado pelos Estados Unidos e seus aliados. Portanto, o propósito é fortalecer os Estados emergentes e ganhar protagonismo em assuntos internacionais.


O que é o Brics?


O Brics não é um bloco formalmente constituído, como o Mercosul ou a União Europeia (UE), nem uma organização militar nos moldes da OTAN. Até o presente momento, não parece que pretende ser. Assim, é fundamental dar ao Brics o peso que tem, uma vez que sequer há um estatuto formal, uma carta de princípios ou qualquer documento de instituição vinculante. 

Ainda assim, nem Jim O’Neill, idealizador do termo original em 2001 quando era economista-chefe do Goldman Sachs, poderia imaginar que o acrônimo criado a partir da palavra inglesa Bric (tijolo) para referir-se às potências emergentes formadas por Brasil, Rússia, Índia e China, teria tamanha dimensão econômica, populacional e geográfica 20 anos depois. Ainda mais agora, com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã


Com a nova composição – que inclui também a África do Sul desde 2011 – a população dos países do Brics passa de 41% para 46% do planeta. Já a fatia no Produto Interno Bruto (PIB) global por paridade de poder de compra será de 36,6% do total mundial, dos atuais 32,1%. Assim, a expansão do Brics reflete a necessidade de ampliar a presença de Estados emergentes e nações em desenvolvimento na arena global, diante do anseio por uma ordem mais multipolar e equitativa. 


KSA + ARG + UAE + EGY + ETH + IRI = Brics+


No que se refere à inclusão dos novos membros no Brics, percebe-se maior ênfase na entrada de países localizados no Oriente Médio. A sub-região que, anteriormente, não contava com representantes no grupo, terá três a partir de 2024. Situação semelhante ocorreu com a África, que ganhou mais visibilidade com a adição de outras duas nações. 


A representatividade geográfica no bloco foi um dos critérios de seleção. Porém, de um lado, enquanto Arábia Saudita (KSA), Emirados Árabes Unidos (UAE), Egito (EGY) e Irã (IRI) possuem relevância estratégica mundial, devido à relação com o Ocidente; de outro, há uma importância comercial, seja devido ao petróleo ou à expansão de novos mercados.


Este é basicamente o caso da Etiópia (ETH). Com um mercado consumidor com mais de 100 milhões de habitantes, o país está entre as cinco economias africanas com maior potencial de crescimento rápido nos próximos anos. A Etiópia também é sede da União Africana, bloco composto por 55 países da região. 


No campo geopolítico, ainda que Riad e Abu Dhabi sejam historicamente alinhados a Washington, vale lembrar da rivalidade regional com Teerã. Com quase 90 milhões de habitantes, o Irã é uma das nações mais populosas do Oriente Médio e só reatou relações diplomáticas com os sauditas em março deste ano após intermediação da China.

 

Leitura similar se faz em relação ao Egito, que recebe ajuda financeira dos EUA, mas que também estabelece diálogo com o Oriente, com relações bilaterais com China, Índia e Rússia. Além disso, o país localizado no nordeste africano também integra o Oriente Médio, o que realça a importância da região para o Brics. 


Também chamam atenção as relações bilaterais com o Brasil, com os emirados e os persas sendo, respectivamente, o segundo e terceiro maiores parceiros comerciais do Oriente Médio, além da compra de proteína animal pelos sauditas. Aliás, o peso econômico dos três países árabes, que possuem os maiores PIB da região, e a intenção de injetar recursos no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) – o chamado “Banco do Brics” – pode fortalecer a construção de projetos de infraestrutura e investimentos multilaterais entre os membros. 


Por último, mas não menos importante, a entrada da Argentina traz ao Brasil maior participação sul-americana no Brics. Tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viabilizou e defendeu a participação do país vizinho no grupo. Os argentinos são o maior parceiro comercial brasileiro na região e, no ano passado, tornaram-se a primeira grande economia da América Latina a aderir ao projeto chinês Iniciativa Cinturão e Rota (BRI). 


Para a Argentina, a entrada no Brics representa uma oportunidade de recuperação econômica e um instrumento para a superação das instabilidades políticas internas. A entrada foi muito comemorada pelo atual presidente, Alberto Fernández, cuja perspectiva é a recolocação do país mais abertamente no cenário internacional, conquistando novos mercados e fortalecendo os já existentes.


O Brasil perdeu?


Apenas pelo exposto acima, percebe-se as conquistas dos novos membros. A começar pelo fato de terem sido os escolhidos a partir de uma extensa lista com mais de 20 pretendentes para aderirem ao Brics em 2024, fomentando relações bilaterais já existentes com integrantes do bloco, em uma dose considerável de oportunismo.


Porém, há quem diga que a ampliação do número de países não é uma boa ideia – nem para o Brasil, nem para os Brics. Isso porque aumentar o total de membros diluiria o peso de alguns países e, consequentemente, a influência no bloco. Em tese, o argumento é válido para Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Para a China, não. 


No entanto, como já dito aqui, a intenção do Brics é ajudar na organização do Sul Global, atuando enquanto instrumento operacional que contribui para o conjunto de países em desenvolvimento. Contudo, não existe uma definição universalmente aceita sobre quais países compõem o Sul Global e essa flexibilidade reflete a natureza multilateral, com valores e interesses diversificados de países que se reconhecem uns nos outros situações semelhantes, seja economicamente ou politicamente.


Por isso, também houve vitórias particulares. No caso brasileiro, está o apoio à reforma no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas. Trata-se de uma demanda de longa data da diplomacia nacional, com o intuito de torná-lo mais democrático, representativo e eficiente, além de elevar a fatia de países em desenvolvimento em instituições internacionais, de modo a não aderir exclusivamente à ordem unipolar. Daí porque seria injusto apontar que houve uma derrota absoluta da diplomacia nacional.


Outro ponto importante é o próprio fortalecimento do NDB, atualmente presidido pela ex-presidente Dilma, com a possibilidade de entrada de novos membros ampliando a dimensão financeira dentro do Brics. Juntos, Brics e NDB contribuem para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, em meio às novas demandas econômicas, produtivas e tecnológicas da atualidade – inclusive do Brasil. 


A China ganhou mais


Há também o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) criado para atender às necessidades de investimento produtivo no âmbito da BRI. Até o final de julho de 2022, a China assinou mais de 200 acordos de cooperação através da iniciativa, com cerca de 150 países e mais de 30 organizações internacionais. Portanto, é indiscutível o triunfo chinês com a ascensão do Sul Global – e não só do Brics.  


Porém, a China busca liderar a reconfiguração da economia global através da adição de alternativas capazes de promover a diversificação, fomentando a conectividade entre os países do Brics e em Estados emergentes, bem como a mobilização do capital e a troca de bens e serviços. Nesse sentido, é importante o apoio do Brics à proposta de uso das moedas locais nas transações intragrupo.


Embora a China não seja a maior entusiasta do projeto, tal iniciativa representa um avanço na desdolarização da economia, que ganhou corpo após o contra-ataque do Ocidente para conter a ofensiva de Moscou em direção a Kiev através de sanções econômicas e financeiras, com o dólar sendo uma arma de guerra contra adversários. 


Aliás, Brasil, Argentina e China firmaram acordo para realizar operações comerciais e financeiras em moeda chinesa ou sem passar pelo dólar. Tal iniciativa, no entanto, ainda enfrenta desafios regulatórios e reflete a necessidade de mais instituições bancárias possuírem reservas em outras divisas, como o renminbi. 


Desafios à frente


Com relações construídas em torno de um status comum de outsider, o desafio entre os 11 países do Brics a partir de 2024 decorre justamente da expansão tão vasta e heterogênea que o bloco propõe. Até porque se o plano é espalhar o alcance para instrumentalizar o Sul Global, cada país do Brics deve assumir suas devidas responsabilidades ao propor a ascensão de nações em desenvolvimento, tanto mais pobres quanto mais ricas. 

E isso vale, em especial, para a China – vista como o país central no Sul Global desde 2004. Afinal, qualquer movimento precipitado pode trazer riscos mundiais, intensificando as tensões Norte-Sul e exacerbando confrontos em todo o mundo. Talvez por isso, desde a eclosão da guerra na Ucrânia, observou-se um notável processo de ressurgimento do Brics.   

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