Golpe no Níger e o declínio francês na África Ocidental

06 de setembro de 2023 

Por Gustavo Alves Daniel, Carlos Eduardo Ramos Sanches e Wilson Gregorio da Silva (Imagem: Pixabay)

 

Analisamos o Golpe de Estado ocorrido no Níger em junho de 2023, destacando as causas, a influência neocolonial francesa, os desafios como o terrorismo e as mudanças climáticas, e a competição global na região. O Golpe reflete problemas profundos na África Ocidental e a busca por influência de diversos atores globais na região.

 

A presente situação na República do Níger materializa décadas de crises e que agora manifestam-se através do Golpe de Estado ocorrido em 28 de Julho de 2023, quando as forças armadas do país depuseram o presidente Mohamed Bazoum e instalaram um Conselho Nacional sob comando do general Abdourahmane Tchiani. Essa não é a primeira vez que esse Estado da África Ocidental sofre com a derrubada do poder político instituído, tendo já sofrido esse tipo de situação em 1974, 1996, 1999 e 2010.

 

A ação militar contou com amplo apoio da população civil, revoltada com o contexto de corrupção no qual o Níger está inserido. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o país ocupa a última posição no Índice de Desenvolvimento Humano elaborado pela organização, sendo o país com a maior taxa de natalidade do mundo, contudo sem que exista programas de planejamento familiar adequado.

 

Sob muitos aspectos, o país permanece preso ao passado colonial, quando a França exerceu completo domínio sobre o território que viria a tornar-se independente em 1960. A situação que muito bem exemplifica essa condição é a da moeda adotada no Níger, o Franco CFA Ocidental, que vincula uma série de ex-colônias ao sistema financeiro francês. O país europeu também possui tropas estacionadas em Niamey, uma garantia de que o antigo domínio mantenha as remessas de Urânio para a Europa, minério fundamental para o funcionamento de usinas nucleares.

 

Terrorismo e mudanças climáticas acabam por mesclar um fenômeno que desafia a habilidade de gerenciamento do estado nigerino. A região geográfica do Sahel, onde está localizado o Níger, passa por um forte processo de desertificação, sofre com secas e falta de chuvas, o que afeta diretamente a produção de alimentos e, portanto, a segurança alimentar da população. Paralelamente, militantes extremistas aproveitam-se dessa complexidade territorial para instalar células terroristas e conduzir ataques em localidades do país, bem como em países vizinhos. Há ainda a presença de grupos políticos rebeldes que do exílio se organizam para uma eventual retomada do poder.

 

Atualmente, apoiado por Guiné, Mali e Burkina Faso, o Níger sofre com a possibilidade de uma intervenção das forças armadas da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, organização que integra, mas teve a posição suspensa em razão do golpe de 28 de Julho, empreitada que pode levar Costa do Marfim, Nigéria, Togo, Benim, Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Gana, Gâmbia, Serra Leoa e Libéria para um conflito aberto com as juntas militares instaladas nos países aliados aos nigerianos.

 

Niger, África Ocidental: Militarismo versus antineocolonialismo 

 

O golpe militar no Niger também traz questões sobre os reais interesses do setor militar golpista do Niger, o Conselho de Salvaguarda, encabeçada por Salifou Modi. De um lado, o golpe possui muitas semelhanças na África Ocidental, como no caso de Burkina Faso (jan/22 e set/22), Mali (ago/20 e mai/21) e Guiné (set/21) que foram marcados por uma forte retórica antiocidental, principalmente antifrancês, e insatisfeitos com a corrupção e rebaixamento político de seus governos locais em relação às potências ocidentais. Em convergência de interesses, os governos do Mali e de Burkina Faso, reinvindicaram apoio ao Niger contra qualquer tentativa de intervenção militar externa como uma agressão aos seus próprios países.  

 

Portanto, existem argumentos para uma motivação antineocolonial em uma região africana marcada por intervenções externas, controle das políticas monetárias e de vários recursos naturais da região e ameaças jihadistas que consideram a libertação das amarras neocoloniais como a única forma de alcançarem verdadeiramente a sua soberania. Porém, é necessário cautela para a análise desses fenômenos, principalmente em relação aos setores militares desses países que possuem maior propensão a insurreição por conta dos vários interesses diferentes existentes na organização e muitas vezes contraditórios entre si. 

 

A França e os recursos naturais

 

A história da influência francesa na África Ocidental é um capítulo complexo e intrigante da geopolítica moderna. A relação entre a França e suas antigas colônias na região tem sido marcada por interesses econômicos, políticos e culturais. Além disso, o controle francês sobre a região muitas vezes envolveu competição e cooperação com outras potências globais. Ao estudarmos a presença da França na África Ocidental, vemos seus interesses no urânio do Niger e os jogos geopolíticos que o envolvem. A região também possui recursos naturais valiosos, como petróleo, gás, minerais. Esses recursos são de interesse econômico para a França, que busca garantir o acesso a fontes confiáveis para sustentar sua economia.

 

O Níger é um dos principais produtores de urânio do mundo, e esse recurso é crucial para a indústria nuclear. A França, que depende fortemente da energia nuclear para sua matriz energética, tem um interesse estratégico em garantir o acesso a fontes confiáveis de urânio. Isso levou a uma relação próxima entre a França e o Níger, onde a exploração de urânio tem impactos significativos na economia e política nigerianas.

 

Novos atores do jogo geopolítico

 

Em busca da libertação do colonialismo francês, a presença de novos parceiros comerciais, como a presença russa e chinesa, também é um elemento crucial da dinâmica geopolítica da região. Ambas as nações têm procurado expandir sua influência econômica e política na África, muitas vezes desafiando a influência tradicional de potências ocidentais. A Rússia busca reafirmar sua posição global e está envolvida em acordos de cooperação militar e econômica com vários países africanos. Por outro lado, a China estabeleceu laços econômicos substanciais por meio de investimentos em infraestrutura e recursos naturais. O país emergiu como um dos principais atores na África, estabelecendo relações econômicas e diplomáticas profundas por meio de investimentos em infraestrutura e recursos naturais. Seu enfoque na parceria Sul-Sul e a política da Iniciativa do Cinturão e Rota têm dado à China uma presença significativa na região, alimentando tanto o crescimento local quanto os debates sobre neo-colonialismo.

 

Os Estados Unidos têm historicamente mantido laços econômicos e políticos com diversos países africanos. Recentemente, seu envolvimento no Sahel africano, marcado por iniciativas de segurança e desenvolvimento, demonstra a importância estratégica que a região tem para Washington. A luta contra o extremismo islâmico e a busca por estabilidade tornaram o Sahel uma área de foco, exemplificado pelo apoio militar e logístico fornecido às forças locais.

 

A Turquia, nos últimos anos, tem projetado sua influência no continente africano, especialmente na África Ocidental. Sua abordagem abrange desde investimentos econômicos até cooperação cultural, permitindo que Ancara construa laços mais estreitos com várias nações.

 

A Índia, com seu histórico de cooperação técnica e econômica na África, busca fortalecer sua presença por meio de comércio, investimentos e diplomacia. A estratégia “Índia-África” visa abordar desafios compartilhados, como pobreza, segurança e mudanças climáticas.

 

Os países do Golfo, especialmente Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, têm investido ativamente em vários países africanos, incluindo o Sahel, muitas vezes com foco em segurança e estabilidade regional.

 

A África está no centro das atenções globais, com várias potências mundiais buscando influência política, econômica e estratégica na região. A competição entre os Estados Unidos, China, Rússia, Turquia, Índia e países do Golfo está moldando a dinâmica geopolítica africana, trazendo oportunidades e desafios para os países africanos. A evolução dessas relações complexas continuará a influenciar o destino da África e seu papel no cenário global.

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