19 de outubro de 2023
Por Ana Claudia Paes (Imagem: Unsplash)
Marcada para junho de 2024 a eleição presidencial mexicana será marcada, pela primeira vez, por duas mulheres liderando as intenções de votos nas urnas. A ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum (MORENA), e a senadora indígena Xóchitl Gálvez (PAN), figuram na dianteira das pesquisas e declaram-se abertamente progressistas. É a primeira vez na história do país em que homens não lideram a frente das eleições para presidente.
Histórico presidencial do México
As últimas eleições mexicanas (2018) já haviam representado um marco histórico. Depois de 94 anos sob domínio absoluto do PRI (Partido Revolucionário Institucional), o mais tradicional do México, um candidato progressista venceu: António Manuel López Obrador do MORENA (Movimento de Regeneração Nacional). A vitória de AMLO rompeu com a tradicionalidade e o conservadorismo que coordenavam a nação há quase um século. A eleição de cinco anos atrás, abriu espaço para uma nova fase política e social no México. Agora, a expectativa é que essa onda inovadora siga adiante, com a perspectiva da eleição da primeira mulher a desempenhar o cargo de chefe de Estado em um país marcado pelo machismo. O México apresenta altos níveis de violência de gênero.
Os principais temas da atual campanha são a grave crise de segurança pública e as questões de gênero. Em 2022 foram registrados mais de 130 casos de feminicídio, além da volta dos ataques de ácido contra mulheres. Em 2021, o México foi o segundo país mais letal para mulheres na América Latina – atrás apenas do Brasil -, registrando inúmeros casos de assassinatos e violência doméstica. Apesar disso, alguns avanços têm ocorrido, como a luta por direitos reprodutivos e a conquista da descriminalização do aborto, em setembro de 2023. Nesse contexto, a disputa entre Claudia Sheinbaum (MORENA) e Xóchitl Gálvez (PAN) é extremamente significativa.
Histórico e propostas
Embora as campanhas ainda estejam no começo e os debates programáticos não tenham se iniciado ainda, é possível traçar o perfil das possíveis futuras chefes de Estado.
Sheinbaum:
Claudia Sheinbaum, candidata pelo partido de López Obrador, tem 61 anos e é doutora em Engenharia de Energia, autora de dezenas de artigos e dois livros sobre o tema, ex-secretária de meio ambiente (2000-2006), da gestão de Obrador, e ex-prefeita da cidade do México (2018-2023)a. É também pesquisadora do Instituto de Engenharia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), Sheinbaum começou a trilhar sua caminhada política ainda no movimento estudantil. No ano de 2015, Sheinbaum venceu as eleições para a prefeitura de Tlalpan e permaneceu no cargo até 2018, quando foi eleita como a primeira mulher prefeita pela capital do país.
A partir das estratégias apresentadas durante seu governo, tanto em Tlalpan, como na Cidade do México, é possível afirmar que as principais causas e propostas que Claudia Sheinbaum são relacionadas à ecologia, desenvolvimento sustentável e transporte limpo, além de ter grande foco nas pautas educacionais. Ela se coloca contra a privatização da educação e defende não apenas os direitos das mulheres, mas também as pautas relacionadas aos direitos LGBTQIAP+.
Xóchitil Gálvez:
Xóchitl Gálvez, 60 anos, apresenta-se pelo PAN (Partido da Ação Nacional), que já abrigou o ex-presidente Vicente Fox (2000-2006). Ela é a aposta da recém formada Frente Ampla pelo México, constituída peloPAN, pelo PRI (ambos de direita) e pelo PRD (Partido da Revolução Democrática), de centro. . Seu nome não era chamativo no cenário político mexicano até períodos muito recentes. Tudo mudou quando em um discurso, o atual presidente do país citou a senadora como uma das principais opositoras à vigência dos programas sociais de seu governo, tais como a Pensión a los Adultos Mayores, Jóvenes Escribiendo el Futuro, etc. A declaração de Obrador foi, na verdade, um equívoco, uma vez que Gálvez não se opunha às políticas. Ao exercer seu direito de resposta às acusações do presidente, a senadora não foi ouvida, o que causou um grande movimento midiático, destacando a candidata como opositora de destaque.
Gálvez é de origem indígena, da etnia Otomí, uma das mais vulnerabilizadas do México. Muito jovem, ela migrou do estado de Hidalgo para a capital e conquistou uma bolsa de estudos na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Lá estudou engenharia e, mais tarde, tornou-se uma empresária bem sucedida no ramo da robótica e computação. Apesar de construir sua carreira na Cidade do México, Gálvez não perdeu o contato com suas raízes e, durante o governo de Vicente Fox foi comissária nacional para os povos indígenas, iniciando, a partir de então, sua carreira política. Gálvez foi eleita prefeita de Miguel Hidalgo em 2015 e exerceu o cargo até 2018, quando tornou-se senadora e começou a trabalhar para conquistar uma nomeação para candidata a prefeita da Cidade do México. A principal estratégia da candidata é manter-se com uma imagem política independente de partidos e figuras marcantes deste meio, afirmando constantemente em seus discursos que não pertence a nenhuma oligarquia e que segue as próprias convicções. Gálvez também apresenta propostas liberais, como consequência direta de sua carreira de empreendedora de sucesso. No entanto, a política não descarta as conquistas sociais recentes, provenientes do governo, reiterando que não haverá retrocessos. Além disso, por sua hereditariedade, Gálvez não esconde o apoio às causas indígenas do país e se autodenomina como uma liberal-progressista.
A disputa e a representatividade
Com o sucesso das políticas sociais do MORENA e da relativa estabilidade política e econômica conquistada durante dos últimos anos do governo de Obrador – que termina seu último ano de governo com alta popularidade -, Sheinbaum é considerada favorita. Ainda que o atual presidente não seja um grande destaque nos assuntos relacionados à equidade de gênero em seu próprio governo – majoritariamente masculino – e em políticas públicas voltadas às mulheres, é inegável que o governo do MORENA propiciou uma cenário em que, finalmente, vislumbrar mulheres na presidência tornou-se possível..
Ainda no começo das disputas presidenciais, o duelo entre as duas mulheres se pauta, principalmente, pelas duras críticas que Xóchitl Gálvez vem sofrendo por parte de Obrador e seus apoiadores e pelas declarações incisivas que a candidata liberal faz ao apoio amplamente divulgado do atual presidente à Sheinbaum. Para Gálvez, a candidata de esquerda tem condições de se firmar na disputa de forma independente, alegando que o apoio do atual chefe de Estado pode tornar a disputa política desigual e injusta.
É extremamente relevante que o cenário político para as próximas eleições presidenciais mexicanas seja composto por mulheres em um país que foi, durante quase um século, governado por um partido conservador e tradicional. O fato da próxima corrida eleitoral ser pautada por duas candidatas reforça a reforma cultural, social e política que o país vem apresentando – tanto em conquistas como a junção do país a Maré Verde, relacionada ao aborto, como na conquista do casamento homoafetivo em 2022 e na escolha nas urnas em 2024.