África e a expansão dos BRICS 

16 de novembro de 2023

Por Mohammed Nadir, Gustavo Alves Daniel, Carlos Eduardo Ramos Sanches, Gabriel de Castro Soares e Flavio Thales (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)


Descubra a trajetória dos BRICS desde a Conferência de Bandung em 1955 até sua expansão recente com a inclusão da Etiópia. Este artigo analisa a formação do bloco como uma alternativa ao domínio do Norte global e explora as implicações econômicas e políticas para os novos membros, como a Etiópia, enfrentando desafios pós-pandêmicos e conflitos internos. A situação do Egito sob a liderança de Abdel Fattah el-Sisi é examinada, destacando as oportunidades que a associação aos BRICS pode oferecer em meio a desafios econômicos recentes. 


Os BRICS: Um gigante do Sul e início da história

Desde a Conferência de Bandung em 1955, pairava sobre a sociedade internacional o anseio por uma articulação e cooperação entre países que recentemente haviam conquistado a independência ante o jugo colonial, e aqueles que ainda estavam sob controle das metrópoles europeias. O desenvolvimento econômico já figurava entre os objetivos almejados pelas novas nações e, à medida que os processos independentistas foram se efetivando ao longo do Sul Global, cúpulas e conferências delinearam os rumos de países que resistiram, pelo menos num primeiro momento, à filiação aos projetos das potências que encaravam-se no alvorecer da Guerra Fria.

A Conferência de Belgrado em 1961 formalizou o bloco de estados denominado Movimento dos Países Não Alinhados. A resolução emitida ao final do encontro mencionava a questão da assistência técnica e econômica aos países que compunham o fórum, e para tanto, demandava maior articulação da ONU através da Assembléia Geral e dos seus respectivos conselhos. Em 1964, a organização instituiu a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento com vistas a integrar os países em desenvolvimento no sistema econômico mundial. Dentro da CNUCED, forma-se o G77, grupo de países do denominado “Terceiro Mundo”, responsável por divergir dos países desenvolvidos em muitos encontros do conselho.

Na Conferência de Lusaka em 1970, o MNA propõe a ideia de um novo desenvolvimento que não siga aquele já empregado em países do Norte Global, mas sim uma auto-suficiência coletiva entre estados em desenvolvimento, algo que seria novamente abordado na Carta de Argel (1973), postulante de uma completa soberania dos Estados em assuntos econômicos, dado que muitos haviam recentemente conquistado sua independência e não estavam completamente estabelecidos. Em 1974, durante a VI Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU, o MNA e o G-77, normalmente constituídos pelos mesmos países, conseguem aprovar a Resolução 3.201, denominada Declaração de Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Mundial, e que reorganizou as bases econômicas que deveriam ser aplicadas ao desenvolvimento dos novos estados.

Contudo, a década de 70 foi palco de sucessivas crises econômicas em razão dos 2 grandes choques do petróleo que acometeram a economia global. Muitos países não alinhados acabaram por se posicionar na Guerra Fria e o recrudescimento de conflitos militares acabou por desarticular os blocos em grande medida.

Finda a Guerra Fria, e em momento posterior ao ápice do conjunto de ações militares designado de Guerra ao Terror, surge o BRIC, grupo de cooperação econômica que fizera diversos encontros informais desde o início da década de 2000, e no ano de 2009 emite comunicado conjunto afirmando seu caráter de cooperação para com economias emergentes. Posteriormente, em 2011, a África do Sul passou a integrar o bloco e a sigla mudou para BRICS.

Estava constituído o grupo econômico da denominada semi-periferia. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, nações com passados vinculados ao signo da colonização, do imperialismo e da dependência posicionaram-se no cenário internacional em busca de uma alternativa ao Norte hegemônico.

A Etiópia/”Abissínia” nos Brics:  O renascer do “império Etíope”!

A Etiópia, localizada no Chifre da África e com mais de 120 milhões de habitantes, também foi aceita para ser incluída no grupo dos BRICS a partir de 2024. A nação, antes chamada de Império Etíope e Abissínia, foi palco de resistência contra os empreendimentos coloniais dos países europeus e se manteve independente durante toda a sua história. Atualmente, a Etiópia é o segundo país mais populoso do continente africano com 123 milhões de pessoas e figura como a sexta maior economia do continente, com um PIB de US$290 bilhões de dólares. Adicionalmente, também possui um forte índice de crescimento dos últimos 15 anos, com uma média de crescimento de 10% ao ano nesse período e com uma previsão de crescimento de 7,5% para 2023.

Dado esse cenário, a Etiópia enfrenta alguns desafios em relação a suas dívidas após o período pandêmico, as consequências do violento conflito no norte do país na região de Tigray e problemas de segurança alimentar após o início do conflito entre Rússia e Ucrânia, em que a Etiópia importava grande parte dos seus grãos, e uma seca que assola o país nos últimos seis anos. Com a adesão aos BRICS, o país busca assistência nesses temas com a expertise dos seus membros em relação a mecanização e modernização da agricultura, investimentos externos no setor energético e empréstimos com melhores condições de pagamento mediante o Novo Banco de Desenvolvimento.

Dessa forma, a Etiópia também pode aprofundar suas parcerias econômicas com os membros do bloco, países como China, Índia e África do Sul já possuem investimentos que somam bilhões em setores de infraestrutura, construção e prospecção em setores de tecnologia e desenvolvimento verde. Porém, é possível expandir a sua relação com o Brasil em que a Etiópia exportou apenas US$2.09 milhões para o Brasil, enquanto importou US$31.1 milhões. Adicionalmente, a Rússia já está aprofundando suas relações com o país etíope com a assinatura de um acordo de cooperação na área nuclear e possíveis investimentos em setores de mineração e energia.

O Egito dos eternos militares e a busca por um novo protagonismo 

O Egito tem sido palco de uma dinâmica política complexa desde a sua Revolução de 2011, que derrubou o longevo regime de Hosni Mubarak e vivenciou a breve presidência de Mohammed Mursi. Desde então, o país viu a ascensão de Abdel Fattah el-Sisi ao poder e a subsequente consolidação de um regime autoritário, caracterizado por uma estabilidade política em detrimento das liberdades individuais.

A perpetuação da autoridade do presidente Abdel Fattah el Sissi, com apoio externo e interno, fortaleceu o papel das forças armadas no governo, acompanhada de frequentes denúncias contra violações de direitos humanos. A política de estabilidade sob o governo do general é citada como uma justificativa para a manutenção de seu governo autoritário. Além de práticas como a coibição da oposição, aparelhamento de meios de comunicação e pleitos eleitorais, a ascensão de uma diplomacia para angariação de apoio internacional e resultados econômicos estáveis podem ter sido, em parte, a justificativa para condescendência ao regime. 


Gráfico 1 – Relação entre o PIB da República Árabe do Egito  (em US$ constantes em 2015) e a transição de regimes 

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Fonte: produção própria, com base na base de dados oferecida pelo Banco Mundial 


Sob o mandato de el-Sisi, o Egito implementou reformas econômicas focadas na atração de investimento estrangeiro e de estímulo ao crescimento produtivo. Isso inclui a expansão do canal de Suez, a construção de uma nova capital e uma série de esforços institucionais para melhorar o ambiente de negócios. Além disso, o país recebeu apoio financeiro de países aliados – Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos-. Que ajudaram a estabilizar a economia e a resolver crises financeiras temporárias.


No entanto, no período recente, a economia do país vem enfrentando um forte desgaste. Desde o início de 2022 a libra egípcia sofre uma desvalorização recorde de 50% (em relação ao dólar), o país registrou, em julho deste ano, 38,2% de inflação em relação ao ano anterior. Para o governo, os índices alarmantes seriam consequência da pandemia e da guerra da Ucrânia -o país é o maior importador mundial de trigo, com seus fornecedores quase majoritariamente originários da Europa Oriental-. Com o enfraquecimento da moeda, os preços pagos sobre produtos importados tornam-se cada vez mais sufocantes. A expansão da fome, acréscimo do endividamento externo  e a ascensão de medidas de austeridade são alguns dos problemas que o país enfrenta. 


Gráfico 2 – Balança Comercial egípcia (em bilhões de dólares e proporção do PIB)

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Fonte: Macrotrends, com base no Banco Mundial; 


Para a diplomacia egípcia, existem uma série de oportunidades que a associação aos BRICS poderia oferecer, suprindo uma plataforma para cooperação econômica, investimentos e troca de experiências em um cenário internacional complexo. O protagonismo dado pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o acesso a linhas de investimento restritas aos países membros podem ser promotores de segurança para o país. Um segundo ponto, a aproximação ao bloco também significaria o acesso mais ativo do país aos projetos de inserção econômica chineses em África, e, portanto, estímulo a um movimento de associação ao capital financeiro chinês. 


Os Brics e os desafios geopolíticos do futuro!


Eis de fato a grande incógnita sobre o futuro deste gigante bloco que busca reequilibrar a balança das forças dentro de uma ordem mundial bastante desequilibrada. A expansão do BRICS para o formato BRICS+ e a adoção de princípios orientadores, normas e procedimentos para o mesmo, tornaram o BRICS uma instituição potencialmente mais atrativa para a criação de consensos e o diálogo no mundo em desenvolvimento. 

Outro aspecto importante será a forma como estes parceiros aproveitam os novos sistemas de cooperação que os BRICS têm tentado criar. A campanha publicitária sobre uma moeda comum dos BRICS pode ser impraticável e prematura, mas o comércio em moedas nacionais está a tornar-se uma realidade. A recente transação de petróleo designada por ruptura entre a Índia e os Emirados Árabes Unidos não é apenas um golpe no acordo do petrodólar que prevalece desde 1973. É também um sinal de que os principais exportadores e importadores de matérias-primas do mundo podem tentar reduzir a sua dependência do dólar. Se não é uma nova ordem mundial, a expansão dos BRICS é certamente uma tentativa de uma ordem mundial alternativa, uma ordem com um ouvido mais simpático para os muitos países em desenvolvimento do que para uma minoria dos desenvolvidos.

A transformação dos BRICS em BRICS+ reflete de certa forma o mal estar contra o Ocidente pela sua responsabilidade em crises e guerras e pela sua incapacidade de controlar sequer as consequências destes acontecimentos. Aquilo a que alguns observadores chamam uma coligação negativa de Estados que não conseguem chegar a acordo sobre uma posição comum, mas conseguem criar um consenso sobre aquilo a que se opõem, está a aumentar em número para evitar sanções e medidas protecionistas. Os antigos guiões de pertença a uma determinada ordem já não são válidos porque a fiabilidade dos parceiros tradicionais mudou. As narrativas significativas sobre velhas formas de ordem que se tornaram frágeis estão a perder o seu efeito vinculativo. Novos horizontes de possibilidade são apreendidos na expectativa de novas opções de ação, apontando claramente para a necessidade urgente de reordenar as relações internacionais para ultrapassar a auto-referencialidade do Ocidente.

A notícia de que o continente africano passa a ter três de seus países nesse bloco foi recebida com congratulação. O Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, presidente do Mercado Comum para a África Oriental e Austral (COMESA), descreveu a parceria em expansão do continente africano com os BRICS como uma parceria vantajosa para todos. “Vemos isto como uma oportunidade rara para enfrentar os desafios de que temos vindo a falar há muito tempo e em muitas plataformas”, afirmou.

“Precisamos reformar a ordem global, em particular para resolver as desigualdades associadas a ingredientes críticos para o desenvolvimento, como o capital. A África paga um custo de capital mais elevado do que qualquer outro país do mundo”, acrescentou o líder zambiano, afirmando que a plataforma BRICS deve e pode ser usada para trabalhar e acelerar os processos de reforma em torno de questões que inibem o desenvolvimento.

A aspiração de África para um novo papel na ordem mundial gerou com a inclusão de mais dois países africanos – Egito e Etiópia – no bloco muito interesse no continente. “A parceria entre os BRICS e África vai para além da conveniência”, disse o Presidente do Djibuti, Ismail Omar Guelleh, que presidia à Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), na reunião de diálogo BRICS-África, em Joanesburgo. “É um passo que coloca África na sua posição de direito dentro da ordem global” e sobretudo uma oportunidade de defender os interesses africanos de forma mais ampla e inclusiva. 

Todavia e apesar da euforia inicial há que se questionar até que medida pode o bloco ser capaz de resolver a divergência entre os governos do Cairo e de Adis Abeba sobre a construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope no Nilo Azul. O que se pode dizer é que os países do BRICS sempre mantiveram boas relações, apesar das divergências existentes entre alguns Estados membros. A prova é que mesmo com os cinco países originais, havia tensões entre a Índia e a China, mas nunca se ouviu até agora que a Índia não vai à China para participar numa conferência e vice-versa. Isso prova que aquilo une os BRICS é o conjunto de princípios que orientam a sua cooperação daí o otimismo do que a entrada do Egito e Etiópia pode contribuir a harmonizar as relações entre dois países e reascender os contatos seculares que sempre uniram a região oriental com o norte de África. 

Referências:

BRIEFING, S. R. Ethiopia’s Membership Of BRICS: Consequences and Prospects. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.silkroadbriefing.com/news/2023/09/06/ethiopias-membership-of-brics-consequences-and-prospects/>.

One year on, peace holds in Tigray, but Ethiopia still fractured. Aljazeera, 2 nov. 2023. Disponível em: https://www.aljazeera.com/gallery/2023/11/2/photos-one-year-on-peace-holds-in-tigray-but-ethiopia-still-fractured

SIBOMANA, E. Famílias da Etiópia lutam para sobreviver à seca recorde. Acnur, 7 jul. 2022. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/2022/07/07/familias-da-etiopia-lutam-para-sobreviver-a-seca-recorde/>

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