Ano V, nº 74, 25 de abril de 2024
Por Ahmed Mohamed Soliman Ibrahim, Amanda de Assis Moreira, Ana Carolina Carvalho de Oliveira, Andressa Yukari Souza Nakaema, Ariel Elliot Salles, Fabíola Lara de Oliveira, Larissa Carvalho Reis, Luiza Molina Alvarenga, Rafaela Castilho, Rayssa Dias Silva, Luciana Elena Vázquez, Roberta Peres (Imagem: Unsplash)
As migrações internacionais têm sido pauta da extrema direita ao longo da história. Em diferentes momentos de crise, a questão migratória ganha espaço nos discursos extremistas, autoritários, retrógrados e reacionários como a grande causa de problemas persistentes como desemprego, pobreza, violência.
O panorama atual, tanto da dinâmica migratória quanto da ascensão de discursos ultra conservadores, indica que mais uma vez migrantes são colocados no centro de um debate marcado pela xenofobia e propostas anti-imigração. Países como a Itália, França, Suécia, Hungria e Polônia têm aumentado o número de assentos em seus parlamentos de membros de partidos de extrema direita com pautas xenófobas que, em momentos de crise, ganham corações – e votos – de eleitores.
A primeira contribuição do GT Migrações Internacionais do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil propõe uma reflexão sobre essa apropriação da questão migratória como pauta central da extrema direita, buscando em discursos de campanhas eleitorais recentes a forma como pessoas migrantes, em situação de refúgio e propostas para a regulação das migrações são apresentadas. Foram escolhidas pelo grupo de trabalho as campanhas à presidência de Donald Trump, Jair Bolsonaro, Javier Milei e, mais recentemente, a pauta do Partido Chega, em Portugal, que elegeu 48 parlamentares nas eleições de março de 2024.
Donald Trump: “Eles não estão nos enviando as suas melhores pessoas. E são pessoas provenientes de outros países, não só do México. Temos traficantes de drogas vindos de outros países, temos estupradores, temos assassinos. Você acha que eles vão nos enviar suas melhores pessoas? A resposta é não”.
Concorrendo pelo partido Republicano, Donald Trump foi eleito para assumir a presidência dos Estados Unidos entre os anos de 2017 e 2021, após derrotar a candidata do partido democrata, Hillary Clinton. Porém, perdeu a reeleição em 2021 para Joe Biden, do mesmo partido opositor. Atualmente, busca novamente ser eleito a presidente.
Trump adquiriu notoriedade nos anos 1980 por ser empresário do ramo imobiliário e ex-apresentador de reality show. Suas campanhas presidenciais foram marcadas por polêmicas, sobretudo no que se refere às propostas anti-imigração. Durante as eleições de 2016, Trump consolidou a liderança de intenções de votos, tendo a construção de um muro na fronteira entre Estados Unidos e México como tema central de sua campanha. Dentro de seu discurso, as ofensas a comunidades migrantes fortaleceram sua postura anti-imigração, como quando afirmou que o México estaria “enviando gente que tem muitos problemas, estão nos enviando seus problemas, trazem drogas, são estupradores e suponho que alguns até podem ser boa gente, mas eu falo com agentes da fronteira e me contam a verdade” (SANDOVAL, 2015).
Em paralelo, no ano de 2024, diante da instabilidade migratória global, a questão da imigração continua destacando-se na atual campanha eleitoral norte-americana, seguindo a tendência história de apropriação do debate sobre migrações pela extrema direita mundial.
A priori, é notório que o discurso anti-imigratório é uma das pautas da direita e extrema-direita, atrelado à xenofobia e ao nacionalismo (LIMA, 2019). Este movimento político utiliza da ideologia e polarização para discursar e captar os anseios populares, muitas vezes com a justificativa de ameaça nacional e risco de violência. Elementos como a ascensão de novos papéis sociais e culturais, frutos de uma crescente globalização, assim como a perda de status de certos grupos sociais, crises econômicas, bem como crises de representação democrática, mostram-se uma oportunidade para políticos capitalizarem nos anseios de populações vulneráveis economicamente e ávidas por uma voz em meio a mudanças tão céleres. As afirmações nativistas mais constantes na história dos Estados Unidos são as de que imigrantes são incapazes de serem assimilados ao país, por uma diferença inerente de suas culturas e etnias, de forma que os últimos acabam por se tornar uma ameaça, quando não o são de imediato. (NASCIMENTO, 2019).
Logo que decidiu se candidatar à presidência dos EUA, Trump, conhecido por ser “polêmico” e “sem papas na língua”, chegou a exigir que Barack Obama, o presidente na época, mostrasse seu registro de nascimento, da mesma forma que era feito com as pessoas negras durante a escravidão (CAMPOS, 2018), sendo parte do movimento denominado “birther”, com o objetivo de questionar a legitimidade de políticos opositores (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 67).
Nesse sentido, durante sua primeira campanha eleitoral, Trump prometeu deportar milhares de imigrantes “ilegais”, erguer um muro entre EUA e México e barrar o ingresso de muçulmanos no país (CAMPOS, 2018) Em agosto de 2016 fez um discurso no Arizona referente à “imigração legal e ilegal” (BOCHENEK; STEIN, 2019). Em suas falas é perceptível que o republicano usava de medidas polêmicas que visavam convencer o eleitorado americano de que os imigrantes poderiam afetar a segurança nacional. É válido destacar uma parte de sua fala, na qual ele afirma que os altos índices de homicídios contra cidadãos estadunidenses são cometidos por imigrantes, assim como a ideia de que americanos são mortos somente por estrangeiros (BOCHENEK; STEIN, 2019). Deste modo, fica evidente o discurso xenofóbico e o preconceito de Trump que marcam sua agenda de campanha, pois essa foi a estratégia utilizada: culpabilizar os migrantes pelos males da sociedade americana.
Ademais, Joe Biden e Donald Trump, os principais concorrentes nas últimas disputas, divergem em seu grau de dureza com os imigrantes. Enquanto Biden apresenta um discurso mais humanizado, Trump mantém a sua narrativa agressiva, na tentativa de mobilizar a maior quantidade de eleitores, no momento atual de fragilidade do controle da fronteira com o México e crise econômica. Por outro lado, durante o governo Biden, sucessor ao de Trump, o número de imigrantes indocumentados cruzando a fronteira entre México e Estados Unidos bateu recordes. O que converge com a insatisfação de 67% dos eleitores com a política imigratória de Biden, de acordo com a Gallup.
Não somente em reuniões ou comícios Trump propagava suas falas, mas também, em redes sociais, por exemplo no Twitter (atualmente “X”), como mostra a imagem abaixo, retirada da conta pública do candidato (na época presidente americano):
Tremendous numbers of people are coming up through Mexico in the hopes of flooding our Southern Border. We have sent additional military. We will build a Human Wall if necessary. If we had a real Wall, this would be a non-event!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) February 5, 2019
Figura 1: Legenda (tradução dos autores): “Um enorme número de pessoas atravessa o México na esperança de inundar a nossa Fronteira Sul. Enviamos militares adicionais. Construiremos um Muro Humano se necessário. Se tivéssemos um verdadeiro Muro, isto seria um não-acontecimento!”. Fonte: X
Já em 2021, perdeu a corrida presidencial para o candidato democrata Joe Biden. Durante a campanha para se reeleger, Trump tentou se afastar de falas do passado, de forma a demonstrar um discurso mais moderado.
Atualmente, Trump está disputando as primárias para concorrer às eleições presidenciais de 2024 pelo Partido Republicano, e tem utilizado de casos de assassinatos de dois jovens estadunidenses supostamente cometidos por imigrantes indocumentados no país para endossar a narrativa anti-imigração. Em seu discurso realizado em Grand Rapids, Michigan, Trump torna a ofender imigrantes referindo-se a eles como “animais” e “não humanos”, afirmando que são eles os responsáveis por crimes violentos no país (LAYNE; SLATTERY; REID; 2024). Conforme a pesquisa realizada pela Reuters/Ipsos (LANGE, 2024), 38% dos eleitores republicanos citaram a questão imigratória como tema central.
Em “Como as democracias morrem?”, Steven Letvisky e Daniel Ziblatt elucidam que as acusações de que imigrantes indocumentados estavam sendo usados pelo Partido dos Democratas a fim de os favorecer nas eleições por meio de fraudes, Trump pretende colocar sob desconfiança o sistema eleitoral entre seus apoiadores, majoritariamente brancos (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018). Assim, tendo como finalidade o enfraquecimento da democracia, para expandir a conquista de poder através do autoritarismo, Trump mais uma vez encoraja esta visão extremista e xenófoba sobre imigrantes e muçulmanos, incitando a violência por parte de seus eleitores contra seus opositores (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018).
Jair Bolsonaro: “A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver”.
Outro exemplo que compõe o cenário de apropriação da questão migratória como agenda política de candidatos da extrema direita pelo mundo é brasileiro: Jair Bolsonaro, que presidiu o país de 2019 a 2022, em diferentes oportunidades, se valeu do discurso anti-imigração para criar uma falsas ameaças à soberania nacional pela presença de migrantes e pessoas em situação de refúgio.
O Brasil é uma nação com profundas raízes conservadoras em diferentes pautas. O aumento da violência urbana e as discussões sobre “valores tradicionais” alimentaram o crescimento de uma base conservadora e reacionária. Neste cenário, líderes políticos de extrema direita, como Jair Bolsonaro, foram capazes de utilizar e aproveitar eficazmente as redes sociais para se comunicar diretamente com eleitores e disseminar sua mensagem, sem qualquer aderência à realidade, em muitos casos, como na associação entre a presença de migrantes e o aumento da pobreza e da violência. Isso permitiu que contornassem a mídia tradicional e alcançassem um público mais amplo, construindo no país uma estruturada narrativa reacionária e nacionalista.
Antes mesmo de lançar sua candidatura à presidência, Jair Bolsonaro já era uma figura polêmica na política brasileira. Como deputado federal, ganhou notoriedade por suas declarações controversas, muitas vezes envolvendo temas como segurança pública, direitos humanos, e questões sociais. Seu discurso nacionalista, retrógrado e anti-establishment ressoou em uma parcela significativa da população descontente com a política tradicional. Desta forma, o ex-presidente da república carrega um histórico de ataques e ofensas às pautas e debates sociais no país, não sendo diferente com as questões migratórias (Silva e Fargoni, 2020).
Apesar dos direitos consolidados no Brasil como o direito à regularização migratória, a proteção a pessoas em situação de refúgio, a promoção da integração socioeconômica e o combate à discriminação e xenofobia, Bolsonaro perpetua um discurso fascista e autoritário, propagando discursos de ódio diretamente contra os imigrantes e os processos de migração em diferentes ocasiões públicas e em redes sociais.
Durante a campanha presidencial de 2018, no que tange à migração, Bolsonaro adotou uma postura combativa, especialmente em relação aos imigrantes venezuelanos, que chegavam ao Brasil, pela fronteira norte do país, afirmando que “nós já temos problemas demais aqui” (MENDES; MENEZES, 2019, p.4). Sempre associando a questão migratória a ameaças à soberania, à segurança, à identidade e principalmente ao emprego de brasileiros, Bolsonaro repetiu discursos de outros representantes da extrema direita pelo mundo, aderindo e compondo uma agenda anti-imigração que já vinha rendendo apoio – e votos – a outras campanhas.
Além disso, Bolsonaro também enfatizou por diversas vezes o controle sobre as fronteiras, prometendo implementar políticas mais rigorosas, assim como fortalecer a segurança nessas regiões, para evitar a entrada “ilegal” de imigrantes (MENDES; MENEZES, 2019). Nesse contexto, Bolsonaro defendeu o que definiu como “soberania nacional”, enfatizando a proposta de uma política mais rigorosa, violenta, xenófoba e conservadora de controle, a fim de proteger os interesses do Brasil (MENDES; MENEZES, 2019), associando diretamente a presença de migrantes a uma ameaça à soberania.
Além disso, ainda em campanha, Bolsonaro defendeu a revogação da Nova Lei de Migração (MENDES; MENEZES, 2019) – que substituiu o Estatuto do Estrangeiro, herança da ditadura militar – , que dispõe, sobretudo, acerca dos direitos e os deveres da pessoa migrante, regulando a sua entrada e estada no Brasil e estabelecendo princípios e diretrizes para as políticas públicas para migrantes (MENDES; MENEZES, 2019).
Já eleito presidente, um dos primeiros atos ligados à política externa de Bolsonaro foi comunicar à Organização das Nações Unidas que o Brasil deixaria o “Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular”, assinado por 164 países, em dezembro de 2018, ao término do mandato presidencial de Michel Temer. O objetivo do acordo global tinha como centralidade a cooperação internacional para regular processos migratórios, a partir de 23 metas e compromissos assumidos pelos países signatários (MENDES; MENEZES, 2019). Afirmou o então presidente Bolsonaro, através de redes sociais – marca de diversas lideranças da extrema direita global: “Não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros. Quem por ventura vier para cá estará sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura”.
É bastante representativo do movimento de apropriação da questão migratória como pauta extremista, retrógrada e reacionária o fato de ter entre os primeiros atos como presidente a retirada do Brasil de um acordo global sobre migrações, num momento em que processos migratórios, orientados por vetores e forças como a divisão internacional do trabalho e a circulação do capital internacional tem se complexificado através de novos espaços, rotas, fluxos e nacionalidades. Soma-se a esses vetores os deslocamentos forçados em função de conflitos e crise climática, que tem intensificado a dinâmica migratória global. Com a eleição do presidente Lula em 2022, o Brasil retornou ao Pacto Global para a Migração.
Bolsonaro é mais um exemplo de como a questão migratória é capaz de mobilizar sentimentos de eleitores, sendo associada a ameaças à soberania e segurança, à violência, pobreza e desemprego. Especialmente o caso brasileiro é terreno fértil para esse tipo de discurso: um país forjado por quase quatro séculos de escravidão, que teve em migrações europeias subsidiadas por acordos bi-laterais um projeto de “enbranquecimento” da população e que herda desses processos, entre tantas e profundas desigualdades, o racismo estrutural. O século XXI se apresenta como um grande desafio para a governança das migrações no Brasil, que figura como importante espaço das migrações Sul-Sul ao mesmo tempo em que assiste à ascensão da extrema direita e seus discursos xenofóbicos anti-imigração pelo mundo. Não por acaso, são os estados brasileiros que mais receberam imigrantes europeus na virada do século XIX para o XX – migrações até hoje celebradas – aqueles que mais apoiam discursos de ódio contra imigrantes, materializados pelo bolsonarismo de forma direta e violenta.
Javier Milei: “Viva la liberdad, carajo!”
Javier Milei foi eleito presidente da Argentina em 2023, com 55,69% dos votos e tornando-se o presidente mais votado da história do país, com 14,5 milhões de votos. Esse feito reflete o apoio considerável que suas ideias receberam por parte de eleitores descontentes com o status quo político e econômico da Argentina. Sua ascensão na cena política argentina trouxe debates acalorados sobre o papel do Estado na economia, políticas de intervenção governamental e a necessidade de reformas estruturais para promover o crescimento econômico e o bem-estar social.
Milei assumiu a presidência em dezembro de 2023 após uma longa campanha, marcada por sua excentricidade de caráter e promessas de retorno a uma glória argentina perdida. Suas promessas de campanha, em concordância com as ideias e práticas políticas, tanto de Donald Trump quanto de Jair Bolsonaro, carregaram a marca do movimento de extrema-direita, o qual tem crescido exponencialmente em diversos países nos últimos anos (BBC, 2020). Suas propostas incluíam, entre outras, a diminuição da participação do Estado e aumento das privatizações, tanto na economia quanto na promoção de saúde e educação; e flexibilização de leis trabalhistas (O tempo, 2023). Milei conquistou destaque na Argentina devido à sua adesão eficaz aos padrões de campanha associados à extrema-direita.
Apesar de a migração não ter sido um foco de sua campanha eleitoral, Milei dava discursos pontuais sobre migrações, muitas vezes mudando o tom e sendo oportunista ao abordar o tema de acordo com seu eleitorado, que em grande maioria é composto por jovens com menos de 30 anos, predominantemente do sexo masculino e que fogem do “politicamente correto”.
Para além do fato exposto, uma das primeiras propostas que Milei enviou ao congresso argentino é a de cobrar uma taxa aos alunos estrangeiros que estudam em universidades argentinas. Em sua proposta, a cobrança teria como foco, alunos estrangeiros que têm residência temporária na Argentina e que depois de sua formatura, devem voltar aos seus países de origem. Este fato, gerou atrito com o Governo Colombiano, onde seu presidente Gustavo Petro, publicou em sua rede social “X” que o governo vai repatriar 20 mil estudantes colombianos que estudavam gratuitamente na Argentina. “Eles foram literalmente expulsos desse país (da Argentina), para eles não houve a chamada ‘liberdade’. Vamos trabalhar para que eles sigam com seus estudos na Colômbia sem grandes obstáculos e também gratuitamente”, afirmou o presidente.
Dessa forma, evidencia-se que os discursos de Milei se aplicam na realidade dos habitantes da Argentina, impactando diretamente migrantes e residentes. De acordo com o veículo de imprensa argentino “La Nación”, os números mais recentes de alunos estrangeiros são de 2021, onde de 2,73 milhões de alunos matriculados no ensino superior, 117,8 mil são estrangeiros, representando 4,3% do total. Desse número, 95,9% são latino-americanos.
Com isso, as implicações da eleição de Milei foram e ainda constituem uma grande preocupação, não apenas para aqueles que já residem no país, mas também para os que desejam um dia fazê-lo.
A Argentina possui uma longa trajetória no que tange ao tema da migração, em especial, na migração regional com os acordos de livre mobilidade entre países do Mercosul (bloco de integração dos países do Cone Sul, criado em 1991). Além disso, sua lei migratória n° 25.871, de 21 de janeiro de 2004, através de mecanismos de participação popular, exerceram grande influência na criação de leis sobre o tema em toda a América Latina. Por outro lado, de acordo com estudo de Brumat e Amancay (2015, p.73), há um descompasso entre a lei e sua aplicabilidade, na qual muitos imigrantes não têm sequer ciência de seus direitos. Atualmente, eles constituem cerca de 6,5% da população argentina, em que mais de 87% é de origem sul-americana.
Uma das principais fontes de apreensão para os imigrantes gira em torno da promessa de Milei de sair do Mercosul. Tal fato tornaria o processo de entrada e permanência na Argentina muito mais difícil pelo aumento das etapas burocráticas para a regularização migratória, além de diminuir suas obrigações em relação aos outros países da região, o que poderia acarretar na diminuição de direitos políticos, trabalhistas e sociais dos imigrantes.
Além disso, o possível aumento da discriminação e xenofobia é outro fator de preocupação. O alinhamento com Trump e Bolsonaro com suas posturas claramente racistas e xenofóbicas gera a questão de qual será o tipo de política ou reação que a postura de Milei pode gerar no governo e na população argentina e como consequência, afetar a vida e os direitos das comunidades migrantes no país.
Milei parece estar caminhando na mesma direção de suas grandes influências. Em fevereiro deste ano, seu governo alterou as exigências para a entrada de brasileiros na Argentina, dificultando-a e, inclusive, mandando-os retornar. Esse ato fere sua Lei de Migração, os acordos assinados por meio do Mercosul e, ainda, os acordos bilaterais com o Brasil. Além disso, no mesmo mês, ele decidiu fechar o Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo, por que de acordo com sua opinião, é uma institução que “não serve para nada”. Essas atitudes levantam o alerta para a questão migratória em seus próximos anos de governo e para as chances de muitos imigrantes perderem ou nem chegarem a alcançar seus devidos direitos, garantidos pela Constituição argentina.
CHEGA: “Nós não queremos mais bandidos em Portugal do que aqueles que já temos” (André Ventura, presidente do partido CHEGA)
O CHEGA é um partido político português fundado em 9 de abril de 2019, que se apresenta em seu programa político como um partido “de direita, conservador, reformista, liberal e nacionalista” (CHEGA, 2021). Nas eleições legislativas mais recentes, o partido ganhou cada vez mais destaque por conta das falas de seus representantes e apoiadores, além das propostas e defesas do partido que foram alvos tanto de críticas como de apoio.
Um dos principais campos no qual o partido faz reivindicações é o das migrações internacionais. O partido ganhou popularidade ao discordar da política de “portas abertas” de Portugal, alegando que o país precisa ter soberania migratória sobre seu território, se colocando assim “contra pretensões de transferência dessa soberania para instituições supranacionais e/ou corpos administrativos internacionais” (CHEGA, 2021). Além disso, defende uma limitação na possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa, com a justificativa de protegê-la contra os riscos de descaracterização nas próximas gerações, concedendo-a apenas aqueles que comprovarem ter conhecimento do idioma e da cultura do país, proposta que aparece no ponto 63 do programa político de 2021 do partido (CHEGA, 2021).
Nas eleições legislativas de 2024, os principais argumentos utilizados apoiavam-se na ideia de que os imigrantes se instalam no país e usufruem dos subsídios oferecidos pelo estado português, argumento que é citado no programa eleitoral de 2024, no qual o CHEGA se posiciona “contra uma imigração que só procura apoios sociais” (ELEGE, 2024). Nesse sentido, um argumento muito difundido foi o de que os imigrantes estariam se beneficiando dos pagamentos da Segurança Social de Portugal, recebendo aquilo que os portugueses estavam pagando. Porém, de acordo com o Relatório do Observatório das Migrações de 2023, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social de Portugal vêm registrando saldo positivo nos últimos anos, mostrando que a diferença entre as contribuições dos imigrantes e os gastos do sistema de segurança social com os mesmos é na realidade bem favorável para o país europeu (SANTOS e MONTEIRO, 2024), o que desmente o argumento propagado pelo CHEGA.
No livro “Estranhos à nossa porta”, Bauman (2017) destaca que muitos políticos enxergam nessa ansiedade que o afluxo de “estranhos” provoca nos nacionais -– medo de que os salários diminuam, que os empregos se tornem ainda mais escassos — um terreno fértil para angariar votos. Nesse sentido, verifica-se que o CHEGA utiliza de tal estratégia, ao inflar essa preocupação com a chegada de “estranhos” no país que, supostamente, colocariam em risco a cultura e as tradições portuguesas (ELEGE, 2024).
Ademais, o uso de informações falsas, as chamadas fake news, e sua veiculação através das redes sociais como maneira de alcançar apoiadores, também pôde ser verificada durante a campanha para as eleições legislativas deste ano. O jornal Público denunciou o uso de grafismos do jornal e da Rádio Renascença como estratégia para convencer o público de que as notícias postadas pelo líder do partido em suas redes sociais tinham sido retiradas de canais de comunicação conhecidos, o que de acordo com o Público não era verdade, uma vez que o conteúdo postado por André Ventura não tinha sido extraído do jornal nem da Rádio Renascença, tendo sequer sido publicado por estes (DANTAS, 2023). Isso pôde ser visto em outras campanhas de candidatos de extrema direita, como o caso de Trump e o Cambridge Analytica (G1, 2019).
Além disso, o partido associa o aumento da criminalidade e da violência no país europeu ao aumento no número de imigrantes, como pôde ser observado na fala do presidente do CHEGA, André Ventura, declarando que “Nós não queremos mais bandidos em Portugal do que aqueles que já temos” (FALCÃO, 2024). Esse tipo de discurso acaba por acentuar a xenofobia que se mostra cada vez mais recorrente em Portugal, principalmente quando dirigida aos oriundos de países do Sul Global, como é o caso do Brasil, país com maior contingente de imigrantes em situação legal em Portugal.
Por conseguinte, é notório o curioso fato de uma crescente de imigrantes brasileiros que filiam-se ao partido CHEGA e apoiam as suas pautas anti-migração. Mesmo em um cenário no qual há um expressivo aumento de denúncias de xenofobia contra imigrantes brasileiros, esses imigrantes chegam a ocupar cadeiras na direção do partido extremista e a serem militantes em prol das causas propostas pelo CHEGA. Dentre eles há o deputado Marcus Santos, de 45 anos, eleito nas últimas eleições legislativas de Portugal em março deste ano, o qual já expressou publicamente uma preocupação com a entrada de imigrantes, ao fazer uma associação desses com a criminalidade e interesse nos benefícios e subsídios concedidos pelo país. Em uma entrevista realizada na VI Convenção do Partido CHEGA, o brasileiro declarou que há uma abertura apenas para “os imigrantes de bem, não aqueles que vêm para viver de subsídios ou acometer crimes, estes que voltem para sua terra” (ZUGATV, 2024) e ainda pede aos brasileiros: “ajudem o CHEGA a melhorar as coisas que estão mal em Portugal” (ZUGATV, 2024). Outra representante brasileira é Cibelli Almeida, de 54 anos, militante número 501 do partido, ela também alega a necessidade do controle migratório, a fim de evitar um aumento de crimes e da violência, mesmo sendo vítima de xenofobia nas mídias sociais, por ataques vindos de um membro do próprio partido.
Assim, observa-se a aproximação dos brasileiros com a direita radical, circunstância que pode ser explicada por alguns fatores como a ligação dos apoiadores brasileiros ao bolsonarismo, os quais migram com valores que correspondem ao que é defendido pelo CHEGA, como a postura antagônica à esquerda e a defesa de um conservadorismo dos costumes. A crítica reiterada que o partido faz aos imigrantes que recorrem aos subsídios portugueses indica uma xenofobia com contornos aporofóbicos, além de raciais, manifestação que se aproxima bastante do conceito de “Xeno-racismo”, cunhado por Sivanandan, que seria um “racismo na substância, mas ‘xeno’ na forma. É um racismo que é imposto a estranhos empobrecidos, mesmo que sejam brancos” (apud FEKETE, 2001). Tal recurso pode ser mobilizado pelos imigrantes que apoiam o CHEGA, uma vez que estes costumam buscar um mecanismo de diferenciação em relação aos outros imigrantes, com a excepcionalidade de serem considerados os “imigrantes do bem”, pois estão legalizados e trabalham formalmente, ao contrário imigrantes vindos de outras regiões, principalmente do Sul Global, que seriam vistos como ameaça.
Portanto, diante dos fatos relatados é nítida a apropriação da questão migratória como pauta da extrema direita representada pelo partido CHEGA em Portugal, sobretudo durante o período eleitoral. Tendo em vista o seu perfil conservador, as propostas de seu programa político, declarações de seus membros e a disseminação de informações falsas a respeito dos imigrantes. Logo, esse discurso explicitamente anti-migratório revela a discriminação contra os estrangeiros no país, sendo esta mais evidente quando feito um recorte étnico-racial.
Os discursos da extrema direita pelo mundo sobre migrações internacionais têm acendido um alerta, uma vez que se relacionam diferentes grupos sociais a ameaças à segurança nacional, à preservação de empregos, à “proteção de gerações futuras”. Ao mesmo tempo, fluxos migratórios pelo mundo se diversificam através de novas rotas, novas nacionalidades, novas estratégias e trajetórias migratórias. A governança das migrações num mundo permeado por conflitos, guerras, crise climática e profundas desigualdades exige um olhar solidário e oposto a preconceitos, pautado pela migração como direito. Com este artigo, o GT Migrações Internacionais do Opeb assume o compromisso de construir uma reflexão crítica sobre as migrações contemporâneas, orientanda pelo direito a migrar e pela proteção de todas as pessoas que têm, acima de tudo, coragem para deixar tudo para trás rumo, muitas vezes, ao completo desconhecido.
Referências Bibliográficas
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