Ano V, nº 79, 04 de julho de 2024
Por Henrique Cochi Bezerra, Lucas Vecchietti Sassaroli Lima, Sophia Helena de Freitas Macedo
(Imagem: Unsplash)
O crescimento massivo do gigante asiático pode soprar novos ares sobre a política externa brasileira: uma oportunidade de desenvolvimento bilateral.
A diplomacia indo-brasileira e o crescimento econômico indiano
Apesar do crescimento recente na relação bilateral Brasil-Índia, o relacionamento entre as nações antecede a independência de ambas, mesmo que de maneira informal. Oficialmente, as relações diplomáticas entre o Brasil e a Índia foram estabelecidas em 1948. Os esforços dos dois países na cooperação multilateral materializaram-se em relações exteriores importantes, como a ampliação das trocas comerciais e a criação de órgãos como o IBAS (Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul) em 2003 e, posteriormente, o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que passou a se chamar BRICS com a adesão da África do Sul ao grupo.
Par e passo as constantes crises econômicas ao redor do mundo, a Índia mantém um forte crescimento econômico – sinalizado pelos altos índices de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), pelo aumento da renda real por pessoa, pela moderação das taxas de inflação e pelo significativo crescimento das vendas de produtos e serviços para o exterior – e deverá se tornar a terceira maior economia do mundo até 2027, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
A Índia passou por importantes reformas nas décadas de 1980 e 1990, que abrangeram aspectos da política comercial, cambial, industrial e incorporaram novas regras para os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED’s), para o setor financeiro e para o mercado de capitais. Os primeiros resultados se deram a partir do aumento massivo dos investimentos estrangeiros, o que dinamizou o desenvolvimento econômico indiano ainda nos primeiros anos pós-reformas. O gráfico a seguir ilustra o crescimento econômico indiano com base no PIB nacional a partir de 1960.
PIB (em dólares) – Índia. Fonte: Banco Mundial
No entanto, não há como atribuir o contínuo sucesso da Índia apenas às reformas econômicas aqui abordadas. Embora estas tenham propiciado uma ascensão na capacidade competitiva e produtiva do país, na tese de André Nassif, foi o uso estratégico do aparato estatal para viabilizar uma integração internacional de longo prazo que foi decisiva em questões referentes ao desenvolvimento econômico e social, manifestado, na prática, a coordenação das políticas macroeconômicas com enfoque nas flutuações cíclicas e na estabilidade do nível geral de preços – que evidencia a natureza da política monetária, fiscal e cambial.
O crescimento médio de 7% ao ano na última década transfigura a Índia como uma das economias que mais crescem no mundo. Diante disso, o mercado de consumo indiano carrega a aposta de se tornar o próximo motor econômico global. Tais expectativas se fundamentam especialmente nas seguintes dinâmicas: a) uma segunda fase de urbanização, de cidades médias e pequenas, em zonas mais remotas; b) uma nova ascensão à classe média, especialmente em razão do crescimento do setor de serviços de tecnologia durante a pandemia; c) uma pirâmide etária favorável, com a chegada de dezenas de milhões de jovens à idade de consumo.
Relações comerciais indo-brasileiras
O início das relações comerciais entre o Brasil e a Índia foi incentivado pelo fim da antiga União Soviética em 1991, haja vista que o país asiático passou a necessitar de alternativas para repor os antigos parceiros soviéticos. Assim, na busca por novos mercados, a Índia identificou o Brasil como a parceria mais estratégica da América Latina.
Um importante marco no início da relação comercial bilateral foi a visita, em 1996, do então presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, à Índia, sinalizando uma resposta brasileira positiva à aproximação indiana. Já com a virada do século, a década de 2000 representou uma forte aproximação entre os dois governos, sendo patrocinada pelo alto escalão político de ambos os países.
Além disso, um estratégico acordo comercial foi firmado entre os países membros do Mercosul e a Índia em 2004 em Nova Delhi: o Acordo de Comércio Preferencial (ACP) Mercosul-Índia, que garante a preferência comercial entre as partes envolvidas e taxas alfandegárias mais atrativas. Em especial para a relação bilateral indo-brasileira, o acordo possibilitou o estabelecimento de laços mais profundos entre os dois países, embora tenha entrado em vigor apenas em 2009 devido ao atraso na tramitação para sua ratificação pelos congressos dos quatro países. A criação do acordo fez parte da tentativa brasileira de aproximar o bloco sul-americano do IBAS e de projetar a imagem brasileira de forma mais ativa no cenário internacional, especialmente ao que dissesse respeito ao diálogo Sul-Sul.
Ao que tange os valores oriundos da relação bilateral indo-brasileira, observa-se um grande salto entre os anos 2000 e 2010, saindo de US$271 milhões para US$4,2 bilhões. Mais recentemente, evidenciou-se uma nova gama de oportunidades a serem exploradas no que diz respeito à relação comercial, que atingiu a máxima histórica de US$15,2 bilhões em 2022, apesar da queda de 31% desse valor em 2023. Nesse mesmo ano, três produtos dominaram as exportações brasileiras para a Índia: açúcar (26%), óleos vegetais (27%) e petróleo bruto (13%). Por outro lado, as principais exportações da Índia para o Brasil foram componentes para medicamentos (18%), remédios (7,7%) e pesticidas (8,3%).
Distribuição das exportações entre o Brasil e a Índia em 2023. Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Elaboração autoral.
Esses números foram responsáveis por colocar a Índia na quinta posição enquanto parceira econômica mais importante do Brasil, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos, Argentina e Alemanha. Ademais, o crescimento da relação comercial bilateral não é explicado apenas pelo fortalecimento da troca comercial, mas também pelas externalidades do cenário internacional, como a pandemia de covid-19 e a guerra russo-ucraniana. Essas mudanças nas cadeias globais de valor favoreceram o fortalecimento das relações entre os dois países como alternativa às crises impostas.
Em relação aos investimentos estrangeiros, o Brasil não fez grandes progressos nos últimos anos. Por outro lado, estima-se que a Índia tenha elevado seu investimento em solo brasileiro para US$8 bilhões até o final de 2022, segundo levantamento do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Apesar desses aspectos conjunturais favoráveis, muitos dos obstáculos nas relações entre Brasil e Índia ainda persistem. Faltam diretrizes claras nos objetivos estratégicos de ambos os países para nortear a cooperação bilateral.
Oportunidades de cooperação entre Brasil e Índia
Identifica-se na agenda bilateral áreas de complementaridade econômica e tecnológica que começaram a receber maior atenção, particularmente em setores sensíveis para ambos os governos, como o energético, aeroespacial e de defesa.
No campo das energias renováveis, a cooperação entre o Brasil e a Índia mostra grande potencial, especialmente nas áreas de energia solar e biocombustíveis. O Brasil pode aproveitar o conhecimento indiano na produção e transmissão de energia solar, enquanto a Índia tem interesse em aumentar a utilização de etanol em sua matriz energética. Em 2022, reafirmando seu compromisso com as energias renováveis, o Brasil ratificou sua participação na Aliança Solar Internacional. Na esfera da energia nuclear, a cooperação entre os dois países ganhou novo fôlego após o apoio brasileiro à candidatura da Índia ao Grupo de Fornecedores Nucleares em 2016.
No setor espacial, a Índia está se consolidando rapidamente como um importante centro global para a fabricação e lançamento de satélites, impulsionada por políticas do governo Modi que incentivam a participação privada. O Brasil, que atualmente depende muito da colaboração com a China para seu programa espacial, poderia se beneficiar enormemente de uma parceria mais estreita com a Índia. O Brasil poderia aprender com a experiência indiana para fortalecer seu programa espacial, que atualmente enfrenta sérios desafios financeiros.
Na área de defesa, há grandes oportunidades para a relação bilateral, considerando que a Índia possui o quarto maior orçamento de defesa do mundo, com US$81,4 bilhões, enquanto o Brasil ocupa o 17º lugar, com US$20,2 bilhões.
Ao que tange às oportunidades do agronegócio, os crescimento econômico e populacional indianos acelerados geram, por consequência, aumento na demanda por alimentos. Por sua vez, o governo indiano se mostra cauteloso com relação à sua própria agricultura e sinaliza uma abertura controlada ao alimento importado. Qualquer abertura comercial indiana deve gerar grandes oportunidades para o Brasil, haja vista a relevância que o agronegócio brasileiro tem no cenário internacional.
Nessa óptica, uma das oportunidades mais promissoras para o Brasil se encontra na exportação do milho. Apesar de possuir políticas mais protecionistas, o governo indiano será forçado a permitir importações com taxas reduzidas, uma vez que o uso do etanol como combustível está em expansão no país, tendo em vista a cúpula do G20 onde Brasil, Índia e Estados Unidos firmaram uma aliança global de biocombustíveis, se comprometendo a fomentar a produção de etanol. Assim, apesar do país ser um dos maiores produtores mundiais de açúcar e milho, o consumo interno do setor avícola somado à produção de etanol fará com que as produções de milho e açúcar logo se tornem insuficientes para sustentar o impulso na demanda, favorecendo os produtores brasileiros. Além da exportação de matéria prima, a cooperação no setor de biocombustíveis acontece também no intercâmbio de tecnologias com a introdução do motor flex fuel, tecnologia em que o Brasil foi pioneiro.
A essa análise, considera-se que o ACP, desde 2009, favoreceu de forma limitada o Mercosul com a preferência comercial indiana, abrangendo apenas 450 dos mais de 10 mil itens possíveis; ou seja, ainda há muitas oportunidades para serem aproveitadas pelo Brasil e pela própria Índia através do acordo selado em 2004. Embora as condições do próprio acordo não sejam as mais desejadas pelo Itamaraty, o ACP é um investimento que pode se mostrar extraordinariamente benéfico e estratégico para o Brasil no longo prazo.
Ademais, cabe pontuar que há muito do que se beneficiar do forte ecossistema de startups da Índia, que hoje é potência em inovação em setores como e-commerce, pagamentos, transporte, educação e software as service (SaaS) . As startups indianas têm feito avanços notáveis em agricultura de precisão, que utiliza tecnologias como sensores e drones para monitorar e otimizar o uso de recursos nas fazendas. Desta maneira, nota-se grande espaço para cooperação entre os países no setor de culturas leguminosas, estratégias de aumento de produtividade e eficiência no uso de água.
Conclusão
É possível analisar que, apesar dos avanços notáveis no estreitamento de relações diplomáticas, ainda existe um vasto potencial inexplorado nas relações indo-brasileiras. O fortalecimento dos laços é constantemente dificultado pela distância geográfica, pelas diferenças linguísticas e culturais, pelos desafios internos de cada país e pelo desconhecimento mútuo predominante entre as sociedades brasileira e indiana. O Brasil deve continuar a buscar ativamente maneiras de superar essas barreiras.
Atualmente, a Índia se destaca cada vez mais como uma nação de grande relevância política e econômica, com uma rica herança de civilizações e culturas milenares. O país asiático possui uma classe média emergente e um mercado consumidor em rápida expansão. O Brasil, por sua vez, deve buscar relações bilaterais com a Índia que estejam alinhadas e se beneficiem do nível de cooperação e dos acordos que ambos os países defendem e participam em fóruns internacionais mais amplos, aproveitando as potencialidades e complementaridades entre as duas economias.
Espera-se que os avanços alcançados nas últimas décadas sejam o alicerce para construir e aprimorar a parceria estratégica entre esses dois gigantes globais no século XXI. A ampliação do comércio, investimentos mútuos e colaborações em setores estratégicos serão fundamentais para fortalecer ainda mais essa relação, beneficiando as sociedades de ambos os países.