Brasil e América do Sul

18 de julho de 2024

 

Por Anna Beatriz,  Flavio Rocha de Oliveira, Antonio Pedro Miranda, Paulo Del Bianco, Tarcízio Rodrigo Melo, Ronaldo Galdino, Roberto Tadeu da Silva,  Rennan Willian da Silva, Márcio Rocha da Silva Filho

(Imagem: Unsplash)

 

A venda da Avibras tem se mostrado uma trama complexa envolvendo interesses de empresas e nações estrangeiras sobre a base industrial de defesa do Brasil. Somado a isso, o avanço na modernização das Forças Armadas argentinas, que passam pelo aprofundamento de laços com os EUA e o agravamento da crise entre o país norte-americano e a República Popular da China, são temas que merecem atenção.

 

A cooperação em defesa entre Brasil e Paraguai

 

No dia 02 de maio o ministro da defesa, José Múcio, fez uma viagem ao Paraguai para um reunião com o presidente paraguaio, Santiago Peña, e seu homólogo, para discussão de temas relativos à cooperação e parcerias no campo da defesa. Neste encontro o Paraguai demonstrou interesse em comprar aeronaves brasileiras, mais especificamente seis caças Embraer A-29 Super Tucano, com a intenção de utilizá-los em patrulhamento aéreo no combate ao tráfico de armas e drogas. Este acordo também contou com o presidente da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), Francisco Gomes Neto, e de representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sendo que este último é o financiador da compra das aeronaves pelo Paraguai, com o acordo sendo estimado no valor de US$100 milhões.  

 

Importante destacar que Brasil e Paraguai tem um longo histórico de cooperação no âmbito da defesa. Em 1941 há a primeira institucionalização da cooperação militar entre os dois países com criação de uma Missão Militar com a finalidade de organizar os Cursos de Cavalaria, Equitação e Educação Física. Entre os anos de 1942 e 1994 esteve vigente a Missão Militar Brasileira de Instrução no Paraguai (MMBIP), que em 1997 se torna a Cooperação Militar Brasileira no Paraguai (CMBP) e tem como foco na cooperação militar nos campos científicos, culturais, tecnológicos e de aperfeiçoamento profissional.

 

Ao longo dos últimos anos, diversos acordos de cooperação no campo da defesa e segurança foram sendo assinados entre os dois países, cabe aqui destacar dois deles: 

  • Mecanismo 2+2 de Consulta Política e Avaliação Estratégica: Criação de um foro diplomático envolvendo os ministros da defesa e relações exteriores dos dois países visando o intercâmbio de informações e ideias a respeito de defesa e segurança internacional

  • Acordo Quadro sobre Cooperação em Matéria de Defesa: Cooperação no campo da defesa com o objetivo de desenvolver uma visão compartilhada de defesa, intercambiar experiências e perspectivas em estrutura organizacional e modernização das forças armadas, identificar enfoques comuns em temas de defesa e segurança internacional, promover ações conjuntas de treinamento e instrução militar, manobras militares, entre diversos outros assuntos relativos ao tema.

 

Para além desses acordos podemos citar outras ações que também envolvem cooperação com o país vizinho em matéria de segurança e defesa. Exemplos são o  Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF) que visa o fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e da repressão aos delitos transfronteiriços, tendo como uma de suas diretrizes a cooperação internacional com os vizinhos, incluindo o Paraguai. Há também a  Comissão Mista Brasil- Paraguai sobre Drogas e Temas Conexo, que visa o combate ao tráfico de drogas, armas, pessoas e ao crime organizado. Como também a realização de exercícios militares combinados entre os dois países.

 

O Imbróglio da venda da AVIBRAS

 

Em contraposição à situação da Embraer e a venda dos Super Tucanos, a Avibras, empresa estratégica do setor nacional de defesa, teve sua venda anunciada em abril deste ano para a australiana DefendTex e, desde o início das negociações, uma série de problemas foram deflagrados.

 

Do silêncio das Forças Armadas  sobre a venda de uma empresa estratégica do setor de defesa nacional, até a entrada da NORINCO, empresa estatal chinesa, nas negociações e posterior ameaça de sanção dos Estados Unidos, a venda da Avibras tem se mostrado uma trama complexa envolvendo interesses de empresas e nações estrangeiras sobre a base industrial de defesa do Brasil.

 

O anúncio da venda da Avibras é a demonstração de mais um capítulo do desmonte nacional do setor de defesa brasileira, cujo exemplo mais recente foi a venda da Condor e da SIATT em 2024 para o EDGE Group, uma estatal dos Emirados Árabes Unidos.

 

Incapazes de manter sob território nacional o know-how destas empresas, o governo brasileiro segue abrindo mão de um mercado lucrativo e com capacidade de gerar empregos de alto nível e investimentos científicos, precarizando não apenas as Forças Armadas Brasileira – que ficam à mercê de interesses externos, os quais em períodos de guerra podem não se mostrar amistosos com as nossas necessidades – mas também o desenvolvimento tecnológico futuro numa área que possui capacidade de gerar interfaces e ganhos para outros setores da economia.

 

No atual desenvolvimento das negociações, a DefendTex, que tinha decidido por deixar a mesa de negociações, voltou atrás quando a chinesa NORINCO demonstrou seu interesse. O fato dos Estados Unidos terem indicado a possibilidade de sanção à empresa caso os chineses saíssem vitoriosos é uma indicação de que, mesmo que a NONRICO adquira a Avibras, podem haver sanções no mercado internacional para minar a saúde financeira da empresa brasileira.

 

Uma possibilidade, caso a NORINCO adquira participação na Avibrás, é que uma eventual sanção estadunidense poderia fazer com que a empresa viesse a ter maior dependência do comércio com países fora da órbita da OTAN e da política externa dos EUA. Isso abriria espaço para uma inserção em mercados como o da América Latina ou do continente africano. 

 

Aproximação Argentina e EUA: impactos para a o setor de defesa no Brasil

 

Ainda sobre interesses estrangeiros e dependência das grandes potências, nos últimos meses a Argentina tem feito avanços na modernização de suas Forças Armadas, com uma série de aquisições que passam pelo aprofundando de seus laços com os EUA. Entre as principais notícias estão a potencial aquisição de veículos blindados 8X8, a compra de aviões de combate F-16 de 2ª Mão da Dinarmarca, a participação no Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia e a realização de exercícios navais com a Marinha dos Estados Unidos.

O Exército Argentino está avançando na aquisição de Veículos Blindados de Combate Sobre Rodas (VCRB) 8×8, que são essenciais para melhorar a mobilidade e a capacidade de resposta rápida em diferentes terrenos. Esta aquisição atinge diretamente as pretensões brasileiras de vender o blindado 6×6 Guarani, que inclusive tem motor fabricado no país vizinho.

 

Em paralelo, o governo argentino aprovou um gasto significativo para a compra de aviões dos combate usados F-16. Os F-16 são aeronaves multifuncionais, capazes de realizar missões de defesa aérea, ataque ao solo e reconhecimento, porém longe de ser a versão mais moderna do vetor. Esta aquisição mina quaisquer das remotas possibilidades de aquisições de caças Gripen fabricados no Brasil. 

 

Sobre a aquisição dos caças F-16, vale lembrar que a Dinamarca está interessada na venda dessas unidades num contexto maior: ela está adquirindo os modernos aviões de combate F-35, também dos Estados Unidos. A equação, ao final, ficaria da seguinte maneira: os EUA autorizam e intermediam, politicamente, a venda de jatos usados que eles mesmo fabricaram e cujas peças de reposição são os maiores fornecedores, e, ao mesmo tempo, lucram na venda de aviões mais sofisticados ainda para os dinamarqueses. Eles lucram duplamente e, ainda por cima, reforçam sua posição geopolítica no continente americano num contexto de competição crescente com a China.

 

Além das aquisições de equipamentos, a Argentina também está fortalecendo sua aproximação e aliança com os EUA. A recente decisão de se unir ao Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia indica um posicionamento mais ativo no cenário internacional nessa direção, especialmente em contextos de segurança global e cooperação em defesa.

 

Finalmente, a Marinha Argentina está se preparando para o exercício naval Gringo-Gaucho II, em conjunto com a Marinha dos Estados Unidos. Este exercício visa melhorar a interoperabilidade entre as duas marinhas, além de proporcionar treinamento em operações conjuntas e técnicas de combate naval. A participação em exercícios como o Gringo-Gaucho II é mais uma de uma série de exercícios realizados pelos norte-americanos no continente ao longo desse ano.

 

Aumento das tensões na Ásia

 

O agravamento da crise entre Estados Unidos, seus aliados asiáticos, a OTAN, de um lado, e a República Popular da China apresenta novas circunstâncias que podem levar potências mundiais à guerra. 

 

Ampliando sua estratégia de contenção e cerco à China, os Estados Unidos tem fortalecido a posição do Japão como seu principal parceiro e baluarte de seus interesses na Ásia com o intuito de promover a inclusão do país asiático à AUKUS, aliança militar tripartite formada pela Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Na reunião realizada por essa aliança em abril de 2024, a inclusão de novos membros foi discutida e Washington pressionou pela participação do Japão. Porém, independente de ser um membro oficial, os japoneses já colaboram com a AUKUS, pois em maio de 2024 a Força Marítima de Autodefesa do Japão (FMAJ), comunicou a assinatura de um memorando sobre guerra de informação entre a FMAJ, a Marinha Real Australiana e a frota do pacífico dos Estados Unidos. Também em maio, foi realizado no Havaí uma reunião entre os chefes da defesa dos EUA, Austrália, Japão e Filipinas, onde os mesmos “concordaram em aumentar as atividades conjuntas, incluindo exercícios militares” por “partilharem a visão comum de um Indo-Pacífico livre e aberto”.

 

O cenário de degradação das relações entre os países asiáticos aliados dos Estados Unidos e a República Popular da China, é agravado pela pujança da indústria naval chinesa. Os EUA permanecem sendo a maior potência naval e marítima, mas sua construção naval foi ultrapassada pela China, Japão e Coréia do Sul. Para lidar com a rápida expansão da marinha da China, impulsionada por sua posição dominante no mercado de construção naval, os Estados Unidos buscam o apoio de seus aliados sul-coreanos e japoneses “para revitalizar seus estaleiros navais inativos e restaurar sua competividade”. Em março de 2024, o Secretário da marinha dos Estados Unidos, Carlos Del Toro, visitou os estaleiros das empresas Mitsubishi Heavy Industries (MHI) no Japão, e HC Hyundai na Coréia do Sul, “para ajudar a reconstruir a capacidade de construção naval da América”. Del Toro ainda afirmou que os estaleiros visitados “estabeleceram o padrão global da indústria, por isso não poderia estar mais entusiasmado com a perspectiva de estas empresas trazerem os seus conhecimentos, a sua tecnologia e as suas melhores práticas aos estaleiros localizados nos Estados Unidos”.

 

Atualmente governada por Ferdinand Marcos Júnior, filho do ex-ditador Ferdinand Marcos, as Filipinas deixaram a posição mais independente do governo anterior  para voltar a se constituir em dos mais importantes e próximos aliado dos Estados Unidos contra a China. Motivada pelos confrontos entre suas unidades navais e a Guarda Costeira Chinesa no mar do sul da China, o governo filipino voltou a permitir, após mais de 30 anos,  a presença da marinha dos Estados Unidos em Subic Bay, revivendo a aliança contra a União Soviética. Em fevereiro de 2023, foi assinado o Acordo de Cooperação de Defesa Aprimorada, que permite que os EUA façam rodizio de tropas e construam outras instalações para uso de unidades estadunidenses e filipinas, bem como o acesso a mais quatro bases, sendo uma delas na borda sudeste do mar da China Meridional, apenas 320 quilômetros ao sul de Taiwan. Além do desdobramento de unidades aeronavais no território filipino, os militares norte-americanos estão posicionando sistemas de armas Typhon na região, que possui a capacidade de lançamento de mísseis de cruzeiro Tomahawk e misseis antiaéreos SM-6, sendo noticiada também, a transferência de unidades do Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidades, o HIMARS.

 

A Ásia é uma região conflagrada e diante de qualquer erro de cálculo pode levar o continente e o mundo à uma guerra de grandes proporções.

 

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