Os desejados e os indesejados: como a imprensa hegemônica brasileira define os fluxos migratórios no Brasil

18 de julho de 2024

 

Por Luciana Elena Vazquez, Andressa Yukari Souza Nakaema, Ariel Elliot Salles dos Santos, Camila Micheletti Flores, Cecília Fantini, Fabíola Lara de Oliveira, Larissa Carvalho Reis, Luiza Molina Alvarenga, Rafaela Castilho, Rayssa Dias Silva

(Imagem: Pixabay)

 

O Brasil vem se constituindo como espaço cada vez mais relevante no panorama das migrações internacionais: novos fluxos, novas nacionalidades, e novas rotas têm atravessado diferentes territórios no país, para além das regiões metropolitanas, historicamente espaços de circulação de migrantes. Áreas de fronteira e também cidades pequenas e médias assistem à chegada de migrantes vindos de países com os quais, até bem pouco tempo atrás, o Brasil não tinha relações migratórias. 

 

A dinâmica das migrações internacionais – bem como a construção de narrativas sobre ela – é uma disputa permanente. Um dos atores mais relevantes nessa arena é a mídia hegemônica brasileira. Ao longo da história os discursos dos principais veículos de comunicação do Brasil estiveram ao lado das migrações “desejadas”: brancas, europeias, altamente qualificadas. Ao mesmo tempo, as migrações “indesejadas” (não brancas, especialmente do Sul Global) vem sendo definidas como invasão e como culpada por diferentes males: desemprego, violência, lotação de serviços públicos. De forma recorrente a mídia hegemônica no Brasil define a chegada de migrantes do Sul Global, especialmente, como crise migratória. 

 

O Grupo de Trabalho Migrações Internacionais do OPEB construiu, para essa edição da newsletter, um estudo sobre a abordagem das migrações associadas à ideia de invasão e crise e a construção do imaginário e da opinião pública – e consequentemente no acolhimento – sobre pessoas migrantes no Brasil. O contraponto vem de um conceito contemporâneo para o entendimento de processos migratórios que questiona essa perspectiva adotada pela mídia: as migrações de crise. Para tanto, foram analisados 4 diferentes veículos de imprensa – Folha de São Paulo, O Globo, Portal G1 e Portal CNN – e seus olhares para as migrações venezuelanas no Brasil. 

 

Folha de São Paulo

 

O jornal Folha de São Paulo, criado em 1921, é um dos principais veículos de mídia do Brasil e define-se “como veículo de inspiração liberal, reformista e aberto à pluralidade de tendências” (Folha, 2024), com o objetivo de promover a democracia e os valores humanos, manter uma posição apartidária frente a governos e grupos de pressão e cultivar a pluralidade de opiniões, mantendo uma postura crítica e independente em suas transmissões. 

 

Sua curadoria de notícias abarca acontecimentos do Estado de São Paulo, do país e do mundo, além de transmitir informações sobre os mais diversos temas, como política, economia, cultura, comportamento e sociedade. A partir do reconhecimento da importância do jornal Folha de São Paulo na veiculação de notícias em âmbito nacional, analisar a maneira com que a migração venezuelana é retratada por ele torna-se fundamental para compreender uma das formas, pela qual a opinião da população brasileira é construída em relação ao tema. 

 

A metodologia utilizada para tal estudo foi a delimitação do período de publicação dos artigos, correspondendo entre janeiro de 2017 a junho de 2024, na tentativa de abarcar artigos desde o início da Operação Acolhida, criada durante o governo de Michel Temer, para facilitar a compreensão do fenômeno. Foi realizada, então, uma busca por palavras-chave em seu site como, “migração venezuelana”, “refugiados venezuelanos”, “imigrantes venezuelanos”, “crise migratória”, “crise de refugiados”, e “crise migratória venezuelana”. Dos artigos encontrados, foram selecionados 103, entre notícias e artigos de opinião, que continham as palavras-chave relevantes. Esses artigos foram cuidadosamente analisados para examinar como o jornal retrata a situação dos refugiados e migrantes venezuelanos.

 

Um estudo do período de 2017 a 2019 sobre as publicações referentes à migração venezuelana, demonstra que a expressão “crise migratória” foi utilizada 21 vezes. Tal uso pode parecer inofensivo em um primeiro momento, mas carrega a conotação de um problema a ser solucionado, isto é, o caráter humano e social da situação dos refugiados e migrantes é deixado de lado para se pensar aspectos econômicos e de segurança, mas não para eles e sim para a população brasileira. Sob tal perspectiva, os venezuelanos tornam-se intrusos, e é possível notar os indícios desse ponto de vista ao ler algumas reportagens veiculadas pelo jornal. Determinadas escolhas de palavras e expressões, como “Venezuela exporta Malária” (Colluci, 2019) ou “avalanche” para se referir à chegada dos refugiados, revelam a possibilidade de que a escrita dos jornalistas demonstre convicções pessoais, mesmo que de maneira inconsciente. Isso ocorre apesar do jornal adotar uma postura de defesa dos direitos humanos e da migração. Logo, a forma como a migração venezuelana é retratada altera-se de acordo com o autor do texto. Vemos artigos que aludem ao fenômeno de modo mais humanizado, enquanto outros o apresentam negativamente, como em artigos de opinião, nos quais posições extremamente anti-migratórias foram defendidas por personalidades públicas, como Durval Lourenço Pereira, tenente-coronel do exército brasileiro, e Suely Campos, ex-governadora de Roraima. 

 

Nota-se que poucas vezes foram utilizadas as denominações “migrante” e “refugiado” para se referir aos migrantes, chamados somente de “venezuelanos”. Para além disso, termos acadêmicos e conceituais do campo de migrações internacionais não foram, do mesmo modo, utilizados, sendo o termo “deslocamento forçado”, por exemplo, empregado apenas uma única vez em uma reportagem de 2019. 

 

Ao analisar os textos referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022, buscando por “migrações venezuelanas” no site, foram encontradas 60 matérias relacionadas às migrações de venezuelanos para o Brasil e outras partes do mundo. Entre os artigos analisados a palavra “crise” teve conotação negativa no contexto migratório apenas 9 vezes, usando como referência os termos “crise migratória”, “migrações de crise”, “crise de refugiados” e “crise de deslocados”, sendo o primeiro termo o que apareceu com maior frequência.  A palavra “crise” foi mais comumente associada a contextos fora da migração, aparecendo 85 vezes em termos como “crise interna”, “crise na Venezuela”, “crise econômica” e “crise sanitária”, esta última referindo-se à pandemia de Covid-19.

 

Já em 2024 foram encontrados apenas oito artigos, segundo as palavras-chave “crise migratória”, “migração venezuelana”, “refugiados venezuelanos”, os quais se referem ao Brasil e também a outros países latino-americanos. Foi percebido, a partir de tal fato, que houve uma diminuição na quantidade de artigos publicados sobre o deslocamento forçado venezuelano no Brasil e seu processo de integração na sociedade brasileira, e o foco voltou-se para a veiculação de notícias mais gerais sobre a migração de diferentes povos, como o palestino e o haitiano. Sobretudo, notamos que ocorreu uma redução drástica, quando comparado aos anos de 2018 e 2019, da utilização da palavra “crise” para se referir ao movimento migratório, a qual passa, agora, a relacionar-se com questões econômicas e políticas. Outra mudança positiva foi a adoção dos termos “migrante” e “refugiado” para se referir às pessoas venezuelanas que chegaram ao país, feito que pode significar uma alteração na percepção do jornal sobre o assunto, buscando focar, de maneira mais efetiva, em um tratamento mais respeitoso com sua jornada e o sofrimento enfrentado por eles. 

 

O Globo

 

Desde a primeira publicação por um jornal brasileiro de uma telefoto nos anos 30 até o início de sua edição digital em 2006, O Globo passou por inúmeras transformações ao longo de sua trajetória. Fundado em 1925 por Irineu Marinho, após uma viagem à Europa, o jornal tinha como objetivo renovar “os padrões dominantes na imprensa carioca” e se declarava uma mídia independente de forças externas e influências políticas,  governamentais ou não, traçando assim seu próprio viés. No início, a redação do diário de notícias carioca abordava questões populares e desigualdades sociais, honrando as diretrizes que propunha. No entanto, O Globo adotou uma postura mais conservadora e elitista — historicamente algumas das características mais notáveis do nosso sistema de mídia (AZEVEDO, 2006). É nesse contexto que, ao longo dos últimos anos, as migrações internacionais têm sido cada vez mais citadas nos editoriais.

 

Nesse sentido, reconhecendo que a linguagem não é percebida como um instrumento neutro; a forma como algo é representado molda ou incorpora a ação política (Boréus; Bergström, 2017), realizamos uma pesquisa etnográfica sobre o jornal O Globo para analisar como as migrações internacionais foram tratadas nos últimos anos. Considerando que a migração venezuelana é a mais relevante e de crescimento mais rápido na América Latina atualmente, concentramos nossa análise em artigos sobre esse tema, embora não nos tenhamos limitado apenas a essa migração. Ao buscar os termos “migração”, “imigração”, “crise”, “venezuelanos”, “Venezuela”, “imigrantes”, “imigração” e “refugiados” e filtrar a busca para o período de 2017 até o presente, encontramos resultados apenas a partir de 2022.

 

De 2022 em diante, foram encontradas treze notícias utilizando as palavras-chave mencionadas anteriormente, onde apenas quatro abordavam o tema da migração venezuelana. A escassez ou a baixa quantidade de resultados na pesquisa evidencia o desinteresse midiático em relação às migrações “não cosmopolitas”, termo utilizado por Glick Schiller e Noel B. Salazar para referir-se a migrações que não são oriundas das elites econômicas e intelectuais, sendo, portanto, percebidas como inábeis para contribuir com a formação de uma cultura mundial baseada na diversidade. Essas, frequentemente, são vistas como uma ameaça ao trabalho dos cidadãos locais ao “competirem” por empregos – quando, na verdade, complementam a força de trabalho e incentivam o desenvolvimento da economia.

 

Destaca-se que a relação entre as migrações internacionais e o trabalho perpassa fortemente desde o fim da abolição da escravatura no Brasil. A passagem do trabalho escravo para o trabalho forçado do branco estrangeiro foi marcada por constrangimentos, como a Lei de Terras e a Lei do Ventre Livre, que materializam o objetivo da elite dominante em atrasar a abolição para, assim, continuar a utilizar pessoas como instrumentos para alcançarem a produtividade da grande lavoura e o seu consequente lucro, mesmo que este instrumento mude de figura (Vainer, 2000).

 

Paradoxalmente, a solução imigrantista é vista com bons olhos até certo ponto. Quando a força de trabalho venezuelana em deslocamento é qualificada e especializada, os países vizinhos a aceitam como uma forma de integração à economia local. Por outro lado, quando a migração ocorre pela parcela da população de baixa renda e menor escolaridade, a sua aceitação muda completamente e é repudiada (Ferreira e Bordallo, 2023). Assim, a assimilação do imigrante ao país de destino é favorecida quando há o interesse nacional neste deslocamento, mas também quando o próprio é considerado assimilável nos âmbitos cultural e social. Um exemplo clássico é o da imigração japonesa no Brasil. Criou-se a ideia de que a integração deste povo não poderia ser realizada, explica Vainer:

 “O japonês foi visto e representado como, simultaneamente, o melhor trabalhador dentre os que se podia importar e o mais inassimilável de todos os estrangeiros – o mais estrangeiro dos estrangeiros”. (Vainer, 2000, p.20)

 

Em um contexto em que as migrações “não cosmopolitas” são vilanizadas e desumanizadas, a linguagem, especialmente nos veículos de mídia, torna-se uma ferramenta de opressão e manipulação das massas. Tendo isso em mente, entre os termos pesquisados, “crise migratória” foi a combinação que mais se repetiu, aparecendo três vezes. Sistematicamente veiculada, essa expressão é uma forma de atribuir os problemas dos países receptores aos imigrantes, vistos como ameaçadores para a sociedade receptora, ao trazerem consigo características sociais e culturais, além de colocarem questões econômicas tidas como inconvenientes aos países que os acolhem (Bertino; Borba, 2021), e também por serem, supostamente, incapazes de se integrarem aos costumes locais e, portanto, transformadores da identidade nacional. O termo “migrações de crise”, que ressalta não apenas os motivos desestabilizadores e nocivos que forçam o deslocamento, mas também os grupos que não têm a opção de migrar diante da crise que enfrentam, não apareceu nenhuma vez durante a pesquisa no jornal O Globo.

 

Ademais, a expressão “onda migratória” apareceu três vezes entre as 13 notícias analisadas, referindo-se a fluxos de migração para territórios anteriormente não explorados por esses migrantes. A palavra “crise” também foi frequente, aparecendo seis vezes, abordando instabilidades econômicas, políticas, fronteiriças e humanitárias – fatores que explicam os fluxos migratórios. No entanto, nessas mesmas notícias, a expressão “crise migratória” é usada, implicando que a crise é um fenômeno posterior à migração, conforme mencionado anteriormente.

 

A partir dessas considerações, entende-se que a cobertura midiática do jornal sobre as migrações, sobretudo as migrações de crise, é limitada e geralmente tratada com conotação negativa, reforçando estereótipos e preconceitos. Isso resulta na formação de uma opinião pública desfavorável aos migrantes, sem levar em conta a complexidade e a diversidade das experiências migratórias.

 

 

CNN

 

A Cable News Network (CNN) é um canal de notícias estadunidense, que pertence ao conglomerado WarnerMedia, foi licenciada no Brasil em março de 2020. A CNN está presente tanto em canal de televisão por assinatura quanto em meios digitais. O foco jornalístico é informar, analisar e contextualizar os eventos atuais, sobretudo de temas que tangem a política, economia, saúde e cultura, fomentando programas de debate e entrevistas (CNN, [2020). Apesar de tratar-se de um veículo de comunicação recente no Brasil, a CNN possui papel relevante na formação de opinião na sociedade brasileira. 

 

A metodologia empregada nesta análise consistiu na busca por termos como “migração venezuelana”, “refugiados Venezuela”, “crise migratória”, “migrações de crise”, “crise de refugiados”, “imigrantes venezuelanos”, “refugiados venezuelanos”, e, “crise migratória Venezuela” no site da CNN Brasil. A partir disso, houve o levantamento das notícias que apareceram no buscador no período compreendido entre março de 2020 e maio de 2024, qual foi o termo de busca utilizado, e principais palavras-chaves que aparecem no decorrer dos textos, para assim, identificar os principais contextos e aspectos que permeiam o discurso endossado pela CNN Brasil no que refere-se aos refugiados e imigrantes venezuelanos. O estudo feito abrangeu matérias jornalísticas, com pesquisas baseadas em palavras-chave, visando compreender de que forma a CNN abordou a migração venezuelana no período citado anteriormente. 

 

Conforme elucidado por Bruna Carvalho Badaró de Melo (2022), o fenômeno da migração venezuelana não é recente, sendo compreendido em três ondas: a primeira onda ocorreu entre 2012 e 2014, com a vinda de venezuelanos altamente qualificados para o Brasil; a segunda onde entre 2015 e 2017, com profissionais de classe média; e, a terceira após 2018, com venezuelanos classes mais baixas e pouca qualificação. Levando em consideração que a CNN Brasil começou a veicular somente em 2020, iremos nos ater a analisar a partir deste período. 

 

Na análise durante o período pandêmico de 2020, no estudo de 23 reportagens, foi possível notar que houve um considerável número de reportagens sobre refugiados e imigrantes da Venezuela, em sua maioria, referente a como esses sofreram durante esse período. Por exemplo, algumas manchetes destacavam a política interna venezuelana e a maneira que a população tentava lidar com a situação mundial da época. Alguns títulos podem exemplificar, “Como vivem refugiados no Brasil em tempos de quarentena” (CNN, 2020); “As dificuldades enfrentadas por refugiados em meio à pandemia” e “Sem trabalho, venezuelanos transportam corpos de vítimas da Covid-19 no Peru” (CNN, 2020). 

 

No ano de 2021, foram analisadas 20 matérias jornalísticas. Nesse período, a questão da migração venezuelana perpetuou nas manchetes do jornal, tendo como ênfase o deslocamento de cidadãos venezuelanos, como “Venezuela é o segundo país com maior número de deslocados e refugiados no mundo” (CNN, 2021). Ademais, é perceptível que há reportagens que discorrem sobre como o Brasil se insere nesse contexto, como sendo um país de destino de muitos venezuelanos, sobretudo no que consta na permanência e assistência oferecida aos migrantes e refugiados. Ainda nesse âmbito, é válido constatar que o programa “Operação Acolhida”, que realiza o acolhimento e inserção social dos venezuelanos no Brasil, fora mencionado, assim como mostra as manchetes “Operação Acolhida já interiorizou mais de 56 mil venezuelanos refugiados” (CNN, 2021) e “Governo regulariza situação de 287 mil refugiados venezuelanos na Operação Acolhida” (CNN, 2021). Ainda nesse ano, é possível perceber que a CNN deu destaque para noticiar outros países que acolheram venezuelanos, como exemplo da Colômbia: “Colômbia regularizará 1 milhão de venezuelanos; ONU chama gesto de ‘histórico” (CNN, 202).

 

Já no ano de 2022, 26 reportagens foram estudadas. A mídia seguiu noticiando a migração venezuelana. As problemáticas do que era noticiado ainda abrangia a situação dos refugiados, sobretudo na América Latina. “Milhões de venezuelanos não têm acesso a serviços básicos na América Latina, diz ONU” (CNN, 2022). Ou então como os Estados Unidos lidam com o deslocamento venezuelano, como, “Saiba quantos são e onde vivem os imigrantes venezuelanos nos Estados Unidos”; “Governo Biden trabalha em plano para imigrantes venezuelanos, dizem fontes”; “EUA anunciam novo programa para deportar imigrantes venezuelanos ao México”. Outro ponto que ganhou uma manchete foi a comparação da migração dos venezuelanos com a Guerra da Ucrânia, iniciada em 2022: “ONU: Número de refugiados fugindo da Venezuela é similar ao da guerra na Ucrânia” (CNN, 2022).

 

Em 2023, foram identificadas 22 publicações que se referem aos imigrantes e refugiados venezuelanos, tendo como enfoque principal questões relacionadas à documentação no país de destino ou de passagem, que são retratados como ‘ilegais’, sobretudo aqueles que buscam atravessar a fronteira entre EUA-México. Por exemplo, a notícia sobre mudanças na política do governo Biden, tem-se que “os venezuelanos que cruzarem ilegalmente a fronteira sul e não tiverem base legal para permanecer nos Estados Unidos serão elegíveis para deportação” (CNN, 2023). Apesar de o Brasil ser um dos principais destinos de imigrantes e refugiados que deixam a Venezuela, foram encontradas somente 5 reportagens que tratam especificamente deste contexto. 

 

Por fim, até maio de 2024, das 12 reportagens identificadas, apenas 3 tem como destaque o fluxo migratório de venezuelanos no Brasil. Destas 3 reportagens, nenhuma menciona a Operação Acolhida, em vigor desde fevereiro de 2018. De modo geral, as notícias neste período possuem temas variados que perpassam o deslocamento de pessoas da Venezuela, tais como os impactos no México como país de destino ou passagem, como as crises climáticas pessoas refugiadas e em deslocamento, o discurso ofensivo de Trump referindo-se a imigrantes como “animais” e “não-humanos”, e a pressão sofrida pela Venezuela frente ao agravamento da crise econômica que ocasiona em mais pessoas migrantes na expectativa de melhores condições de vida. 

 

Além disso, foi possível observar que na maioria das notícias no decorrer dos anos foram utilizadas fotografias de refugiados e imigrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade, tanto durante o deslocamento, carregando diversas bagagens, quanto durante o acolhimento em barracas improvisadas. Assim, corroborando estereótipos através da semiótica de tensão social, no qual “os estereótipos se apoderam de algumas características de uma pessoa e as exageram, simplificam e fixam, reduzindo a pessoa a esses atributos” (Hall apud Melo, 2022, p. 90). 

 

Outrossim, um ponto válido de ser citado é o fato da questão venezuelana acabar sendo esquecida por muitos. A situação mundial atual, condiciona a mídia a direcionar seu olhar para determinados conflitos, deixando outros de lado. Ao comparar refugiados da Venezuela com a Guerra na Ucrânia traz à tona como essa é uma questão que deve ser debatida e tratada com maior enfoque. Após o estudo realizado, fica evidente que a CNN sim aborda a migração venezuelana, porém considerando que num período de 5 anos, a abordagem da temática, reforça a ideia que a mídia ainda não retrata a situação dos venezuelanos com o destaque que essa problemática necessita.

 

G1

 

O G1 entrou no ar no dia 18 de setembro de 2006. O portal de notícias foi a primeira iniciativa de conteúdo jornalístico da Globo criada e pensada para o digital, que acabou ganhando cada vez mais relevância com a popularização da internet, além da produção de matérias próprias, com o apoio de redações dedicadas ao jornalismo online em cada uma das afiliadas da Globo. (MEMÓRIA GLOBO, 2022). Tal veículo destaca-se entre os jornais digitais como um dos mais acessados no país, segundo o próprio G1 no ano de 2018 cerca de 100 milhões de brasileiros visitaram a página. (G1, 2018).  Tudo isso, demonstra o grande alcance e o impacto do portal na divulgação de informações, o qual assume parte determinante do papel de formar a opinião pública.

 

Dessa forma, com base nas notícias publicadas pelo G1 será feito uma análise de como o fluxo de migrantes venezuelanos é abordado e qual o sentido do termo “crise” que é assumido para se referir a esse tipo de deslocamento. 

 

O processo de levantamento das matérias se deu baseado em alguns critérios. De maneira que foram pesquisadas notícias publicadas pelo G1 as quais traziam em sua manchete ou texto jornalístico a palavra “crise” associada ao processo migratório venezuelano. Para isso, delimitou-se durante a busca o período de janeiro de 2017 até maio de 2024, uma vez que foi nesse espaço de tempo que o fluxo migratório da Venezuela se intensificou. (UNODC, 2021) 

 

Com o apoio da ferramenta de busca do site do G1, foram utilizadas algumas palavras-chaves, como “migração venezuelana” e “crise migratória”. Assim, a partir dos dados obtidos, foi montada uma planilha para registrar os resultados das pesquisas, a qual dividia as notícias por: título da manchete, data de publicação, autor, endereço digital e palavra-chave. Desse modo, foram encontradas mais de 150 notícias relacionadas aos migrantes venezuelanos, principalmente ligadas às condições de entrada e permanência no território nacional, sendo no ano de 2018 observado o maior registro de notícias.

 

Em primeira instância, cabe mencionar que apesar das primeiras notícias sobre a imigração venezuelana terem sido publicadas em 2016, é notório que somente a partir de 2017, ano do início da presente análise, tal fluxo migratório ganha uma maior projeção. De maneira que neste ano é divulgada uma das primeiras matérias a utilizar do termo ‘crise’ para se referir ao processo também como uma ‘onda de refugiados’, cuja manchete fazia o seguinte questionamento: “A Venezuela pode gerar uma crise migratória?” (Deutsche Welle, 2017). Tal notícia abordava a situação política, social e econômica enfrentada pela Venezuela naquele momento, os impactos negativos desse cenário na vida de seus cidadãos e as possíveis consequências para os países fronteiriços que já estavam recebendo refugiados venezuelanos, como a Colômbia. 

 

Nesse sentido, em relação às notícias que tratam sobre o Brasil, a maioria delas dá um maior enfoque para a região norte do país, principalmente ao estado de Roraima, uma vez que por fazer fronteira terrestre com a Venezuela, foi a região que recebeu a maior quantidade de imigrantes venezuelanos nos momentos de maior fluxo migratório. Essas costumam destacar as dificuldades que as cidades e estados enfrentam com a chegada dos imigrantes. Algumas manchetes como “Com fronteira fechada há 28 dias, Roraima decreta emergência devido à migração venezuelana” (G1, 2019) e Impulsionado pela migração de venezuelanos, Roraima tem maior crescimento populacional do país” (G1, 2021) exemplificam bem essa abordagem.

 

Além disso, uma boa parcela dos fatos são noticiados com um tom alarmista, seja comparando esse processo com outras “crises”, como em uma notícia publicada em 2018: ”Êxodo de venezuelanos é similar à crise dos refugiados que tentam chegar à Europa” (G1, 2018) ou ressaltando os efeitos negativos do processo de migração venezuelana para os demais países da América do Sul que recebem essas pessoas, tratando essa questão como um problema a ser resolvido — “Países da América Latina se reúnem e discutem soluções para migração venezuelana” —, visão bastante criticada por Castles (2010), uma vez que o autor defende que a migração é parte intrínseca do desenvolvimento humano. 

 

De Melo (2023) aponta que a mídia muitas vezes constrói um discurso negativo sobre os refugiados venezuelanos no Brasil. A autora identifica dois subdiscursos principais, o primeiro associando essas pessoas ao aumento de doenças, tensão social e violência nas fronteiras, enquanto o segundo subdiscurso constrói esses refugiados como explorados, subempregados e mal-integrados no mercado de trabalho formal. As notícias publicadas no G1 durante o período delimitado contribuem para confirmar as observações feitas por De Melo (2023), pois cada um desses aspectos negativos apareceu de alguma forma em manchetes que discorriam sobre o tema da migração venezuelana. O aumento de doenças na manchete: “Surto de sarampo importado da Venezuela faz Saúde de RR antecipar campanha de vacinação tríplice viral” (G1, 2018) ; A exploração do trabalho:“Com fluxo migratório intenso, imigrantes venezuelanos voltam a acampar nas ruas de Manaus e podem ser alvos da exploração ilegal do trabalho” (G1, 2018); A tensão social na notícia “Venezuelanos que emigram para o Brasil passam fome e vivem nas ruas em Roraima” (G1, 2021) e o crescimento dos índices de violência também é citado na seguinte matéria “Roraima tem a maior alta de assassinatos no país no primeiro semestre de 2021” (G1, 2021), que destaca como um dos motivos a instalação de novas facções venezuelanas no estado, por conta do processo migratório. 

 

Portanto, conclui-se que o fluxo migratório dos venezuelanos ainda é retratado nas notícias de veículos importantes como o G1 apoiado ao sentido de ‘crise’, o qual remete às condições que perturbam a ordem e a normalidade dos que recebem esses indivíduos migrantes. De modo que por supostamente gerarem instabilidades, são veiculadas muitas matérias que tratam mais das formas de conter ou solucionar o “problema” da migração e pouco mencionam as iniciativas de integração como a Operação Acolhida operada pelo governo federal, ou mesmo as leis que garantem os direitos dos migrantes no Brasil. Logo, nota-se que há um reforço dos estereótipos e da relação discriminatória que é comumente vista de associar os migrantes a aspectos negativos. 

 

 

Referências

 

CASTLES, Stephen. Entendendo a migração global. Uma perspectiva desde a transformação social. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana. v. 18, n.35, 2010, pp. 11-43. Disponível em: https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/227/210 

DE MELO, Bruna Carvalho Badaró. Migração sul-sul: Uma análise crítica do discurso sobre a construção midiática dos refugiados venezuelanos no Brasil. Revista da EMERJ, [S. l.], v. 25, n. 2, p. 83–110, 2023. Disponível em: https://ojs.emerj.com.br/index.php/revistadaemerj/article/view/530. Acesso em: 6 jul. 2024.

GRUPO Globo bate recorde de acessos no digital e passa de 100 milhões de usuários únicos. G1, [S. l.], 26 nov. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2018/11/26/grupo-globo-bate-recorde-de-acessos-no-digital-e-passa-de-100-milhoes-de-usuarios-unicos.ghtml. Acesso em: 08 jul. 2024. 

 

CONHEÇA o Grupo Folha. Folha de São Paulo, São Paulo, SP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/institucional/. Acesso em: 01 jul. 2024. 

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GLOBO, M.-J. O. A PRIMEIRA TELEFOTO. Disponível em: <https://memoria.oglobo.globo.com/linha-do-tempo/a-primeira-telefoto-9200015>. Acesso em: 4 jul. 2024a.

 

GLOBO, M.-J. O. O GLOBO NA REDE. Disponível em: <https://memoria.oglobo.globo.com/linha-do-tempo/o-globo-na-rede-9200005>. Acesso em: 4 jul. 2024b.

https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/GLOBO,%20O.pdf

 

AZEVEDO, Fernando Antônio. Mídia e democracia no Brasil: relações entre o sistema de mídia e o sistema político. Opinião Pública, Campinas, v. 12, n. 1, p. 88-113, abril/maio, 2006. DOI: 10.1590/S0104-62762006000100004.

 

BORÉUS, Kristina; BERGSTRÖM, Göran. Analysing text and discourse: eight approaches for the social science. London: Sage, 2017. BRYMAN, Alan. Social Research Methods. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.

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FERREIRA, Davi; BORDALLO, Emanuelle; O Globo. Número de imigrantes venezuelanos no Brasil bate recorde em meio à disputa com Guiana e incerteza sobre futuro. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/12/14/numero-de-imigrantes-venezuelanos-no-brasil-bate-recorde-em-meio-a-disputa-com-guiana-e-incerteza-sobre-futuro.ghtml>. Acesso em: 4 jul. 2024.

 

BERTINO MOREIRA, J.; E HADASSA OLIVEIRA MARQUES DE BORBA, J. Invertendo o enfoque das “crises migratórias” para as “migrações de crise”: uma revisão conceitual no campo das migrações. Revista brasileira de estudos de populacao, v. 38, p. 1–20, 2021.

 

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