Ano V, nº 81, 01 de agosto de 2024
Por Audrey Andrade Gomes, Bruno das Chagas Ramos e Ester Gonzalez de Souza (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)
Com a posse de Lula na presidência do Brasil em 2023, houve uma mudança relevante, se comparada com a de Bolsonaro, em relação à Política Externa Brasileira (PEB). Pode-se notar isso com a reaproximação do Brasil com o BRICS, maior engajamento internacional e os novos acordos firmados que trouxeram mais investimentos ao país. Com essa nova PEB, o Novo Banco do Desenvolvimento (NBD) ganhou novos ares e perspectivas e, em casos como a catástrofe no estado do Rio Grande do Sul, tornou-se uma peça chave para investimentos em solo brasileiro.
Neste ano, comemoram-se os 10 anos de criação do NBD e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) criados pelo BRICS e que foram mais detalhadas nesta análise do OPEB. O NBD, conhecido popularmente como “Banco do BRICS”, exibe-se como uma instituição de crédito de baixo risco e alta capacidade de pagamento, classificado pela Fitch e S&P como AA+. Além disso, com a entrada de novos membros (Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito), a instituição bancária conta com 35% do PIB e 45% da população global, com um orçamento de aproximadamente 56 bilhões de dólares. Os seus projetos para financiamento e o alinhamento com interesses nacionais dos membros chamam a atenção frente aos bancos multilaterais tradicionais.
O NBD no Brasil
Os investimentos do NBD no Brasil passaram a ser mais significativos após a crise sanitária causada pela COVID. Em dois anos (2019-21), o montante foi duplicado, conforme pode ser observado no gráfico abaixo. Antes disso, o Brasil chegou a ser o país que menos recebeu recursos do Banco.
Fonte: IPEA
Durante a pandemia, o NBD fez algo inédito ao conceder financiamento emergencial de 10 bilhões de dólares para todos os países do BRICS, a fim de mitigar os impactos gerados pela COVID-19 – no caso do Brasil, uma metade dos recursos (US$ 1 bilhão) foi utilizada para pagar o auxílio emergencial, enquanto a outra foi aplicada pelo BNDES para socorrer o setor empresarial. Como resultado, a carteira de financiamentos do NBD entre 2019 e 2021 saiu de US$ 14,4 bilhões para US$ 29 bilhões. Entre outros projetos financiados pelo NBD, destacam-se o do Estado do Pará e o da Petrobrás, com financiamentos de US$ 50 milhões e US$ 200 milhões, respectivamente.
Apesar de a maior parte dos projetos do NBD com o Brasil ser voltado a diferentes atores (municípios, outros bancos de desenvolvimento, estados da federação, setor privado, instituições financeiras), em termos de valores, observa-se que há uma concentração de 80% do valor dos desembolsos para o BNDES e União. A Associação Brasileira de Municípios (ABM), sabendo disso, durante o 1º encontro do Urban20, levantou o debate “[…] a gente acha que é importante que os municípios tenham acesso ao banco que é um novo mecanismo de financiamento internacional”. Nesse mesmo dia, a fundação da Associação de Cidades e Municípios do BRICS aconteceu, associação essa que pode ser um mecanismo facilitador na concessão de empréstimos do NBD para os municípios brasileiros, colaborando na neoindustrialização brasileira e na infraestrutura de municípios, incluindo aqueles que foram destruídos pelo desastre do estado do Rio Grande do Sul.
Ajuda financeira ao Rio Grande do Sul
Após a tragédia climática que devastou o Rio Grande do Sul afetando mais de 2 milhões de pessoas e resultando na morte de mais de 130, o Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e a presidente do NBD, Dilma Rousseff, anunciaram ajuda financeira de aproximadamente 5 bilhões e 750 milhões de reais para o estado afetado. A carta-compromisso referente ao empréstimo foi assinada e oficializada durante viagem oficial do vice-presidente à China.
Em vídeo publicado em sua conta oficial no X, Dilma Rousseff afirma que “o Banco do BRICS tem um compromisso e vai atuar na reconstrução e na recuperação da infraestrutura do estado”. O total disponibilizado será liberado diretamente através de parcerias entre o NDB e instituições financeiras nacionais: Banco do Brasil, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul).
Os bancos de desenvolvimento cumprem com sua função de fornecer créditos para investimentos destinados ao desenvolvimento socioeconômico da sua área de atuação. O BNDES, com sua atuação federal, tem como principais atividades: financiamento de empreendimentos, formulação de projetos de concessões públicas e de parcerias entre setor público e privado, auxílio ao governo na formação de políticas públicas e produção de conhecimento para a área da economia. O BRDE, sendo um banco de desenvolvimento do setor regional, tem como função fornecer subsídios necessários (alguns sendo repasses do BNDES) para o financiamento de projetos que visam a promoção do desenvolvimento socioeconômico da região Sul do Brasil.
Conforme mencionado em vídeo e também publicado pela presidente Dilma do NDB, foi planejada uma alocação da ajuda financeira em diferentes eixos:
Fonte: Perfil X de Dilma Rousseff.
Apesar do mencionado na tabela acima, segundo a presidente do NBD, a gestão dos recursos é flexível, não havendo uma imposição de como o auxílio deve ser realocado, e dialoga de acordo com cada cenário: “a destinação dessa verba é passível de direcionamento de acordo com as urgências, prioridades e necessidades do estado do Rio Grande do Sul.” (Dilma Rousseff)
No entanto, após publicação de texto escrito por José Fucs no Jornal Estadão com o título “Crédito do NDB para o RS, anunciado por Dilma como um feito seu, foi aprovado no governo Bolsonaro”, o anúncio oficial do recurso para o RS foi alvo de críticas propagadas pela extrema direita. A matéria afirmou que quatro das seis operações já haviam sido aprovadas pelo NBD na gestão anterior à de Dilma através de projetos distintos.
Ressalta-se que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal do Brasil é a responsável pelo processo de autorização de empréstimos internacionais. Dessa forma, além da aprovação do NDB sobre o crédito, é necessário que o Senado brasileiro faça todo o trâmite de aceitação da operação financeira para que o tomador tenha acesso ao montante. Posto isso, de fato, conforme o site do NDB, uma parte do crédito fora aprovada pela instituição (NBD) durante o governo Bolsonaro via diferentes projetos. Contudo, apenas no fim de 2023, já durante o governo Lula, que a CAE efetuou a autorização, nesse caso do valor de US$1,2 bilhões para 2º Programa BNDES-NDB para Infraestrutura Sustentável e Apoio aos Entes Subnacionais mencionado por José Fucs e negociado em 2020. Em 2023 também foi aprovado US$1 bilhão para Programa Emergencial de Acesso a Crédito – FGI do BNDES (semelhante a um programa que fora consentido em 2020).
Portanto, uma parte do total negociado entre 2020 e 2022 foi realocado para auxílio à emergência no Rio Grande do Sul. Porém, apenas cerca de US$ 145 milhões para o BRDE foram autorizados pelo Senado no período mencionado – e portanto, poderiam ser atribuídos à gestão Bolsonaro. O restante, embora negociado entre as partes no mandato anterior e já aceito pelo NDB, veio receber aprovação do Senado apenas em 2023. Além disso, vale ressaltar que uma vez aprovado o recebimento dos recursos na CAE, caberá ao tomador nacional (sendo um deles o BNDES) articular sua distribuição para projetos internos, o que não é uma tarefa meramente técnica, mas também política de selecionar as melhores oportunidades para o atendimento aos interesses de desenvolvimento nacional.
Referências
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