A vitória de Sheinbaum e os desafios do desenvolvimento no México

15 de agosto de 2024

 

Por Gabriel Horacio de Jesus Soprijo, Leonardo Ferreira de Souza, Michele Ferreira de Oliveira e Vitor Cristian Maciel Gomes

(Imagem: Unsplash)

 

As últimas eleições no México deram a vitória à Cláudia Sheinbaum, cuja trajetória acadêmica e política esteve sempre bastante alinhada às pautas ambientalistas. A sucessora de López Obrador encontrará desafios à perpetuação da “quarta revolução” impulsionada pelo seu antecessor, com destaque para a resistência zapatista em relação aos mega empreendimentos que atravessam territórios indígenas.

 

Introdução

 

As eleições presidenciais que ocorreram no México, em junho de 2024,  chamaram a atenção do mundo pela possibilidade de o país eleger, pela primeira vez em sua história, uma mulher como presidenta. De fato, a vitória foi da ex-prefeita da capital, Claudia Sheinbaum,  que assumirá o cargo no dia 1° de outubro, tendo pela frente um mandato de 6 anos repleto de desafios.  

 

Líder estudantil na década de 1980 e secretária municipal do meio ambiente durante a gestão de López Obrador como prefeito da capital, entre 2000 e 2005,  Sheinbaum incluiu, nos debates eleitorais, propostas progressistas que incluíam a melhora dos sistemas públicos de saúde e educação, assim como o combate à desigualdade estrutural, marcada por um cenário de violência, corrupção e altos índices de feminicídio. Na educação, defendeu bolsas de estudos, fortalecimento do ensino secundário e a criação de mais universidades. Para reduzir a corrupção, propôs a criação da Agência de Inovação Digital. Prometeu, destacando a queda do feminicídio em mais de 40% no último mandato,  implementar um número emergencial para o atendimento às mulheres,  criar uma procuradoria especificamente anti-feminicida e modificar a Constituição para que as mulheres indígenas se tornassem sujeitas de direitos. Além disso, como será aprofundado adiante, deu ênfase à pauta ambiental e à promoção de energias renováveis no país.

 

A nova presidenta prometeu realizar uma gestão com características próprias, mas dando continuidade à “quarta transformação” impulsionada por López Obrador. O ex-presidente, que atingiu marcas históricas ao  terminar o mandato com cerca de 60% de aprovação, explica que o México teve três mudanças importantes no passado: a Independência (1821), Reforma Liberal (1861) e a Revolução Mexicana (1920). A primeira ocorre após uma série de conflitos armados entre insurgentes mexicanos e as forças coloniais espanholas. A segunda transformação faz referência ao movimento liderado por Benito Juárez e outros liberais, com o objetivo de enfraquecer o poder da Igreja Católica e dos militares e promover a modernização, a secularização do país e a redistribuição de terras controladas pela Igreja entre os camponeses. 

 

A terceira transformação diz respeito ao grande movimento social e político que ocorreu entre 1910 e 1920. Iniciado como uma reação contra a longa ditadura de Porfirio Díaz e liderado por figuras como Francisco Madero, Emiliano Zapata, Pancho Villa e Venustiano Carranza, o movimento resultou em grandes mudanças sociais e políticas no México, incluindo a inclusão de demandas como a reforma agrária, os direitos trabalhistas e a nacionalização dos recursos naturais na nova Constituição promulgada em 1917. 

 

Esses três eventos – a Independência, a Reforma Liberal e a Revolução Mexicana – são marcos fundamentais na história do México, cada um representando uma luta significativa pela liberdade, justiça e modernização. A quarta transformação proposta por Obrador, por sua vez, estaria fundamentada no combate às injustiças sociais e no aumento dos padrões de bem-estar social através da promoção de um projeto econômico nacional-desenvolvimentista. De fato, a nova ordem política, social e econômica contribuiu para a saída de cerca de 5 milhões de pessoas da linha da pobreza. Isso aconteceu, é importante destacar, fora do contexto do boom de exportação de matérias primas que permitiu a melhora na qualidade de vida e a considerável redução da miséria em outros países da América Latina como o Brasil, a Bolívia, o Uruguai e a Venezuela, durante os primeiros quinze anos do século XXI.  

 

Claudia Sheinbaum e a pauta ambiental

 

Graduada em Física e pós-graduada em Engenharia Ambiental, Sheinbaum tem um histórico de afinidade com a pauta socioambiental. Formou parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), sendo uma das pioneiras no México em estudos sobre mudanças climáticas. Em 2013, criticou os planos de privatização da petroleira estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), “combinando um discurso em defesa da indústria nacional aliado às ‘necessidades de diminuir a exploração do petróleo pelos efeitos das mudanças climáticas”. Em sua gestão como secretária do meio ambiente da capital,  atuou pela diminuição da emissão de gases de efeito estufa no transporte público.

 

Dentre as propostas da presidenta eleita para o meio ambiente, destacam-se as seguintes: transição energética urgente e descarbonização da matriz energética do país – hoje composta por 80% de combustíveis fósseis; construção de centrais fotovoltaicas, eólicas, hidráulicas, geotérmicas e de hidrogénio verde; promoção de paineis solares e aquecedores em residências e empresas. Ela ainda propõe a limpeza das bacias hidrográficas mais poluídas, assume uma postura contrária à concessão de minerações a céu aberto e pretende levar as Usinas de Reciclagem que instalou na Cidade do México para outras regiões do país. Por tudo isso, a vitória de Sheinbaum empolga pesquisadores e ativistas climáticos, que veem com entusiasmo as propostas da presidenta eleita, reconhecida pela experiência de pesquisa e gestão pública na área climática e socioambiental.

 

Entretanto, Sheinbaum enfrentará grandes desafios no que diz respeito às questões ambientais, tais como a crise hídrica desde de 2022, as ondas de calor que já mataram dezenas de pessoas e animais e, em particular, as contradições da “quarta transformação”. Assim como outras experiências desenvolvimentistas e extrativistas latino-americanas, esta aspira à redução da pobreza e das desigualdades enquanto, simultaneamente, fere os direitos indígenas e ambientais.

 

Posições contrárias

 

Através do Congresso Nacional Indígena (CNI) ocorrido em maio, o Exército Zapatista de Libertação Nacional(EZLN) – que em 2024 completa 40 anos e que começou a praticar o autogoverno nos territórios sob seu controle a partir de 2001 – emitiram uma nota em oposição à candidata à presidência, afirmando que a “quarta revolução” é, na realidade, uma  “transformação de quarta categoria”: um movimento neoliberal e contrário às demandas dos povos indígenas. 

 

A criação de um Sistema Nacional de Inteligência com apoio da Marinha e do Exército, proposta de Sheinbaum,  foi amplamente criticada como forma de perseguição a grupos indígenas. Assim como a possibilidade de ampliação dos megaprojetos que, iniciados no governo Obrador e endossados por Sheinbaum, atravessam áreas indígenas. É o caso do Trem Maya, que visa ligar as principais áreas turísticas de cinco estados do sudeste do país, e do Corredor Intercontinental, uma infraestrutura ferroviária que ligará os oceanos Pacífico e Atlântico, cortando o país inteiro. Outro exemplo é o Proyecto Integral Morelos, que pretende criar uma termelétrica no centro do território indígena Huexca.

 

Segundo o CNI, estas propostas estão empenhadas em se sustentar ‘com a militarização, a impunidade e o acúmulo de riqueza nas mãos de poucos a serviço das multinacionais’”. María de Jesús Patrício, a primeira candidata indígena à presidência do México antes de Obrador, declarou que a luta pelos direitos dos povos indígenas se tornou mais difícil na medida em que, apesar da similaridade com as estratégias neoliberais,  as propostas de Obrador e Sheinbaum possuem a aprovação da maior parte da população pelo viés de esquerda progressista.

 

A história zapatista já mostrou que o descontentamento indígena é fundamental para a luta contra o desenvolvimento neoliberal e extrativista, e os povos indígenas mexicanos vêm com grande apreensão as medidas de segurança pública e os mega projetos econômicos e de infraestrutura da “quarta transformação”. Resta saber se Sheinbaum irá conseguir suportar o peso histórico da luta indígena em seu mandato. 

 

 

Referências

 

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CARTA CAPITAL. Claudia Sheinbaum: agenda climática é trunfo e desafio para nova presidenta do México. 6 jun. 2024. Disponível em:  https://www.cartacapital.com.br/mundo/claudia-sheinbaum-agenda-climatica-e-trunfo-e-desafio-para-nova-presidenta-do-mexico/. Acesso em: 10 jul. 2024.

 

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