Ano V, nº 83, 29 de agosto de 2024
Essa edição aborda a energia eólica sob os enfoques de desenvolvimento histórico, avanços tecnológicos e desafios contemporâneos. Explora a trajetória da energia eólica, desde suas primeiras implementações até o impacto atual, destacando o papel crucial da China na liderança global e as perspectivas promissoras do setor offshore no Brasil. Também examina os desafios econômicos e ambientais associados à expansão eólica, oferecendo uma visão abrangente sobre as oportunidades e os obstáculos para o avanço sustentável desta fonte de energia renovável.
Artigo 1
Empreendimentos eólicos geram não só energia, mas também disputa pelo território
Por Levi Manoel dos Santos
Os planos dos parques eólicos, em muitos casos, entram em conflito com a ideia da transição energética justa. Quais são as principais dificuldades na implementação de energias mais limpas?
Desde de que a superação do modelo energético com base nas fontes fósseis se implantou como uma necessidade em âmbito global, o uso da energia eólica passou a ser encarada como um caminho promissor para a redução dos gases de efeito estufa na atmosfera. No entanto, por se tratar de um modelo em expansão, sua implementação em larga escala pode causar impactos negativos para os ecossistemas e para comunidades humanas afetadas. Cada modelo de implementação, onshore e offshore, apresenta desafios específicos.
O modelo onshore de energia eólica refere-se aos parques em terra, em áreas abertas e altamente expostas aos ventos. Já o offshore é a instalação de turbinas em alto mar, onde os ventos são mais fortes e constantes e podem gerar maior produção de energia. Ambos os modelos envolvem vantagens e desvantagens, de modo que a escolha entre eles depende de diversos fatores estratégicos, como localização, custos, objetivos energéticos e impactos, entre outros.
No caso do modelo terrestre, a implementação pode afetar a avifauna pela colisão com as turbinas, principalmente em zonas de migração de pássaros. Nos Estados Unidos, algumas investigações têm sido feitas acerca de mortes de águias em todo o país por impacto ou eletrocutadas em turbinas eólicas e em cabos elétricos instalados para a transmissão dessa modalidade de energia. A fragmentação de alguns habitats naturais também é outros dos impactos ambientais verificados. No Brasil, onças da Caatinga têm mudado suas rotas em função da instalação de parques eólicos em seus habitats naturais, o que vêm dificultando sua sobrevivência em períodos de seca. A poluição sonora também têm se tornado motivo de conflito nas comunidades que estão próximas aos parques em diversos lugares no mundo.
Conflitos socioambientais
A proximidade física entre os parques e comunidades humanas gera, muitas vezes, conflitos entre os moradores e as corporações. No Ceará, alguns moradores descrevem os parques como “uma turbina de avião que não desliga nunca”.
Em países da União Europeia, a construção dos parques eólicos têm enfrentado um setor inesperado, o turismo. Moradores de regiões turísticas apontam que uma nova onda de projetos eólicos poderá causar danos às paisagens e também a pontos turísticos de interesse cultural. É o caso do projeto Borrasca, na região da Galícia, na Espanha, que inclui a construção de um conjunto de torres eólicas de 105 metros de altura. O projeto de instalação do parque eólico, em 2023, enfrentou resistência dos moradores por se tratar de uma região turística e pela sua instalação ser muito próxima das residências e pontos turísticos. Os moradores se articularam e fizeram manifestações para que o projeto não fosse executado. No entanto, o governo decidiu pela permanência do projeto na região, mesmo com a divisão da opinião popular.
Do ponto de vista de produção energética, os parques eólicos offshore apresentam algumas vantagens comparativas. Com as velocidades consideravelmente mais altas e menor turbulência e variação da força dos ventos sobre o mar, essas instalações proporcionam melhor aproveitamento em comparação com as unidades terrestres (EPE, 2020).
No caso das offshores, os impactos estão atrelados principalmente ao ecossistema marítimo. Seu funcionamento pode resultar em ruídos submarinos que afetam a audição dos peixes e no vazamento de óleos utilizados nas turbinas, causando poluição das águas e afetando as condições de vida marinha, além de poder alterar o padrão natural de correntes marítimas.
Nas regiões costeiras onde os parques terrestres são implementados, o impacto socioeconômico também deve ser levado em consideração. Em uma pesquisa realizada na costa oeste do Ceará, pescadores revelaram que áreas marítimas foram privatizadas e o acesso que anteriormente era utilizado pelos moradores para práticas de subsistência foi proibido. Promessas de emprego e de oportunidades de renda feitas pelas empresas também não foram concretizadas e persiste, nessas comunidades, o medo continuo de acidentes devido à proximidade das torres com as residências (XAVIER, T.; GORAYEB, A.; BRANNSTROM, C.2020).
No continente asiático, a instalação de parques eólicos também tem provocado crescentes conflitos com as comunidades locais. Na contramão da emergência climática internacional, a divisão da população acerca do tema têm resultado no atraso de diversos projetos no leste da Ásia, principalmente na Coreia do Sul, onde manifestações dos pescadores vêm acontecendo periodicamente contra o avanço do setor da energia eólica.
Nas Filipinas eclodiram protestos contra a perda de terras na natureza até então intocadas na região norte de Luzon, na reserva florestal de Masungi. Em Visayas, outro projeto é acusado de colocar em risco o rio Nabaoy. No Japão, com medo de sabotagem dos empreendimentos eólicos, as construtoras estão negociando com as cooperativas pesqueiras o uso do mar.
O desafio da transição justa
Apesar de o cenário internacional suscitar uma agenda de transição energética cada vez mais urgente, a realidade das comunidades locais desafia as prioridades relacionadas com o combate às mudanças climáticas. Na Europa e na China, pesquisas com o objetivo de permitir o funcionamento concomitante de parques eólicos offshore e práticas de aquicultura estão em andamento com o objetivo de possibilitar a subsistência das comunidades locais.
Em um contexto de busca da transição energética justa, os processos decisórios devem ser construídos com a participação popular, de maneira inclusiva e equitativa, com a garantia dos direitos humanos no contexto das políticas ambientais, ou seja, sem deixar ninguém para trás.
Embora esses princípios estejam incluídos em grande parte dos documentos internacionais relacionados com o combate às mudanças climáticas, inclusive na Declaração da COP26 em Glasgow, esses compromissos não têm se tornado realidade em muitos dos territórios atingidos pelos empreendimentos de expansão das energias renováveis. Em muitos casos, a energia gerada não é sequer utilizada pela própria comunidade, e a produção não se reflete em baixa nos preços da eletricidade para a população. A falta de acesso à informação, a disseminação de informações falsas e a desigualdade social também dificultam processos participativos, principalmente das comunidades mais afetadas.
A transição justa precisa apoiar e implementar políticas públicas que realoquem as comunidades atingidas pela descarbonização da economia no intuito de garantir fontes de renda que proporcionem condições de vida digna. Reconhecer o aumento da complexidade decorrente dos efeitos cumulativos da expansão das energia renováveis é um dos principais passos para tentar mapear possíveis soluções. Ainda que, isoladamente, alguns impactos possam parecer mínimos, quando acumulados podem afetar a integridade e a vida dos habitats fundamentais para as comunidades locais e para a natureza.
Referências Bibliográficas
XAVIER, T.; GORAYEB, A.; BRANNSTROM, C. Energia Eólica Offshore e Pesca Artesanal: impactos e desafios na costa oeste do Ceará, Brasil. In: MUEHE, D.; LINS-DE-BARROS, F. M.; PINHEIRO, L. (orgs.) Geografia Marinha: oceanos e costas na perspectiva de geógrafos. Rio de Janeiro: PGGM, 2020. p. 608-630. ISBN 978-65-992571- 0-0
Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Relatório Final do Plano Nacional de Energia 2050. Rio de Janeiro: EPE, 2020. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-227/topico-563/Relatorio%20Final%20do%20PNE%202050.pdf. Acesso em: 31 jul. 2024.
Artigo 2
Desenvolvimento da eólica onshore e offshore atinge patamar histórico mobilizado pela atuação chinesa
Por Beatriz Junqueira Fabrino e Luciana Henrique de Araujo
A geração de energia eólica vem ganhando destaque em meio ao cenário de transição energética como uma das principais fontes alternativas para a descarbonização, tanto pelas perspectivas e interesses de investimentos a longo prazo quanto por ser uma das principais oportunidades para a produção energética offshore. Em 2021, segundo o Global Wind Energy Council, foram conectados mais de 21,1 GW provenientes dessa fonte por todo o mundo, cerca de 3 vezes mais que em 2020, com 80% dessa produção concentrada na China. Além disso, parametriza-se um crescimento da sua utilização na Europa em meio a busca da região pela independência energética da Rússia no contexto da Guerra com a Ucrânia. A perspectiva, segundo a agência de notícias da indústria, é de que até 2030 os parques offshore sejam aptos a gerar cerca de 316 GW de energia no cenário mundial.
Esse mercado vem se desenvolvendo desde os anos 2000 se aprofundando perante o aumento do preço de combustíveis fósseis e procura de fontes sustentáveis.
Em 1981, o Ministério de Energia dos EUA inaugurou o primeiro parque eólico onshore do mundo, o que abre portas ao setor eólico pela demonstração da viabilidade do empreendimento, e logo começaram os primeiros investimentos de modo que o século 21 tivesse o maior crescimento da eólica onshore. Em 2010, um estudo da Associação mundial de energia eólica colocou que 86 países já utilizavam esta energia, e desde essa época, a China aparece com grande destaque, como centro da indústria eólica internacional seguido de EUA e Europa. Os países investem maioritariamente em energia onshore, porém o offshore começa a ganhar destaque a partir do início dos anos 2000 a 2019, com o Reino Unido investindo inicialmente no offshore, com a Europa como pioneira das tecnologias.
Em paralelo a China se mostrou um forte player na questão de geração e investimento externo em energia eólica. Em 2022, a China adquiriu 134,6GW, com investimento de US$74,2 bilhões segundo a Wood Mackenzie, já em 2023, o mercado onshore adicionou uma potência de 88,8 GW segundo a GWEC, com a China contribuindo em cerca de 62% desse volume. E, o país asiático continua na liderança do desenvolvimento offshore, com um salto de 6 para 21 GW em 2021 e com a criação da maior turbina offshore do mundo em seguida em 2023.”Espera-se que o domínio chinês do setor eólico offshore global em rápida expansão se aprofunde ainda mais este ano, com planos de expansão que devem continuar em ritmo acelerado”, explica Luo Zuoxian, chefe de inteligência e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Desenvolvimento da Sinopec.. Em 2022, ele acrescenta que dos 9,4GW concluídos em 2022, 70% eram da costa chinesa, o que salienta o investimento do país no mercado internacional, com a China respondendo por quase metade da geração mundial.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética do governo Brasileiro (EPE), hoje a China apresenta o maior nível de crescimento offshore do mundo. A maior capacidade instalada de geração de energia eólica offshore no mundo é deles, com o montante de 26,38 GW no final de 2021, equivalente a 180% da capacidade gerada em 2021. Ademais, a tendência do país no setor tende a se fortificar, segundo a China Renewable Energy Outlook 2019, a capacidade instalada de eólicas offshore prevista será de 86 GW no cenário abaixo de 2°C; e de 58,2 GW no cenário de políticas governamentais declaradas.Isso ocorre principalmente pela maior facilidade de legislação da China para instalação no offshore em comparação com outros países.
Fica evidente que nos últimos anos a China tem aumentado agressivamente seus investimentos na obtenção de energia através de fontes renováveis. Por meio de grandes incentivos do governo de Xi Jinping, que visa direcionar a economia chinesa cada vez mais para a tecnologia e inovação, o país asiático assumiu a posição de liderança global em energia renovável e apresenta números grandiosos relacionados aos outros países. Com 159 GW de energia eólica em desenvolvimento – segundo dados do Global Energy Monitor – e construção de turbinas gigantes offshore, o país produziu dois terços dos projetos mundiais de energia renovável, afirmando o compromisso chinês com a transição energética renovável e com as metas ambiciosas de redução de carbono. Nesse cenário, a China não só possui o maior crescimento de parques eólicos novos, como também tornou-se a maior produtora de equipamentos do setor eólico mundial, com grandes empresas como a fabricante de turbinas eólicas GoldWind, que comprou inclusive uma fábrica da General Eletrics (GE) em Camaçari, Bahia.
Os motivos para todo esse foco no crescimento das energias renováveis são claros: a China é a maior emissora de Gases de Efeito Estufa (GEE) desde 2006, possui a segunda maior população do mundo e uma atividade industrial enorme com previsão de crescer ainda mais nos próximos anos. Além disso, o país é o maior consumidor internacional de carvão e em 2013 tinha atingido níveis absurdos de poluição do ar em muitas cidades, justamente por conta dessa grande dependência. O carvão ainda é a principal forma de produção de eletricidade na China e é responsável por cerca de 69% das emissões de GEE no país. Ser o segundo país mais populoso do mundo e ser responsável por quase 30% da produção industrial mundial faz com que a China emita mais GEE do que os EUA, Europa, Japão e Índia juntos.
Portanto, o maior país em desenvolvimento do mundo possui uma demanda por energia extremamente alta e sua estrutura energética atual, baseada na obtenção de energia através de combustíveis fósseis, acaba limitando o desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade chinesa. Sendo assim, a transição energética para energias renováveis representa proteção ambiental e crescimento econômico futuro de longo prazo para a China. A partir do desenvolvimento da indústria eólica offshore, por exemplo, a China reduz as suas emissões de GEE, combate a poluição atmosférica e contribui com o Acordo Climático de Paris.
Além da questão ambiental, a expansão do setor eólico chines vem contribuindo para a redução de preços de produção e incentivando o setor nacional. No passado, a produção de turbinas na China era feita através de licenças de países ocidentais, mas com o aumento do setor no país, agora há uma grande diversidade de modelos chineses cada vez mais modernos. Os preços também diminuíram em outros países nos quais a China visa ampliar cada vez mais suas exportações.
A necessidade da transição energética por conta da urgência climática, as grandes ambições de crescimento industrial e econômico que demandam cada vez mais energia, o esgotamento das reservas de petróleo e o aumento de preço dos combustíveis fósseis fazem com que o governo chines enxergue as energias renováveis como uma estratégia prioritária. E, desse modo, uma série de subsídios vem sendo concedida desde 2009, o que resulta no setor de energia limpa tendo grande destaque no crescimento econômico da China ao representar 40% da expansão do PIB em 2023. Um exemplo desses subsídios concedidos pelo governo chines foram as tarifas feed-in, que consistiam em uma taxa fixa recebida pelos produtores de energia renovável por cada unidade de eletricidade gerada e vendida. Durante a pandemia, esses subsídios foram diminuindo, mas os apoios e metas de energia verde provinciais foram aumentando, o que permitiu com que a China continuasse se posicionando de forma tão competitiva mundialmente e apresentando números tão grandes em comparação aos outros países.
Nesse contexto de apoio governamental e produção em massa, a China vem liderando a produção mundial de turbinas eólicas com 60% da produção anual, tornando-se um grande desafio para concorrentes de outros países devido aos preços mais baixos que os chineses apresentam no mercado. Essa posição da China de grande personagem no setor eólico internacional é representada pelas grandes empresas chinesas fornecedoras: Goldwind, Envision, Windey e Mingyang, que criaram nos últimos anos mais de quatrocentos e vinte modelos de turbinas.
Entretanto, mesmo com todo esse crescimento, alguns especialistas ainda questionam se o custo da energia eólica um dia poderá ficar abaixo do das termelétricas a carvão, e executivos como Ma Jinru, vice-presidente da Goldwind, afirma que “no futuro, quando os recursos ficarem ainda mais limitados, os preços subirem mais e a poluição piorar, a sociedade vai cobrar o custo social disso. Então, a longo prazo, o custo da energia eólica vai ficar abaixo do de carvão. O custo da eólica também vai cair por conta da inovação tecnológica, e o setor vai ter um imenso crescimento”.
A energia eólica sozinha ainda não seria capaz de atender todas as demandas da China, como o carvão. Outras energias renováveis – como a solar – e a nuclear precisam ser utilizadas também para que a transição energética renovável seja possível. É importante destacar também que o caminho ainda será longo para diminuir a dependência chinesa do carvão, já que novas plantas ainda são construídas anualmente por conta do caráter intermitente das energias renováveis, o que faz com que possíveis questionamentos quanto aos reais ganhos da energia renovável sejam feitos. Além disso, segundo especialistas, ainda são necessárias melhorias na forma de armazenamento e nas linhas de transmissão energética chinesas para que o volume crescente de energia limpa gerada seja utilizado de forma eficiente no país, o que evidencia que, mesmo com os grandes avanços e números, ainda existem obstáculos a serem solucionados para que a energia renovável eólica apresente maior participação em relação aos combustíveis fósseis.
Artigo 3
Eólica Offshore no Brasil
Por Isabelle Mayara Silveira, Luciana Araújo
Atualmente a energia eólica está mostrando destaque no cenário energético brasileiro por ser uma fonte renovável, com elevada disponibilidade no território e baixos níveis de emissão de gases de efeito estufa. Em razão desses aspectos, se demonstra uma opção promissora para diversificação da matriz elétrica, visto a possibilidade de diminuir a dependência dos recursos hídricos e compensar o crescimento da emissão de carbono decorrente, por exemplo, das altas de desmatamento no país. Atualmente há 29,07 GW de Capacidade Instalada em Operação Comercial Onshore e o país estuda a viabilidade da instalação da modalidade offshore, que aproveita a força dos ventos no alto-mar, e apesar de prometer um aumento significativo na capacidade de geração de energia no território, ela também se apresenta como um desafio de altos custos de instalação e danos ambientais.
Desafios da energia eólica offshore no Brasil
A energia eólica offshore é considerada uma grande oportunidade para suprir a demanda crescente por energia elétrica visto o potencial de cerca de 700 GW em locais de até 50 metros de profundidade, de acordo com o Roadmap Trip Eólica Offshore Brasil, publicado pelo EPE em 2022.
O Brazil Offshore Wind Summit 2024 é uma importante referência sobre os principais desafios a serem superados para avançar nessa nova modalidade, entre estes a aprovação de um marco regulatório. Foi apontado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) a necessidade de debater e definir os critérios para seleção de áreas e aspectos de planejamento, como transmissão e infraestrutura portuária, e viabilizar, assim, previsibilidade econômica e mobilizar os atores. Isso é indispensável, pois o financiamento de projetos de energia eólica offshore é complexo e exige investimentos significativos. Instituições como o BNDES trabalham em frentes para auxiliar no financiamento do setor para manter diálogos com os desenvolvedores enquanto aguarda a aprovação do PL, tipicamente empresas robustas do setor de gás e petróleo como a Petrobras.
Isso se explica pelo empreendimento eólico offshore apresentar altos custos de instalação, manutenção e controle dos complexos eólicos: o acordo assinado entre a Corio Generation e o Estaleiros do Brasil (EBR) para estudar a adequação de instalações portuárias no Rio Grande do Sul a fim de apoiar a implantação de dois parques eólicos marítimos de 6 GW exige um investimento de 5 a 6 bilhões de dólares – considerando cálculos internacionais, cada 1 GW de eólicas offshore custa de 2 a 2,5 bilhões de dólares. Já no aspecto socioambiental, há desafios relativos à emissão de campos eletromagnéticos, as vibrações e a degradação do solo marinho. Isso causa distúrbios aos organismos marinhos e voadores e revela uma ameaça às características essenciais do país como a biodiversidade marinha e a pesca como atividade típica de comunidades tradicionais. Por exemplo, na região com maior potencial técnico de 660 GW que é a Sul, há uma área marinha ecológica significativa (EBSA) nos 165 mil km² de leito – zonas oceânicas especiais que proporcionam o funcionamento saudável dos oceanos – que exige um cuidado na mitigação de riscos ao se instalar empreendimentos offshore.
Petrobras no mercado de Eólica Offshore brasileiro
A Petrobras é hoje a empresa com maior potencial em projetos de geração eólica offshore em estudos do país em capacidade de 23 GW protocolada junto ao IBAMA, além de apostar em pesquisa e desenvolvimento para viabilizar projetos inovadores no ramo. Em junho de 2024, a Petrobrás assinou um protocolo de intenções com o governo do estado do Rio de Janeiro para realização de um projeto piloto da primeira eólica dessa modalidade. A empresa tem histórico de tecnologia e viabilização de projetos em alto-mar, o que possibilita testes e qualificações de tecnologia. O projeto também apresenta potencial para integração com a descarbonização das atividades de E&P da Petrobras, que vinha mapeando o RJ como um dos principais enfoques desde 2020, mas há também interesse em outras áreas como no Rio Grande do Norte.
Nesse ponto, a presidente da ABEEólica, Elbia Gannoum, destacou no Brazil Offshore Wind Summit 2024 o papel da Petrobras, além da regulamentação, no desenvolvimento de tecnologia e do mercado de fornecedores visto que a estatal fechou acordo com a empresa WEG para a construção de um aerogerador com capacidade de 7 MW – será a maior turbina eólica fabricada no Brasil.
Áreas de interesse da Petrobras para projetos de eólica Offshore
Fonte: Agência Petrobras
Aprovação do Marco Regulatório das Eólicas Offshore
Outro desafio apontado pela conferência neste ano foi a necessidade de aprovar um marco regulatório específico – o primeiro passo para garantir segurança jurídica e atrair investimentos necessários para o setor -, visto que hoje em dia, todos os projetos devem ser aprovados diretamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). No entanto, o marco das eólicas offshore (PL 576/2021) está emperrado no Senado Federal. Sua tramitação foi dificultada por emendas inseridas durante a tramitação do projeto na Câmara. Os dois temas que impedem a tramitação são a contratação de térmicas a gás e a prorrogação de contratos de usinas a carvão, que ficam sobre a decisão do Presidente da República.
A Offshore como Oportunidade
Por outro lado, a produção de energia eólica offshore abarca não só a produção e fornecimento de energia limpa mas, também uma grande cadeia portuária e industrial de fornecedores, produção de componentes, montagem, transporte e instalação desses equipamentos de porte gigantes – que trazem desafios logísticos se não forem fabricados perto do local. Isso se traduz em uma oportunidade de ampliação, sofisticação e integração da estrutura produtiva brasileira e faz todo sentido que o país invista no setor para não ficar depois dependente de tecnologia e componentes importados.
Ademais, essa oportunidade exige mão-de-obra capacitada e no país já operam algumas iniciativas como o Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), sediado no Rio Grande do Norte é referência em educação profissional para as indústrias de energia e gás. O Centro anunciou um investimento de quase R$ 500 mil na formação de profissionais na área de eletromobilidade e nas primeiras investidas em segurança do trabalho voltadas à qualificação nos futuros parques eólicos offshore.
Não obstante, as oportunidades que abarcam a instalação da offshore incluem também um meio importante de baratear a produção de hidrogênio verde quando em funcionamento pleno.
Conclusão
A implementação da energia eólica offshore no Brasil representa uma oportunidade significativa para diversificação da matriz energética e desenvolvimento econômico. Embora os desafios, como os elevados custos de instalação e os potenciais impactos ambientais, sejam consideráveis, os benefícios potenciais, incluindo a geração de energia limpa e a redução da dependência de fontes fósseis, são promissores. Além disso, a expansão desse setor pode impulsionar a cadeia produtiva e promover a sofisticação tecnológica, criando novas oportunidades de emprego e fortalecendo a infraestrutura nacional.
A experiência internacional revela abordagens valiosas que o Brasil pode adotar para otimizar o desenvolvimento da energia eólica offshore. Modelos regulatórios eficientes, como os da Dinamarca e Escócia, são experiências sobre como superar desafios e maximizar benefícios.
Assim, os possíveis cenários para o desenvolvimento da energia eólica offshore no Brasil ilustram diferentes níveis de ambição e impacto. O cenário-base prevê uma expansão modesta, enquanto o cenário intermediário projeta um crescimento mais significativo, ambos contribuindo para a matriz energética. O cenário ambicioso, por sua vez, posiciona o Brasil como líder global no setor, mas exige investimentos substanciais em infraestrutura. Diante desses cenários e aprendizados internacionais, há uma aposta que a energia eólica offshore tem o potencial de transformar o setor energético brasileiro, sendo um passo estratégico para o desenvolvimento sustentável e a sofisticação produtiva do país.