Os desafios e potencialidades da adesão do Brasil à Nova Rota da Seda da China

26 de setembro de 2024

Por Marcella Burgato, Marlon de Souza, Pedro Carmo e Marcos Ribeiro (Imagem: Unsplash)

Em um contexto no qual crescem as especulações sobre uma possível adesão do Brasil a Nova Rota da Seda (ou Iniciativa do Cinturão e Rota – Belt and Road Initiative-BRI), da China, apresentaremos essa iniciativa e, em seguida, discutiremos os desafios e potencialidades para o Brasil em caso de adesão, incluindo possibilidades relacionadas a neoindustrialização e a elevação do país nas Cadeias Globais de Valores (CGV).

A Iniciativa Cinturão e Rota (ICR)

Lançada em 2013 pelo atual presidente da China, Xi Jinping, a Iniciativa do Cinturão e da Rota (ICR) é um projeto constituído por programas de investimentos chineses em setores produtivos e de infraestrutura (transporte, energia e comunicação) acordados com os países integrantes. 

Desde o seu anúncio em 2013 até 2023, os  aportes da ICR ultrapassaram a marca dos US$1 trilhão, os quais se dividiram em US$ 634 bilhões em contratos de construção e US$ 419 bilhões em investimentos não-financeiros. Em 2024, a ICR conta 145 países integrantes, sendo a maioria (44) da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 22 da América Latina e Caribe (ALC) e 10 da Oceania. Na ALC, destaca-se que, além do México na América Central, não estão presentes da América do Sul apenas Colômbia, Brasil e Paraguai.

Argumentos contra a adesão do Brasil a Nova Rota da Seda

Uma pesquisa realizada entre os dias 27 de maio a 21 de junho de 2024 pelo Instituto Global Times, organização ligada ao jornal chinês Global Times, que ouviu pessoas do Brasil e de outros 12 países sobre a ICR, identificou, no caso do Brasil, que 70% dos entrevistados apoiam a entrada do país a iniciativa. 

De acordo com pesquisa realizada com a participação de pesquisadores do OPEB China, os professores Ana Tereza Marra, Giorgio Romano e Rafael Abraão, além da professora Valéria Ribeiro, contudo, até o início da nova gestão do presidente Lula, o Brasil estava resistindo a aderir à iniciativa. Um dos motivos era pelo fato de que a China já reproduzia no Brasil o mesmo tipo de relações que possui com os países da ICR, calcada no comércio e investimentos (Sousa et al, 2023). Assim, não se via benefício adicional na adesão. 

Outra razão se relacionava ao Itamaraty, cuja tradição evita aderir a documentos dos quais não participou conjuntamente desde o início de sua formulação, bem como o receio, no contexto de um recrudescimento das disputas geopolíticas entre China e Estados Unidos (EUA), de a adesão a ICR  ser entendida como um alinhamento a China.  Ainda, não se pode descartar, como ficou claro na gestão de Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a gestão Bolsonaro, que há os que defendem afastamento da China por questões ideológicas e identitárias e a manutenção de um capitalismo dependente do Brasil aos EUA.

Outra justificativa que pode ser usada para a não adesão, conforme foi levantada na pesquisa do Global Times que logo antes mencionamos, são as acusações contra a China relacionadas a um suposto neocolonialismo e na criação proposital de uma “armadilha da dívida” aos países da ICR. No caso dessas críticas, em particular, geralmente são feitas historicamente pelos países que tiveram esse tipo de comportamento e atualmente se sentem ameaçados competitivamente pela China, utilizando-se desse discurso como estratégia de contenção ao país na região. De acordo com relatório do Banco Mundial em 2022 a dívida bilateral dos países da ALC com a China representava apenas 0,7% do estoque total da dívida externa da região, o que contraria a narrativa da armadilha da dívida.

Não se pode desconsiderar, contudo, que há preocupações relacionadas à adesão a ICR que decorrem da própria caracterização atual das relações Brasil-China, que têm como base trocas comerciais nas quais o Brasil vende majoritariamente bens primários e compra da China manufaturados diversos. Se, de um lado, isso tem resultado em altos superávits na balança comercial brasileira, de outro, não se pode negar que tem funcionado como incentivo para induzir ao Brasil (na ausência de políticas nacionais, nos últimos anos, voltadas ao desenvolvimentismo) um perfil agrário-mineral exportador.

Argumentos em defesa da adesão do Brasil a Nova Rota da Seda

Como principais motivos que justificariam a adesão do Brasil a ICR, tem sido mencionado:

a) A China dispõe de capital para financiamento e investimento direto externo que o Brasil precisa, pois, embora, investimentos do Governo Lula tenham atingido R$32 bilhões entre janeiro e julho de 2024 (registrando um crescimento de 31,8% em relação ao mesmo período de 2023 e alcançando um recorde), o maior valor para os primeiros sete meses desde 2016, o quadro continua restritivo para o cenário brasileiro;

b) A entrada na ICR pode induzir a novos investimentos chineses; o relatório sobre Investimentos Chineses no Brasil em 2023, do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), revela que o percentual de projetos anunciados pelos chineses que realmente foram realizados no país aumentou de 27% para 88% entre 2022 e 2023, e que tem havido uma maior diversificação dos investimentos;

c) A diretriz emitida pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China estabelece o aumento da cooperação em diversas áreas com os países ao longo da ICR com foco no desenvolvimento verde até 2030; nessa esfera, o Brasil tem vantagens comparativas e grande potencialidade para fontes renováveis;

d) Politicamente, a adesão a ICR pode reforçar o eixo Sul-Sul e a multipolaridade que a política externa de Lula defende;

e) A adesão a ICR pode abrir oportunidades para as empresas do Brasil atuarem no exterior, a exemplo do que tem ocorrido com algumas empresas de países da África que têm se internacionalizado na esteira da ICR no continente;

f) A integração física do Brasil com a América Latina e Caribe (ALC) e com a Ásia a partir da construção de (rodovias, portos, ferrovias, aeroportos) por meio da ICR poderá aperfeiçoar a logística, desta forma, reduzindo custos do transporte e dando maior competitividade aos produtos brasileiros no mercado internacional; e

g) A adesão do Brasil a ICR, ao permitir ao Brasil condições de dialogar com a China em uma política de transferência de tecnologia pode impulsionar a neoindustrialização e elevar o país nas Cadeias Globais de Valores (CGV).

Como a adesão do Brasil à ICR poderia elevar o país nas Cadeias Globais de Valores?

O professor de Economia da Unicamp, Célio Hiratuka, apontou em um estudo, considerando as relações da China com os países da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) para a possibilidade de se constituir CGV, em uma maior aproximação econômica com a China. No estudo, considerou que a integração dos países da ASEAN com a China tem se dado de forma flexível “no qual os países da ASEAN tinham clareza da importância de ampliar a cooperação regional para evitar possíveis efeitos negativos que a ameaça competitiva chinesa representava” (Hiratuka, 2024, p.112). 

Com relação aos resultados, apontou que “Em termos líquidos, para o conjunto das atividades manufatureiras [dos países da ASEAN], o resultado foi um aumento do saldo negativo em termos de valor adicionado com a China, ao mesmo tempo em que se elevou o saldo positivo global, impulsionado pelas exportações indiretas da ASEAN incorporadas nas exportações chinesas”, indicando que se, de um lado, houve efeitos negativos em termos do saldo com a China em alguns setores, de outro, a China pode ter contribuído – se visto em perspectiva geral – para a melhora da competitividade desses países (Hiratuka, 2024, p.111). Os países da ASEAN obtiveram déficit da balança comercial  de manufaturados com a China, no entanto a partir desta relação se industrializaram e extraíram superávit a partir da comercialização da sua produção industrial para Europa. Essa análise, especificamente, dependeria de caso a caso dos países e setores.

O que se pode tirar disso, pensando na adesão do Brasil a ICR, é que ela pode fazer sentido se se constituir em uma forma de negociar melhores termos para as relações econômicas, em especial, para que os investimentos chineses no país, bem como a inversões em infraestrutura, possam chegar como parte de um projeto nacional de desenvolvimento, preferencialmente vinculados a transferência de tecnologia, a constituição de Novas Forças Produtivas de qualidade – que são bases produtivas de tecnologia da fronteira do conhecimento (carros eletrificados, Inteligência Artificial etc) e a instalação não de empresas maquiladoras, mas de indústrias de produção autóctone, com todo o conteúdo nacional. Isso aumentaria de forma geral a competitividade do Brasil no mundo.

Que não seja uma adesão apenas focada em construir estradas e ferrovias para o transporte de milho e soja – o que só aumentaria as assimetrias nas relações com a China -, mas voltada para a industrialização brasileira e a evolução da sua cadeia de produção, inclusive em um processo que consiga articular regionalmente o Mercosul e toda a América do Sul.

REFERÊNCIAS 

CARIELLO, Túlio. Investimentos Chineses no Brasil 2023: Novas Tendências em Energias Verdes e Parcerias Sustentáveis; Rio de Janeiro, 2023

CHINA to boost green development of Belt and Road. Xinhua, Pequim, 29 de març. 2022.   Disponível em: <https://english.news.cn/20220328/a8b26901b5d94e62b7222e9a5f15ef14/c.html>, Acesso em: 20 de set. 2024

HIRATUKA, Célio. Experiência chinesa com sócios menores e construção de cadeias de valor: o exemplo da ASEAN. In: CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL-CHINA. Investimentos, Cadeias de Valor: Reflexões sobre um eventual Acordo de Livre Comércio Mercosul-China; Rio de Janeiro, 2024

MULTINATIONAL embrace cooperation opportunities under Belt and Road Initiative. Xinhua, Pequim, 15 de out. 2023. Disponível em: <https://english.news.cn/20231015/609bc2fd29dc47f8bf24ddfc05853f53/c.html>, Acesso em: 20 de set. 2024

NARRATIVA de “armadilha da dívida” é armadilha retórica do Ocidente. Xinhua, Pequim, 16 de set. 2024. Disponível em: <https://portuguese.news.cn/20240916/b0b43dd8dc6b40fe9914208a63a94686/c.html>, Acesso em: 20 de set. 2024

NO governo Lula, investimento público bate recorde e é o maior desde 2016. Brasil 247, São Paulo, 18 de set. 2024. Disponível em: <https://www.brasil247.com/brasil/no-governo-lula-investimento-publico-bate-recorde-e-e-o-maior-desde-2016-492rxpov>, Acesso em: 20 de set. 2024

SOUSA, Ana Tereza L. Marra; SCHUTTE, Giorgio Romano; ABRAÃO, Rafael; RIBEIRO, Valéria Lopes. China in Latin America: BRI or not to BRI. In: Paulo Afonso B. Duarte · Francisco José B. S. Leandro · Enrique Martínez Galán. The Palgrave Handbook of Globalization with Chinese Characteristics: The Case of the Belt and Road Initiative. Palgrave Macmillan, 2023.

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