Ano V, nº 87, 24 de outubro de 2024
Por Ana Camille da Fonseca, Luisa Bianchet e Mayra Contin Bertucci (Imagem: Rodrigo Cabral (ASCOM/MCTI)
Sede da cúpula de chefes de Estado e governo do G20, o Brasil poderá assumir a liderança sobre a pauta climática global. Para a relação Brasil-China neste âmbito, ainda se observa certo caminho a percorrer diante das contradições de ambos os países. Nesse sentido, caberá o questionamento sobre o alcance das ambições climáticas do G20.
O encontro que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana, será sediado no Rio de Janeiro entre os dias 18 e 19 de novembro deste ano. De maneira inédita, o G20 terá a oportunidade de tratar sobre temas importantes para o debate da sustentabilidade climática e ambiental, contando com a promissora iniciativa do atual Governo Federal de criar um fundo global para a proteção de florestas tropicais, uma vez que o Brasil se estabelece como um provedor de serviços ecossistêmicos. Não só isso mas, dentre as prioridades do GT de Sustentabilidade Ambiental e Climática, estão: a ênfase na adaptação emergencial e preventiva frente aos eventos climáticos extremos, com o fortalecimento e desenvolvimento de diretrizes que possam amortizar os impactos climáticos; a proposição do debate sobre como promover oceanos saudáveis no intuito de combater as alterações climáticas; e o aprofundamento da discussão sobre os resíduos poluentes, uma das faces mais notórias da degradação ambiental.
No que tange a cooperação Brasil-China no debate sobre sustentabilidade, durante o seminário Brasil-China: 50 anos de amizade e cooperação rumo ao desenvolvimento inclusivo e sustentável, realizado em agosto de 2024, Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, destacou que “Somos os líderes em energia limpa no G20 e vamos liderar a transição para uma economia verde, com o apoio da China como parceiro estratégico fundamental”, o que reforça a tese de que, apesar de o comércio com a China – baseado na agro exportação de produtos como soja, minério de ferro, carne e celulose – ter como produto impactos ambientais negativos, o Brasil enxerga no país a possibilidade de estreitar laços visando o desenvolvimento sustentável e o alcance das ambições climáticas discutidas na reunião do G20.
A liderança brasileira no G20 e o debate sobre sustentabilidade ambiental e climática
O protagonismo brasileiro neste eixo temático reflete a histórica posição do país latinoamericano na defesa dos países em desenvolvimento – através do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas – na tomada de decisões sobre a promoção do desenvolvimento sustentável, contemplando pilares social, econômico e ambiental. Enfatizado pelo Presidente Lula, observa-se a vontade de mudança da percepção de que “o G20 é um espaço fechado e restrito aos países do norte global”, a partir de um redirecionamento dos trabalhos para um olhar construtivo que crie pontes entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. A recente reunião da Força-Tarefa para uma Mobilização Global contra a Mudança do Clima do G20, deixa claro tal protagonismo para evitar o aumento da temperatura além do limite proposto pelo Acordo de Paris, que visa conter a escalada dos impactos do aquecimento global e mobilizar internacionalmente a transferência de recursos que facilitem a transição climática e o desenvolvimento sustentável internacional.
Entretanto, apesar de possuir uma longa agenda de reorientação econômica, com uma série de ferramentas que possam realizar a migração para um lócus sócio econômico mais sustentável, no mês de setembro de 2024, o país atingiu o maior patamar de emissão de gases de efeito estufa do mundo, semelhante ao recorde registrado em 2007, segundo o Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus (Cams). O volume recorde da emissão de gases do efeito estufa são resultantes dos intensos incêndios florestais na região do Pantanal, Cerrado e da Floresta Amazônica, que atingiram níveis de ocorrência fora do comum devido à alta temperatura, somada com a seca prolongada e a baixa umidade do solo. Além disso, parte considerável desses incêndios pode ser associada ao aumento de pastagens ou pela abertura de novas fronteiras agrícolas nas margens dos biomas mais afetados pelo fogo. A recorrência de tais problemáticas, dessa forma, acendem um alerta sobre o rumo brasileiro frente às mudanças climáticas, que encara a necessidade de incluir novas políticas eficazes que incorporem também a agricultura de baixo carbono.
A Ecocivilização Chinesa no G20
Para compreender as recentes mudanças da China rumo a um crescimento verde, é fundamental entender o que o Partido Comunista Chinês (PCCh) define como crescimento sustentável. Além disso, é necessário avaliar como a sustentabilidade se integra ao projeto de desenvolvimento do país. Compreende-se, de início, que a China está focada em alcançar suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) e em avançar na transição para uma economia mais verde e sustentável. Por outro lado, a constituição do mix energético chinês e sua sistemática dependência do carvão reforçam as contradições internas da trajetória de desenvolvimento do país.
Os documentos oficiais constroem a noção de sustentabilidade na China diretamente ligada ao conceito do “Sonho Chinês”, que visa a grande revitalização nacional por meio do socialismo com características chinesas. Proposto por Xi Jinping em 2012, o primeiro objetivo da China foi alcançar uma sociedade moderadamente próspera, o que ocorreu em 2021. Para a continuidade do “sonho chinês”, a sustentabilidade emergiu como um elemento essencial para enfrentar os desafios energéticos e ambientais. A “ecocivilização”, conceito central no discurso de Xi Jinping, propõe que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental devem andar juntos. Esse modelo promove a economia circular e de baixo carbono, destacando a relação entre progresso tecnológico, combate à poluição e transição energética.
Para o PCCh, a segurança energética é vista como uma questão estratégica fundamental, relacionada ao desenvolvimento socioeconômico e como pré-requisito para a prosperidade e estabilidade da nação. Garantir essa segurança e promover uma economia sustentável significa melhorar a qualidade de vida da população e assegurar a estabilidade a longo prazo. Como o maior consumidor de energia do mundo, a China enfrenta desafios como a alta demanda interna, limitações de oferta e os impactos ambientais decorrentes da industrialização. Diante disso, documentos oficiais destacam a necessidade de transitar para uma sociedade mais eficiente no uso de energia, reconhecendo que a proteção ambiental é vital tanto para o presente quanto para o futuro do país.
O desenvolvimento da China é orientado pelos Planos Quinquenais, uma ferramenta crucial para direcionar o crescimento econômico e social. Esses planos equilibram as diversas políticas nacionais, estabelecendo metas que são desdobradas para os níveis provinciais e distritais. No que diz respeito à transição para uma economia de baixo carbono, os 11º, 12º e 13º Planos Quinquenais (entre 2006-2020) estabeleceram a base de uma mudança gradual que visa transformar a China em uma potência de crescimento verde. O 14º Plano Quinquenal (2021-2025) continua nessa trajetória, focando em metas climáticas e desenvolvimento sustentável.
O 12º Plano Quinquenal foi fundamental ao introduzir o modelo de crescimento verde e de economia de baixo carbono, integrando metas energéticas e climáticas com o desenvolvimento econômico. Já o 13º Plano reforçou a construção de uma sociedade próspera por meio da integração entre setores como tecnologia, meio ambiente e energia. O 14º Plano mantém essa linha, mas inova ao dar maior ênfase à tecnologia como motor de crescimento e ao destaque para o desenvolvimento verde inclusivo. Ele também reforça o papel da China como líder global, investindo em tecnologias limpas e na economia de baixo carbono.
Contudo, a emergência da China como potência verde vem acompanhada de desafios e contradições representadas pela sistemática dependência chinesa aos combustíveis fósseis. Em 2023 cerca de 54% da energia consumida na China era proveniente da geração termelétrica e o país emitiu um pouco mais de 25% das emissões totais de CO2 equivalente na atmosfera, a maior parcela entre os países. Além disso, o último Plano Quinquenal apresentou metas modestas em relação à descontinuidade do uso de carvão e do petróleo e não solidificou metas absolutas de redução de emissões e descarbonização de setores com alto índice de emissões, como as indústrias pesadas.
Apesar das contradições apontadas, durante a cúpula do G20 de 2023 que ocorreu em Nova Delhi, a posição da China em relação à sustentabilidade destacou-se por sua ênfase no equilíbrio entre crescimento econômico e proteção ambiental. A China tem priorizado temas como a transição energética, a redução das emissões de carbono e a promoção de energias renováveis, reafirmando seu compromisso com as metas estabelecidas no Acordo de Paris e no quadro da UNFCCC.
Além disso, a China, como também o Brasil, tem defendido uma abordagem de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, argumentando que países desenvolvidos devem assumir maiores compromissos no financiamento climático, dado que as nações emergentes enfrentam maiores desafios de desenvolvimento enquanto buscam a sustentabilidade. Este princípio foi reiterado na Declaração Conjunta Brasil e China para o Combate às Mudanças Climáticas firmada em abril de 2023, que enfatizou a importância de uma transição para uma economia de baixo carbono, com especial foco na justiça climática e no apoio financeiro e tecnológico para países em desenvolvimento.
Brasil e China também destacaram na Declaração Conjunta citada a colaboração mútua em áreas como a proteção ambiental, reabilitação de áreas degradadas, inovação tecnológica verde e promoção de infraestrutura sustentável, além de iniciativas conjuntas para enfrentar o desmatamento e promover o desenvolvimento de tecnologias limpas. Esses esforços se alinham com o papel de liderança que o Brasil assume nas negociações climáticas, especialmente como anfitrião da COP30 em 2025.
A parceria sino-brasileira nas temáticas ambientais no âmbito do G20
Nesse contexto, os dois países se autodeclaram líderes na transição ecológica e no desenvolvimento de tecnologia para energias verdes, com desafios relacionados ao crescimento econômico com a proteção ambiental e descarbonização de setores. Sendo sede do G20 e país com a matriz energética mais renovável, o Brasil se torna palco de investimentos chineses para energias renováveis, com 72% dos investimentos chineses no país em 2023 em projetos direcionados a energias verdes e setores relacionados. Um dos objetivos do governo federal na Cúpula dos Chefes de Estado do G20 é avançar na descarbonização e ampliar o uso de energias renováveis, sendo o financiamento verde e investimento internacional nestes setores primordial para sua evolução ao curto prazo.
O desafio, contudo, é construir estes novos pilares ambientais justos da relação bilateral sino-brasileira considerando os desafios domésticos brasileiros, como o combate à fome, pobreza energética e o desmatamento, e as responsabilidades socioambientais trazidas com os investimentos chineses, como a exploração mineral de lítio para baterias de veículos elétricos e os impactos negativos desta exploração para povos indígenas e quilombolas (sem esquecer os impactos já existentes decorrentes da produção e exportação a China de soja, minério de ferro, carne e celulose) .
É essencial que o debate na Cúpula de novembro leve em conta a posição estratégica do Brasil na transição energética, avaliando como o país pode aproveitar suas vantagens competitivas para vincular o combate às mudanças climáticas a um desenvolvimento socioeconômico inclusivo e sustentável. O Brasil busca superar o papel de exportador primário, ambicionando se tornar um fornecedor de tecnologias avançadas e de bens manufaturados que promovam a sustentabilidade. Em contrapartida, a China, já consolidada como líder global nas cadeias verdes, atua de forma verticalizada nessas cadeias, concentrando seus investimentos no Brasil de forma que ainda não está claro se contribuirão para perpetuar uma dependência tecnológica e industrial ou para melhorar o desenvolvimento endógeno de tecnologia e a industrialização do país. Tem de haver cuidado para que as assimetrias entre Brasil e China não sejam um desestímulo ao desenvolvimento de uma indústria nacional robusta, independente e competitiva.
REFERÊNCIAS
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