Ano V, nº 92, 27 de dezembro de 2024
Por Diana Dias da Silva, Gabriel Gesteira, Ismara Izepe de Souza, Joyce Cipriano Victurino, Luiza Rodrigues Oliveira, Mônica Almeida Peña (Imagem: Unsplash)
A cobertura da imprensa sobre o BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul até 2023, incluindo Egito, Etiópia, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Irã a partir de 2024) desempenha um papel crucial na formação da percepção pública sobre o bloco, suas iniciativas e os desafios enfrentados por seus membros. Este texto examina como os meios de comunicação abordam os assuntos relacionados ao BRICS, explorando as narrativas predominantes e as implicações desse enquadramento para a compreensão da importância e do impacto do bloco no cenário internacional.
O BRICS surgiu como uma iniciativa para fortalecer a cooperação entre economias emergentes e promover um sistema internacional mais multipolar. Desde sua primeira cúpula em 2009, o bloco tem se consolidado como uma plataforma de diálogo e articulação em temas como governança global, sustentabilidade e desenvolvimento econômico. Entre suas principais realizações está a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) em 2014, que busca financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países membros e em nações em desenvolvimento, oferecendo uma alternativa às instituições tradicionais, como o FMI e o Banco Mundial.
Para o Brasil, o BRICS representa uma oportunidade de diversificar suas alianças estratégicas, reduzindo sua dependência das economias centrais e reforçando sua posição como liderança regional e potência emergente. A adesão brasileira ao bloco esteve alinhada à política externa “ativa e altiva” dos governos Lula e Dilma, que priorizava a cooperação Sul-Sul e a defesa de um mundo multipolar (SANTOS, 2024, p.9). É importante ressaltar que tal prioridade não significava um distanciamento completo dos Estados Unidos ou um posicionamento “antiamericano”, embora parte da imprensa, à época, tenha enquadrado dessa forma a participação brasileira no BRICS.
No entanto, a ampliação do bloco trouxe novos desafios para o Brasil. A partir de outubro de 2024, o bloco passou a contar com mais quatro membros (Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos) e treze países parceiros (Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã). Em um BRICS ampliado, o Brasil enfrenta o desafio de manter sua relevância, equilibrando interesses divergentes e adaptando sua atuação a uma dinâmica mais complexa. (SANTOS, 2024, p.19) Além disso, questões como a coordenação de posições, a efetividade das iniciativas conjuntas e a capacidade do bloco de influenciar a governança global continuam sendo temas centrais no debate público e na cobertura jornalística.
Este texto parte do entendimento de que a forma como a imprensa aborda o BRICS molda a percepção dos cidadãos sobre o bloco como uma alternativa viável ou não às estruturas de poder tradicionais. Realizamos uma breve análise da forma pela qual alguns veículos de imprensa abordaram o tema do BRICS e da participação brasileira no bloco. Os veículos escolhidos foram as revistas Veja, Fórum e Oeste, o jornal Folha de S. Paulo e o portal Brasil 247, por representarem um amplo espectro ideológico, que vai desde a esquerda (representada pelo Brasil 247) até a extrema-direita, (sendo a Revista Oeste sua maior porta-voz). Ao analisar a cobertura midiática busca-se compreender não apenas como os temas relacionados ao BRICS são representados, mas também as tensões discursivas que refletem os desafios enfrentados pelo bloco e suas implicações para a política externa brasileira.
Revista Veja
A Revista Veja noticia os eventos mais relevantes relacionados ao BRICS, sem muita ênfase, preferindo abordar alguns temas a partir da perspectiva de países específicos do bloco. O acidente sofrido pelo presidente Lula, que o impossibilitou de ir à Rússia para a 16a cúpula do bloco, ocorrida em outubro de 2024 na cidade de Kazan, parece ter feito o interesse da revista diminuir.
Antes do cancelamento da viagem, a revista noticiou “a movimentada agenda de Lula na cúpula do Brics na Rússia”. Depois, noticiou o discurso do presidente Lula, feito por videoconferência. Veja deu ênfase ao veto do Brasil à entrada da Venezuela no bloco, analisando suas possíveis consequências e ressaltando as provocações venezuelanas. Um argumento recorrente encontrado nas matérias da Veja sobre as relações entre Brasil e Venezuela, e que aparece também quando o BRICS é o tema central, é o que responsabiliza Lula pelo silêncio frente às ditaduras existentes no mundo.
Brasil 247
O portal Brasil 247 fez várias referências positivas sobre o BRICS, entre elas a de que o encontro teve uma dimensão histórica ao buscar fortalecer meios de pagamento alternativos ao Swift (sistema dominado pelas instituições submetidas ao comando da Casa Branca,) e consolidar mecanismos para que os países possam negociar diretamente em suas moedas nacionais e à margem do dólar.
O portal, que pode ser considerado um veículo aliado ao governo do presidente Lula, em suas notícias ressalta o crescimento do BRICS e o aumento de sua potência geopolítica e econômica. As matérias veiculadas pelo portal e os analistas convidados a debater o tema são entusiastas do bloco e da ideia de que ele pode fazer frente à hegemonia estadunidense no mundo. Embora a esquerda brasileira apresente nuances nas análises sobre o BRICS e seu potencial de alterar as relações de poder no sistema internacional, existe uma compreensão majoritária de que o engajamento brasileiro no grupo pode render resultados positivos ao interesse nacional.
Revista Fórum
Em consonância com o Brasil 247, a Revista Fórum também dá mais importância ao BRICS, quando comparado à Revista Veja. Um exemplo disso é a reportagem que enfatiza a preocupação das potências do Ocidente com o crescente papel do bloco como uma alternativa à hegemonia de EUA e Europa. A reunião é vista como um esforço dos países em se tornarem menos dependentes das potências ocidentais.
A revista destacou a parte do discurso do presidente Lula, feito para a reunião em Kazan, que chamou a atenção para o fato de que os países do bloco, juntos, têm 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite, matérias-primas essenciais para indústrias tecnológicas e estratégicas. Essas reservas conferem ao BRICS vantagens como autossuficiência em recursos críticos, competitidade industrial, liderança em setores de energia renovável e alta tecnologia e menor dependência externa, aumentando a influência global do bloco.
Revista Oeste
Contabilizando 40 reportagens que fazem menção ao BRICS em 2024, a Revista Oeste variou as temáticas das suas matérias sobre o bloco, por vezes focando somente no aspecto econômico e em outros ampliando para o seu aspecto político, seara na qual as críticas da revista ficam mais evidentes. No artigo de opinião “Brics, um convescote autocrático”, Márcio Coimbra enfatiza o caráter autoritário da maioria dos países membros do bloco, resumindo-o como um “clube autocrático em ampliação”. Nesse artigo e em outra reportagem a revista categoriza os laços crescentes do Brasil com Arábia Saudita e com o Irã como preocupantes, por serem esses países violadores dos direitos humanos.
Porém, o caráter ambíguo e cínico se mostra quando a Oeste oculta que o Governo Bolsonaro, por ela apoiado, já havia realizado uma aproximação clara com o governo Saudita, com o recorde de viagens oficiais brasileiras ao país sendo quebrado três vezes, além das polêmicas relacionadas à atuação pessoal do ex-presidente Bolsonaro para garantir a liberação de um presente do chefe de Estado da Arábia Saudita para si. A Revista Oeste adota dois pesos diferentes para as relações internacionais, somente criticando as relações do Brasil com países que possuem governos autoritários quando isso convém à defesa de sua linha política, qual seja, a de extrema-direita. Ademais, a referida revista também insiste no fato de que a China e a Rússia são os verdadeiros líderes do BRICS, e que o bloco funciona para atender agendas e interesses da nação asiática e para atuar contra o G7, grupo composto por Estados Unidos, Canadá, Japão e países da Europa Ocidental. A revista costuma reforçar o caráter autoritário não só dos membros do BRICS expandido, mas daqueles convidados para participar da reunião em Kazan, criticando o silêncio brasileiro quanto às intenções autoritárias do bloco. Para Márcio Coimbra, convidado a escrever na revista, o país deveria sair do “clube”. A análise do convidado corroborada pela Revista Oeste deliberadamente ignora outros aspectos do BRICS e as vantagens estratégicas para o Brasil se posicionar entre esse bloco e os EUA.
A Revista Oeste também dedicou atenção ao veto do Brasil à entrada da Venezuela no grupo, o que pela coerência ideológica deveria elogiar. No entanto, a revista aproveita o episódio para mencionar a “amizade” de Lula com as ditaduras, citando por exemplo a visita de Maduro ao Palácio do Planalto em 2023, momento no qual foi recebido por Lula com honras de chefe de Estado, o que de fato era naquele momento. Em outra matéria, a Revista Oeste insiste no fato do Brasil não chamar a Venezuela de ditadura. Mesmo a matéria incluindo a fala de Celso Amorim, assessor especial de assuntos internacionais do presidente Lula, sobre o mal-estar do Brasil com a situação venezuelana, a Revista não perde a oportunidade de afirmar que a política externa do Brasil é repleta de simpatias às tendências autoritárias. A mensagem veiculada é a de que o Brasil, ao apostar no BRICS e demais países do Sul Global, legitima o autoritarismo. Assim, a revista promove e estimula a ignorância do seu público leitor quanto aos interesses brasileiros no jogo da política internacional.
Folha de S. Paulo
A Folha de São Paulo é um jornal que segue uma linha editorial de centro-direita, mas que faz uma auto-propaganda focada no fato de promover o pluralismo de opiniões, sendo, por isso, frequentemente criticada por ambos os lados do espectro político. Pelo lado progressista e de esquerda, é apontado que a Folha tem um viés majoritariamente liberal em assuntos econômicos, favorecendo determinadas posições que beneficiam a elite econômica.
Em seus editoriais, a Folha vem analisando o BRICS de uma forma pragmática, destacando as oportunidades e os desafios que o bloco enfrenta. Em reportagens recentes, de novembro de 2024, a Folha fez críticas ao bloco e ao governo Lula, referindo-se a ambiguidade e aos desafios diplomáticos enfrentados, além de questionar a eficácia da participação brasileira no grupo.
As tensões geradas pelos critérios exigidos para a entrada de novos membros e a criação de uma moeda comum têm sido destacadas nos editoriais. Embora reconheça a importância do BRICS, o jornal enfatiza a falta de avanços concretos, considerando a posição brasileira na liderança do bloco em 2025 bastante frágil. Ao publicar matérias sobre o BRICS, o jornal aproveita para enfatizar as limitações políticas e os desafios que o Brasil enfrenta ao tentar manter uma posição de destaque no cenário global.
Apontamentos finais
O BRICS representa uma plataforma estratégica de cooperação internacional para economias emergentes, proporcionando ao Brasil a oportunidade de diversificar alianças e reforçar sua posição no sistema internacional. A análise da cobertura da imprensa brasileira revela narrativas diversas sobre o bloco, que vão desde críticas ao seu caráter político até reconhecimentos das suas vantagens econômicas e geopolíticas. Apesar dos desafios impostos pela recente expansão, como a necessidade de equilibrar interesses divergentes, o Brasil continua a desempenhar um papel relevante, especialmente ao destacar recursos estratégicos e impulsionar iniciativas que promovam um sistema multipolar mais inclusivo. A forma como o BRICS é compreendido e comunicado pela imprensa contribui significativamente para moldar a percepção pública sobre sua importância e seu impacto na política externa brasileira.
Enquanto veículos como Brasil 247 e Revista Fórum destacam os avanços econômicos e geopolíticos do bloco, como a autossuficiência em recursos estratégicos e a busca por alternativas ao dólar, publicações como as da Revista Oeste adotam um tom crítico, enfatizando os perigos advindos da relação do Brasil com países de governos autoritários. A avaliação sobre a participação brasileira no bloco não poderia ser mais previsível por parte da extrema-direita, vide a ideologia que sustentou a política externa do governo de Jair Bolsonaro, cujo resultado foi o isolamento do Brasil no mundo. Constatamos com certa surpresa que veículos como o jornal Folha de S. Paulo e a Revista Veja – que em suas linhas editoriais sempre criticaram a política externa dos governos Lula – diminuíram as suas objeções às ações internacionais que não acenam para um mero alinhamento com os EUA, reconhecendo assim a importância da participação brasileira no BRICS. Temos, por parte da grande imprensa, uma postura de constatação de uma realidade internacional muito diferente daquela com a qual o Brasil se deparava quando do surgimento do BRICS, na primeira década do século XXI.
A entrada de novos membros traz uma dinâmica mais complexa ao grupo, exigindo do Brasil habilidades diplomáticas para equilibrar interesses divergentes e manter sua relevância. Paralelamente, os recursos estratégicos detidos pelo BRICS, como terras raras e minerais essenciais para tecnologias de ponta, reforçam a importância do bloco no cenário global e oferecem ao Brasil a oportunidade de liderar iniciativas que promovam a sustentabilidade e a inovação.
Apesar das críticas e das divergências de opiniões, o BRICS segue como uma ferramenta estratégica para o Brasil. A forma como o bloco é representado na imprensa brasileira revela não apenas seus avanços e desafios, mas também a necessidade do país adotar uma postura ativa para fortalecer sua posição como protagonista em uma ordem internacional em transformação.
Referências
SANTOS, Luiza Ruscitto Costa. Os BRICS e a Política Externa Brasileira: dos governos Lula à Dilma (2003 – 2016). Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Internacionais. EPPEN/UNIFESP, Osasco. 2024.