Lições do G20 para a COP30 em Belém*

Ano VI, nº 96, 06 de março de 2025


Por Bianca Tavolari, Arilson Favareto, Arthur Sadami e Giordano Magri

(Imagem: Tânia Rêgo/ Agência Brasil)



Nada será possível sem uma nova arquitetura global capaz de abranger temas sensíveis como comércio internacional e tecnologias.


A presidência brasileira do G20 chegou ao fim com a Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo realizada no Rio de Janeiro. A maior parte das avaliações sobre os resultados corrobora a narrativa oficial de que os objetivos traçados foram alcançados. Ponto para a diplomacia brasileira, que volta à cena como protagonista. Mas é importante também olhar para as lições que ficam. Afinal, em 2025 o Brasil lidera outro grande evento internacional, a COP30, do Clima, em Belém.


Três foram as prioridades anunciadas pelo presidente da República: erradicação da fome e da pobreza, reforma da governança global e enfrentamento das mudanças climáticas.


No primeiro desses temas está o resultado mais visível: foi lançada no G20 a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Prevista para durar cinco anos, a iniciativa mobiliza, por adesão, países e organizações interessadas em aportar recursos para a disseminação de práticas reconhecidas. De fato, o Brasil tem muito a dizer sobre o tema, já que o país saiu do mapa da fome nas primeiras duas décadas deste século. Ainda que o tema da insegurança alimentar já tivesse sido tratado em outros mandatos do G20, a ênfase dada à pobreza e à fome foi uma marca da presidência brasileira.


Evidentemente, será preciso monitorar os resultados da proposta. E é desejável que as ações sobre fome não se limitem a expandir a oferta de alimentos e garantir a ingestão de um mínimo de calorias, pois já se sabe que o principal desafio é garantir o acesso a alimentos saudáveis. A declaração do G20 reconhece isso. Mas para pôr tal concepção em prática será preciso promover a transição justa e sustentável em sistemas agroalimentares.


Se, por um lado, não houve passos concretos para a reforma da governança global, a presidência brasileira mostrou que o multilateralismo continua sendo importante. Além da declaração final conjunta, nos meses anteriores foram publicadas várias declarações ministeriais setoriais, refletindo entendimentos compartilhados sobre temas estratégicos, o que não vinha acontecendo em edições anteriores.


O compromisso dos países do G20 em discutir a taxação dos super ricos abre a possibilidade de algum tipo de arquitetura financeira global para evitar comportamentos oportunistas e fuga de capitais, e cogita o uso desses recursos para financiar ações globais contra a pobreza ou enfrentar as mudanças climáticas.


Já na terceira das prioridades, os resultados são mais tímidos. Diferente de temas como a fome, há mais controvérsias e choque de interesses entre países quando se trata de medidas concretas para promover planos de transição nas formas de produzir e consumir no mundo contemporâneo. No âmbito internacional, o ambiente político não é favorável para acordos ousados. Guerras e conflitos criam indisposições a acordos. Na esfera das economias nacionais, medidas que possam aumentar preços e comprometer crescimento econômico – como maior taxação de combustíveis ou redução de uso de insumos com maior impacto ambiental – geram insatisfação popular e minam apoio a governos. Além disso, as formas de enfrentar as mudanças do clima também são mais complexas. O relatório produzido por um Grupo de Especialistas internacionais para a Task Force Clima do G20 evidencia isso.


A face mais visível do problema segue sendo o financiamento da transição ecológica, algo que ficou bem claro na COP16 da Biodiversidade, realizada em Cali semanas antes da Cúpula do Rio, e também na COP29 do Clima, em Baku, pouco depois. Não se trata apenas do volume de dinheiro, mas de quem paga a conta, por que meios e qual é o papel de agentes como os países mais ricos, bancos de desenvolvimento e bancos centrais. O saldo da COP29 foi frustrante nessas frentes.


Na mobilização desses recursos, as plataformas de investimentos na transição ecológica são bases importantes, mas é preciso reorientar o conjunto dos instrumentos de crédito, incentivos e formas de regulação. Relatório das Nações Unidas estima que os subsídios dirigidos a atividades nocivas ao clima são, hoje, 140 vezes superiores ao que se investe em inovações verdes.


Nada será possível sem uma nova arquitetura global capaz de abranger temas sensíveis como comércio internacional e tecnologias. É cada vez mais frequente o uso de cláusulas ambientais nas trocas entre países, o que é bem-vindo. Mas não passará de protecionismo disfarçado se não vier acompanhado de regras de transição e compensações aos países mais vulneráveis que não têm os mesmos recursos para fazer sua transformação verde. O mesmo vale para tecnologias: sem capacitar os países mais pobres para complexificar suas economias, há risco de que a agenda climática reproduza o fosso que separa os países capazes de promover a industrialização verde daqueles que, novamente, ficarão condenados ao papel de fornecedores de matérias primas; muitas vezes com alto impacto ambiental.


Apesar do saldo positivo do G20, ficam alguns alertas para a preparação da COP do Clima, em Belém. Pesará a complexidade do tema, o contexto adverso e o balanço negativo dos esforços globais desde o Acordo de Paris. O governo brasileiro terá também de lidar com ambiguidades internas do país em temas estratégicos para quem quer liderar a agenda climática internacional.


No Brasil, os sistemas agroalimentares, direta ou indiretamente, respondem por quase três quartos das emissões de gases estufa. Os compromissos do governo enfatizam a redução do desmatamento com algum sucesso, mas ainda insuficiente para alcançar metas mais ambiciosas. Mesmo lideranças progressistas do agro brasileiro já manifestaram que é preciso cautela nesse terreno. O que prevalecerá, cautela ou ousadia?


Na transição energética, o Brasil já fez algo que muitas nações ainda buscam: ampliar o espaço das fontes renováveis em sua matriz. Mas é ingênuo dizer que a posição do país é confortável. A produção de petróleo vem crescendo. As atenções estão voltadas à decisão de explorar ou não as reservas na Foz do Amazonas. No campo das renováveis, quase todo o potencial de hidroenergia está restrito também à Amazônia. E a produção de biocombustíveis se apoia em extensas monoculturas com impactos nada desprezíveis para a biodiversidade e uso abusivo de agrotóxicos.


A COP30 só acontece daqui a um ano e pode representar uma inflexão no esforço global efetivo contra mudanças climáticas. Os contornos do que será decidido lá já começam a tomar forma. As metas do Brasil já foram anunciadas, com críticas do movimento ambientalista. Nos próximos meses será lançado o Plano Clima, com o conjunto de medidas de adaptação e mitigação que o país deve adotar para alcançar tais metas. Aí veremos como essas ambiguidades serão equacionadas. A diplomacia brasileira é reconhecidamente competente, mas muitos dos desafios extrapolam sua capacidade. A tudo isso se soma um fato nada desprezível: a volta de Donald Trump e seu negacionismo climático.



Bianca Tavolari é professora da FGV Direito-SP, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e principal investigator do Mecila (Maria Sibylla Merian Centre).


Arilson Favareto é professor titular da Cátedra Josué de Castro (USP) e do Programa de Pós Graduação em Planejamento e Gestão do Território (UFABC). Diretor científico do Cebrap.


Arthur Sadami é pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Concorrência, Política Pública, Inovação e Tecnologia da FGV Direito-SP e do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito-Rio.


Giordano Magri é pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (USP) e do Núcleo de Estudos da Burocracia (FGV).


Os quatro autores integraram a Secretaria Executiva do Grupo de Especialistas no âmbito da Task Force do Clima do G20.



*Esse texto é uma edição autorizada de Lições do G20 para a COP30 em Belém publicado originalmente pelo Nexo Jornal.

Disponível aqui: https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2024/12/09/licoes-do-g20-para-a-cop30-em-belem



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