Mahmoud Ali Youssouf e a nova Presidência da Comissão da União Africana

Ano VI, nº 99, 17 de abril de 2025

 

Por Ana Carolina Cardozo, Danilo Faustino, Gabriel Gesteira e Matheus Albuquerque

(Imagem: Unsplash)

 

Mahmoud Ali Youssouf, atual presidente da Comissão da União Africana (UA), descreve no documento “Minha visão de um futuro brilhante para a África” que a sua proposta na presidência da Comissão é buscar a continuidade de reformas institucionais, a promoção da integração, a prosperidade e a paz no continente. Entretanto, a organização continua refém de obstáculos estruturais que limitam sua eficácia.

 

1. A Comissão e o Presidente 

 

A Comissão da União Africana, sediada em Addis Ababa, Etiópia, é um órgão administrativo e financeiro responsável pela promoção de canais de comunicação entre os órgãos da Organização Internacional, organização de encontros e tratativas internas, como também visa implementar as diretrizes da Carta da UA e de novas ações propostas por meio da Assembleia ou do Conselho Executivo. Não atua apenas como um implementador, mas como propositor de debates e pautas aos demais órgãos da UA.  Trata-se também de um importante órgão de caráter financeiro, analisando despesas da Organização em seus programas e estruturas político administrativas, além do manejamento e entrada de recursos.


Para além das funções técnico-administrativas, a Comissão da União Africana é um mecanismo de suporte aos países membros nas implementações de novas diretrizes propostas na Assembleia e na coordenação de tratativas de negociação destes países em âmbito internacional.


A composição se dá por oito agentes oficiais: um presidente, um vice, chamado de “deputado” e mais seis comissários. Todos os cargos são definidos por meio de eleição e exercidos em um período de quatro anos, podendo ser renovado por um novo ciclo. O órgão apresenta uma estrutura robusta com departamentos de múltiplos assuntos de interesse regional, como agricultura, economia sustentável, desenvolvimento econômico, infraestrutura, relações institucionais, desenvolvimento social, entre outros.


O presidente, cargo recém-definido em pleito realizado em fevereiro deste ano, é a figura que reporta suas atividades diretamente ao Conselho Executivo.  Trata-se do responsável pela direção da administração orçamentária, por guiar e mediar as reuniões da Comissão, pautar e priorizar tópicos de discussão, elabora modelos de planejamento e execução de ações compatíveis com os objetivos delineados pelo órgão ao longo de sua histórica, visando “promover e divulgar os objetivos da União Africana e melhorar o seu desempenho no cumprimento do seu mandato” (Site oficial União Africana).  A figura presidencial será um elo informativo para outros órgãos, submetendo documentos de atualização, constatações de projetos desenvolvidos no decorrer do mandato e seus níveis de performance. Trata-se de uma figura que necessita ter ampla experiência política para comandar as diretrizes de toda a União Africana em prol dos objetivos traçados para o continente em seu âmbito interno, como também como um player relevante da política de integração internacional.

 

2. A vida e carreira de Mohamoud Ali Youssouf


Mohamoud Ali Youssouf nasceu no dia 2 de setembro de 1965 na cidade de Djibuti, capital do Djibouti. Há pouca informação disponível nas redes sobre a vida pessoal de Youssouf, mas sabe-se que ele terminou o ensino básico em seu país antes de seguir para o Reino Unido, onde cursou Administração de Negócios em Liverpool (1988). Posteriormente, finalizou o mestrado em Administração na Universidade de Laval, Canadá (1990) e fez outro curso profissionalizante na mesma instituição. 


O político começou sua vida diplomática em 1993 atuando como Vice-Diretor da Diretoria de Organizações Internacionais (Deputy Director of the Directorate for International Organizations, em inglês), sendo responsável por coordenar o relacionamento do Djibouti com a ONU e outras organizações importantes com mandato internacional. Segundo seu currículo compartilhado pela União Africana, Mohamoud observa que seu período no cargo foi importante para a construção de relações de seu país com os outros atores internacionais, atingindo parceiros estratégicos. 


Em 1996, Ali Youssouf foi promovido para o cargo de Diretor do Departamento do Mundo Árabe (Director of Department of Arab World, em inglês). Fluente em árabe, Mohamoud fortaleceu a relação do Djibouti com os países árabes e defendeu os interesses de sua nação em encontros regionais e outros eventos entre representantes árabes, como a Liga dos Estados Árabes, da qual o Djibouti faz parte. Sua atuação lhe rendeu outra mudança de cargo em 1997, sendo concedido a ele duas funções: 1) Embaixador Extraordinário para o Egito e Representante Permanente para a Liga dos Estados Árabes; 2) Embaixador Extraordinário não Residente para o Sudão, Líbano, Síria e Turquia. 


Após se destacar como uma figura importante nas relações de seu país com os vizinhos árabes, Mohamoud recebeu a tarefa de chefiar a área de Cooperação Internacional no Ministério das Relações Exteriores em 2001 antes de tomar posse como Ministro das Relações Exteriores do Djibouti em 2005. Junto da função, recebeu o cargo de Porta-Voz do Governo (Government Spokesperson, em inglês), ambos os títulos que lhe são atribuídos até hoje. 


3. A eleição e propostas 


Mahmoud Ali Youssouf conquistou o cargo de Presidente da Comissão da União Africana após uma votação acirrada contra o queniano Raila Odinga, favorito na disputa. O processo levou 7 rodadas de votações para chegar a uma conclusão. Odinga tinha mais apoios, porém como a eleição é realizada com voto secreto, esses apoios foram se retraindo. Youssouf ganhou 33 dos 48 votos (FALCÃO, 2025).


Suas propostas podiam ser encontradas no documento “A minha visão de um futuro brilhante para a África” de 2024, onde ele afirmava que se eleito continuaria com as reformas institucionais para alcançar objetivos comuns. Sua visão para o continente africano é de torná-lo integrado, próspero e pacífico. Mahmoud ressalta também a igualdade de gênero, a diversidade, a transparência e a integridade. Ele promete exercer uma liderança responsável, com enfoque colaborativo.


Youssouf aponta ainda no documento a importância de defender as instituições democráticas e os direitos fundamentais dos cidadãos de forma a trazer estabilidade e legitimidade aos governos africanos. Ele promete que com base na sua experiência diplomática, prevenir conflitos, reforçando os mecanismos de mediação e arbitragem, além de abordar as causas profundas dos conflitos que segundo ele são a pobreza e desigualdade. Na proposta a seguir, ele aprofunda em tais temas ao prometer que reforçará os laços da Comissão com as Comunidades Econômicas Regionais para promover o Desenvolvimento Econômico e Social. Ele pretende investir em sistemas de saúde, programas de nutrição, educação, investigação científica e inovação, com as duas últimas sendo apontadas como fundamentais para superar os desafios do continente.


Nas propostas finais do documento, Mahmoud também se propõe se dedicar a desafios mais amplos como desenvolver projetos estratégicos de infraestrutura, principalmente de transportes e de eletrificação, para estimular o crescimento econômico. Promete lidar com os desafios ambientais através da promoção de políticas  de transição para uma economia verde, que engloba o apoio a investimentos em energias renováveis, a proteção de ecossistemas e a agricultura sustentável, além da luta contra as alterações climáticas. Youssouf reforçou um compromisso com a juventude, pois são o futuro do continente. Assim, ele apoiará políticas de educação, emprego e empreendedorismo para desbloquear todo o potencial deles. O combate ao desemprego será uma prioridade no mandato dele. Por fim, ele promete promover a África no cenário internacional, defendendo que haja representação equitativa do continente nas instituições internacionais e que reforçará seu papel nos fóruns globais, com um papel influente nas discussões políticas para buscar seus interesses econômicos e de desenvolvimento do continente.


Após eleito, em seu primeiro encontro com o comitê de representantes permanentes,  Youssouf ressaltou em seu discurso inicial a importância de transformar as ambições da União Africana em resultados possíveis. Ele enfatizou que é preciso agir com pragmatismo e determinação para tornar a organização uma ferramenta efetiva para o progresso do continente. Ele promete continuar as reformas que visam reduzir a burocracia da entidade e aumentar a sua eficiência operacional (AFRICAN UNION, 2025).


Youssouf também ressalta a ideia de aproximar a comissão do povo africano, afirmando que pretende aproximar a União Africana do povo africano, além de que a Comissão tem que trabalhar de forma responsável e bem coordenada para ir de encontro às expectativas populares.


Por fim, Youssouf enfatizou que fortes ações devem ser tomadas no campo da Paz e Segurança, mas que as soluções para os problemas desse tema devem ser lideradas pelos africanos. Essas soluções são para buscar prevenir e resolver conflitos. Ele afirma que devem focar a ação nos conflitos ocorrendo agora enquanto buscam garantir a estabilidade no continente.


4. O que esperar? 


A União Africana (UA) enfrenta um dilema central em seu futuro: embora as propostas de Mahmoud Ali Youssouf ao assumir a liderança da Comissão demonstram uma clara intenção de modernização e maior eficácia, a organização continua refém de obstáculos estruturais que limitam sua capacidade de ação concreta. Durante o debate eleitoral, Youssouf foi categórico ao apontar as falhas do sistema: 


Temos que ser francos e sinceros. Tomamos decisões em nível do Conselho de Paz e Segurança [da UA], mas essas resoluções não são implementadas […] A falta de vontade política é um grande obstáculo para a obtenção de uma paz duradoura. Nosso Conselho de Paz e Segurança não é proativo. Ele reage às crises quando elas ocorrem e acontecem. Isso tem que mudar. (WASIKE, A, 2024, tradução nossa)


Essa crítica revela um padrão histórico, em que a UA não surge como um fator de elevação da consciência das elites africanas, mas surge sempre que a África entra numa situação de tragédia, de perigo, de caos social, em que a ordem nacional perde legitimidade” (Barbosa, 2025). Desse modo, enquanto os países membros mantiverem um crescimento econômico satisfatório, não haverá uma unidade africana, e o continente provavelmente não conseguirá ter uma opção viável de autodeterminação sem buscar essa união (Barbosa, 2025).


O legado do antecessor Moussa Faki Mahamat (2017-2024) deixou avanços importantes, particularmente na promoção da igualdade de gênero. Ele também propôs diversos painéis que debateram desde direitos humanos nas prisões até a utilização de dados para progressos em direitos econômicos, sociais e culturais, além de estratégias para engajar a juventude, como o programa AUYVC. Outra frente foi a defesa e comunicação, buscando desmistificar a UA e popularizar a Agenda 2063 (União Africana. End of Term Report ). Youssouf assume agora com o compromisso de dar continuidade a grande parte dessas agendas, acrescentando ênfase na prevenção de conflitos, na geração de empregos para jovens e no aprofundamento da equidade de gênero. No entanto, aqui reside o dilema fundamental da UA: as reformas necessárias para tornar a comissão mais eficaz dependem das próprias elites africanas e das lideranças nacionais – que, até agora, demonstraram pouco interesse em ceder soberania ou recursos para fortalecer a União Africana (Barbosa, 2025). Essa contradição coloca a UA diante de um desafio em que a distância entre o potencial teórico e a prática concreta parece aumentar.


Diante desse quadro, dois cenários principais se desenham para o futuro próximo da organização. No primeiro, mais otimista, Youssouf poderia conseguir o alinhamento das elites africanas e líderes nacionais em torno de interesses comuns tangíveis, como segurança regional ou facilitação de comércio, dando à UA uma relevância prática que hoje lhe falta. No segundo cenário, mais provável dada a trajetória histórica, a organização continuaria abordando projetos ambiciosos, mas sem conseguir realizá-los plenamente, tampouco avançar na direção da integração africana que, em última análise, deveria ser seu objetivo principal (Ibidem). Neste caso, a UA permaneceria sendo acionada apenas em situações de emergência extrema, sem capacidade real para moldar proativamente o desenvolvimento africano. 


O que parece evidente é que a UA se encontra em uma em uma posição na qual suas instituições demonstram compreender os desafios e possuem técnicos capazes de formular soluções adequadas, mas faltam-lhe os mecanismos políticos para converter essas ideias em ação coletiva efetiva. Enquanto as lideranças africanas não reconhecerem a integração africana como prioridade estratégica – e não apenas como último recurso em momentos de crise -, a União Africana provavelmente continuará sendo mais uma promessa não cumprida do que a força transformadora que seu discurso oficial proclama. A realização de seu potencial dependerá, em última análise, de uma mudança fundamental na forma como os Estados membros enxergam seus próprios interesses nacionais em relação ao projeto coletivo.

 

Referências:

 

AFRICAN UNION. Mahmoud Ali Youssouf. A minha visão de um futuro brilhante para a África. 2024. Disponível em: https://au.int/en/AUC_Elections_2025_Candidates. Acesso em:: 30 mar. 2025.

 

AFRICAN UNION. AUC Chairperson Urges Bold Reforms and African-Led Solutions at Inaugural Meeting with PRC. 17 de mar. de 2025. Disponível em: https://au.int/en/pressreleases/20250317/auc-chairperson-urges-bold-reforms-and-african-led-solutions-inaugural. Acesso em 30 de mar. de 2025.


African Union Official Website. The AU Commision. Link disponível em < The AU Commission | African Union>. Último acesso em 01/04. 


Banco Africano de Desenvolvimento. África domina lista das 20 economias com o crescimento mais rápido do mundo em 2024, diz o Relatório Macroeconômico do Banco Africano de Desenvolvimento. Disponível em: https://www.afdb.org/pt/noticias-e-eventos/comunicados-de-imprensa/africa-domina-lista-das-20-economias-com-o-crescimento-mais-rapido-do-mundo-em-2024-diz-o-relatorio-macroeconomico-do-banco-africano-de-desenvolvimento-68754 . Acesso em: 29 mar. 2025.


BARBOSA, Muryatan. PRI-UFABC. Café com especialista | #2 – UNIÃO AFRICANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS. 2025 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qJ6AG0JNwlU >. Acesso em: 28 mar. 2025.


FALCÃO, Catarina. Mahamoud Ali Youssouf é o novo presidente da Comissão da União Africana após derrotar Raila Odinga. RFI, 15 de fev. de 2025. Disponível em: https://www.rfi.fr/pt/uni%C3%A3o-africana/20250215-mahamoud-ali-youssouf-%C3%A9-o-novo-presidente-da-comiss%C3%A3o-da-uni%C3%A3o-africana-ap%C3%B3s-derrota-raila-odinga. Acesso em: 30 de mar. de 2025.


União Africana. End of Term Report [PDF]. Disponível em:https://au.int/sites/default/files/documents/40232-doc-au_end_of_term_report_p.pdf. Acesso em: 29 mar. 2025.


União Africana. Assembly AU 4 (XXXVII) [PDF]. Disponível em: https://portal.africa-union.org/DVD/Documents/DOC-AU-WD/Assembly%20AU%204%20(XXXVII)%20_P.pdf .Acesso em: 29 mar. 2025.


WASIKE, A. African Union leadership race: Who will succeed Mahamat? Disponível em: <https://www.dw.com/en/who-will-succeed-african-union-head-mahamat/a-71084053 >. Acesso em: 29 mar. 2025.


Youssouf, Mahmoud Ali. Currículo de Mahmoud Ali Youssouf [PDF]. Disponível em:https://au.int/sites/default/files/pages/44299-file-Djibouti-Mahmoud_Ali_Youssouf-CV-Portugese.pdf. Acesso em: 29 mar. 2025.


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