Ano VI, nº 103, 11 de junho de 2025
Por Aline Fiedler Procópio Giove, Ana Beatriz Nascimento Bellini, e Marcela Karoliny Rodrigues Leal Porto
(Imagem: Divulgação VAT – Vida Além do Trabalho)
“O trabalho é um direito, reconhecido tanto pela própria Constituição Cidadã quanto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas o acesso ao descanso, ao lazer e à vida para além do “labore” também é. Por isso a necessidade de rever como e quanto trabalhar”.
No Brasil, a jornada de trabalho 6×1, que consiste em 6 dias da semana em exercício e apenas um dia de folga, é uma das mais comuns entre os trabalhadores e trabalhadoras assalariados do país. Essa jornada é preenchida por 44 horas semanais, sendo na maioria das vezes completada por 8 horas diárias durante 5 dias e 4 horas no sábado. E, por mais que ainda exaustiva, a determinação dessa jornada semanal de trabalho foi estabelecida pela Constituição de 1988, diante da demanda popular para a redução da mesma: 48 horas para 44 horas, que surgiu como pauta de destaque nos grandes protestos e greves que caracterizaram o fim da década dos 1970 e o começo da década dos 1980 no Brasil.
Entretanto, a classe trabalhadora brasileira, a partir dos anos 2000, se articulou e incorporou a demanda da redução da atual jornada de trabalho em 40 horas sem redução de salário, como parte da Pauta da Classe Trabalhadora apresentada aos governantes de turno com base em experimentos e observação de resultados positivos em diversos países ao redor do mundo, como a França e a Bélgica. A motivação para tal mudança se baseia, principalmente, na redução da carga horária exaustiva, além de exigências de aplicações e melhorias dos direitos humanos fundamentais, visando melhor qualidade de vida. Exemplos destes são: as concessões de folgas e férias remuneradas, maiores períodos de licença maternidade e paternidade, concessões de benefícios que permitem maior aproveitamento de acesso à cultura e lazer e propiciar, de fato, a realização de uma existência que excede o campo da produção.
Tendo em mente, nesse sentido, a certeza de que o trabalho é um direito, reconhecido tanto pela própria Constituição Cidadã quanto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas o acesso ao descanso, lazer e à vida para além do “labore” também é, por isso a necessidade de se rever como e quanto trabalhar. Como nos lembra, inclusive, a própria Declaração supramencionada a qual o Brasil é signatário, em seu 24º artigo: “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer (…)”.
Nesse aspecto, a luta pela redução da jornada 6×1 ganhou maior visibilidade nos últimos meses devido à proposta de Emenda à Constituição (PEC), inspirada nas demandas históricas do movimento sindical e no ativismo recente do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que agrupa trabalhadores precarizados principalmente do setor de comércio e serviços. Essa PEC e o feliz resultado de inspirações de movimentos trabalhistas de diversos países estrangeiros, onde características similares à da PEC são presentes e resultam em diversos benefícios, e não somente para os trabalhadores, mas também para quem os emprega, destacando, especialmente, menor número de faltas e, em contrapartida, maior produtividade desses que conciliam sua vida numa escala 4×3. Mas apesar dos ganhos econômicos e sociais nítidos implícitos na eliminação de jornadas exaustivas como a 6×1, infelizmente a PEC possui um longo caminho a percorrer nos trâmites legislativos até sua possível aprovação.
Não apenas em território nacional as questões relacionadas à jornada de trabalho são debatidas. A nível internacional, o país possui um extenso engajamento em debates sobre os direitos trabalhistas, por ser um dos membros fundadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Especificamente no que tange a questões de jornadas de trabalho, a nação brasileira já ratificou instrumentos importantes da Organização, reforçando seu compromisso em internalizar legislações tocantes a essas temáticas.
Dentre os instrumentos internalizados estão o descanso semanal mínimo na indústria (Convenção nº14), a extensão do princípio anterior para trabalhadores de comércio e escritórios (Convenção nº106), as férias remuneradas (Convenção nº132) e regulamentações do trabalho noturno (Convenção nº171). Assim, o alinhamento das práticas legislativas nacionais com os padrões internacionais na extensão da jornada se devem em parte à participação da delegação tripartite brasileira na Conferência Internacional do Trabalho, órgão deliberativo da OIT. Um exemplo recente dessa contínua participação é a presença ativa do Brasil na 113ª edição da Conferência Internacional do Trabalho, que está acontecendo atualmente, entre as datas 2-13 de Junho de 2025 na sede da OIT em Genebra.
A presença de uma delegação tripartite é um pilar da Organização, essa estrutura permite que, cada Estado-membro envie representantes oficiais compostos por dois membros do governo, um dos empregadores e um dos trabalhadores, todos com direito a voz e voto, além de assessores não votantes, às Conferências. A participação permite que o Brasil, e demais delegações, além de contribuir com as discussões, possam se atualizar sobre as melhores práticas e desafios emergentes nas relações trabalhistas.
No entanto, apesar das demonstrações do compromisso com a agenda do trabalho decente da OIT, dados da própria organização enfatizam que embora a média de horas trabalhadas no Brasil seja 39 horas semanais, 11% dos trabalhadores enfrentam jornadas de trabalho superiores a 48h semanais. A entidade enfatiza em seu relatório “Working Time and Work-Life Balance Around the World” (2022) a importância de leis e regulamentos sobre o tempo máximo de trabalho diário e os períodos de descanso legal como conquistas que contribuem para a saúde e o bem-estar a longo prazo de uma sociedade. Além disso, enfatiza políticas que promovam um equilíbrio saudável, tanto para empregadores quanto para empregados.
Refletindo as nuances entre participação ativa em lutas históricas e os dados reais do trabalho no Brasil, a delegação brasileira agora tem se destacado na atual Conferência Internacional do Trabalho em uma das agendas mais urgentes da atualidade: a criação de uma nova Convenção e Recomendação internacional para regular o trabalho em plataformas digitais. A atuação da delegação busca elaboração de uma convenção para garantir direitos mínimos, proteção social e condições dignas para trabalhadores como motoristas e entregadores de aplicativos. Esta iniciativa exemplifica o esforço contínuo e necessidade urgente de garantir trabalho decente inclusive nas novas esferas da economia digital.
A demanda da redução da escala 6×1 reflete um amadurecimento da consciência cidadã sobre os direitos trabalhistas como parte inalienável dos direitos humanos em um contexto em que se deve celebrar, também, realizações que extrapolam o sentido do trabalho – como se é conhecido historicamente.
Referências
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