O conflito na Palestina e o setor de Defesa no Brasil

30 de novembro de 2023


Por Flávio Rocha, Anna Bezerra, Aycha Sleiman, Diego Jatobá, Erika Silva, Felipe Lelli, Flávia Souza, Heloísa Domingues, Julia Lamberti, Lais Surcin, Lucas Ayarroio, Roberto Silva, Tarcízio Melo e Vinícius Bueno (Imagem: Pixabay)


Analisamos o papel crucial da indústria de defesa israelense no cenário internacional, com ênfase nas relações comerciais com o Brasil. Destacando empresas como a IAI e a Rafael Advanced Defense Systems, além disso, exploramos o notável investimento governamental em Israel, alcançando 4,5% do PIB, e o impacto das operações militares em Gaza no crescimento das exportações de armamentos israelenses.


A indústria bélica de Israel


Em newsletters anteriores foi discutido o potencial de investimento dos árabes no setor de defesa do Brasil. Diante da escalada do conflito na Palestina, vale discutir também o delicado papel da indústria israelense no setor de defesa nacional.


Israel construiu uma indústria de defesa referência no mundo, com muito investimento governamental. Duas empresas se destacam: IAI (indústria aeroespacial de Israel) e a Rafael Advanced Defense Systems. Os padrões internacionais costumam recomendar no mínimo 2% do PIB do país, mas Israel investe 4,5%. A princípio, é possível alegar a necessidade de segurança em uma região onde Israel é visto com desconfiança e hostilidade por muitos vizinhos. O portfólio de produtos israelenses ligados a defesa é vasto, e o Brasil é  cliente regular de diversos produtos militares e de segurança produzidos por grupos israelenses. Um exemplo foi exposto esse ano, quando escândalos de espionagem envolvendo a ABIN e o governo Bolsonaro mostraram a extensão da penetração comercial israelense em setores de inteligência e da segurança pública, em nível federal e estadual. Ganhou destaque o software espião Pegasus.


Na prática, as questões políticas com Israel afetam diretamente os negócios brasileiros.  O fluxo de negócios com o Brasil chegou a 4 bilhões em 2022, mais que o dobro de 2021, e envolve outros setores que não os de inteligência e defesa. Merecem destaque como fonte de investimentos dos capitais israelenses, bem como a venda de produtos, os setores farmacêutico, agrário e de água e saneamento. 


Cooperação militar entre Brasil e Israel


O Estado de Israel é um dos países do mundo com maior orçamento militar, segundo matéria publicada no portal da CNN Brasil, o país é o 14º que mais investe em arsenal militar, atingindo em 2022 o valor equivalente à 4,5% de seu PIB, que é de US$ 522 bilhões. Sua indústria bélica é pujante e grande exportadora de armamentos, sendo que em 2022, arrecadou mais de US$ 12,5 bilhões, superando o recorde de US$ 11,4 bilhões referente à 2021, negócio impulsionado, de acordo com alguns especialistas, pelo uso de ataques e políticas de genocídio da população palestina – ações militares em Gaza, como a atual, tornariam o território ocupado como um “laboratório” de testes das armas israelenses.


O Brasil é um dos principais clientes regulares dos produtos tecnológico-militares israelenses. Em 25 de março de 2022, foi celebrado um acordo de cooperação entre a empresa israelense Cysource e o Exército Brasileiro, “com o objetivo de capacitar militares de defesa cibernética, incluindo treinamentos de simulação de ataques para prevenção e mitigação de riscos e monitoramento de ameaças”. Poucos dias depois, em 29 de março de 2022, o Senado brasileiro aprovou texto do acordo entre Brasil e Israel sobre cooperação em questões relacionadas à defesa, assinado em Jerusalém, em 31 de março de 2019. Conforme a Agência Senado, o “o acordo terá ênfase no intercâmbio de tecnologias, treinamento e educação em questões militares. O tratado ainda prioriza a colaboração em sistemas e produtos de defesa, além de disciplinar eventuais transferências a outros países. Busca também promover cooperação na aquisição, pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e mobilização, assim como a troca de conhecimentos e experiências nas áreas operacional, científica e tecnológica.”


A parceria militar entre Brasil e Israel é mais antiga, pois em 2003 as forças armadas brasileiras, abriram um escritório em Tel Aviv, havendo uma busca mútua pela ampliação desse tipo de relacionamento.


Com o agravamento do conflito israelense-palestino e os ataques violentos promovidos contra a população civil em Gaza Estado de Israel – cujas críticas tem oscilado entre chamar a operação de Limpeza Étnica ou pura e simplesmente de Genocídio –  surgem vozes dissonantes que pedem a revogação dos acordos da cooperação militar entre Brasil e Israel. Porém, devido a relevância dos interesses econômicos que envolvem uma rede intrincada de atores nos campos empresarial, político e militar nos dois países, esse cenário de cooperação muito provavelmente não será alterado.


Encontro entre o embaixador de Israel e Jair de Bolsonaro


Ainda no contexto da Guerra entre Israel e Hamas – além das incursões de Tel Aviv contra os palestinos da Cisjordânia, Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, organizou, no início de novembro, uma reunião que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro e parlamentares bolsonaristas no Congresso NacionalSegundo o embaixador, a reunião tinha como objetivo mostrar os acontecimentos do dia 7 de outubro ao povo brasileiro e o encontro com Bolsonaro teria sido ocasional e não agendado. A reunião causou mal-estar em Brasília, pois a ação de Zonshine é completamente excepcional e pode ser classificada como a intervenção do representante de uma nação estrangeira nos negócios internos brasileiros. Apesar disso, até o presente momento o governo Lula não tomou nenhuma atitude pública de reprimenda contra o embaixador.


Acordos com os Sauditas


Como resultado da visita do presidente Lula à Arábia Saudita, o governo Saudita e a Embraer firmaram acordos estratégicos de cooperação em diversos setores, como aviação civil, mobilidade urbana, defesa e segurança. No setor de defesa e segurança, a Embraer e a SAMI, uma empresa do Fundo de Investimento Público, formalizaram um Memorando de Entendimento para colaboração nas indústrias aeroespaciais. Este acordo tem como objetivo ampliar as operações das duas empresas no país, com ênfase na promoção das capacidades da aeronave C-390 Millennium e no fornecimento de suporte ao Ministério da Defesa da Arábia Saudita. Além disso, a parceria inclui a criação de uma capacidade abrangente de manutenção para as aeronaves da Embraer, fortalecendo ainda mais a presença e a colaboração dessas empresas na região.


As empresas também planejam estabelecer um Centro Regional de Manutenção, Reparo e Revisão (MRO) e uma linha de montagem final para a aeronave Embraer C-390. Além disso, a parceria abrangerá a integração de sistemas de missão e participação em programas de formação. Essas ações criarão oportunidades no setor aeroespacial para ambas as empresas em toda a região. O acordo está alinhado com os esforços da SAMI para capacitar talentos locais, contribuindo para a realização dos objetivos da Visão Saudita 2030 de fortalecer a presença do setor de defesa no país. Para a Embraer a parceria significa avanços em um mercado estratégico. 


O governo saudita também está considerando investir US$9 bilhões no Brasil até 2030, com ênfase no Novo PAC. Antes da guerra na Ucrânia, a Arábia Saudita já era o maior importador de armas e material de defesa do mundo. Os acordos têm o potencial de aumentar as exportações do Brasil para o país e a intenção é mais que dobrar o comércio bilateral. Apesar dos evidentes ganhos econômicos, durante a visita do presidente Lula à Arábia Saudita, a missão recebeu críticas devido a mensagens contraditórias sobre o compromisso do Brasil com direitos humanos e questões climáticas.


Liberação da exportação de Guarani pela Alemanha


Após a Alemanha retirar o veto à venda, o Brasil envia blindados Guarani para as Filipinas. Os alemães haviam embargado a transação devido a preocupações com a política de direitos humanos nas Filipinas. Entretanto, o veto à venda de blindados Guarani para as Filipinas está vinculado à recusa do Brasil em fornecer munição de tanques de defesa antiaérea à Alemanha para repasse à Ucrânia, de acordo com informações da CNN. Esta operação representa a primeira venda dos blindados Guarani após o término das negociações sem sucesso com a Argentina e a Ucrânia.


As cinco primeiras viaturas blindadas 6X6 Guarani APC foram enviadas para o Exército das Filipinas no início de novembro pelo Porto de Santos (SP). Essas fazem parte de um contrato inicial que compreende 28 veículos. A entrega de todas as viaturas contratadas está agendada para o segundo semestre do próximo ano. Após a resolução do impasse com a Alemanha, o governo filipino está negociando um novo lote de blindados Guarani. A intenção é comprar um total de 114 unidades, em diferentes configurações, distribuídas em três lotes.


Guiana vs Venezuela 


O governo Venezuelando realizou um simulado de referendo acerca da anexação da região de Essequibo, território que representa 70% da massa de terra de seu vizinho, a Guiana. 

A região é historicamente reivindicada pelos venezuelanos, mas essa ‘consulta’ é vista como forma do governo Maduro mobilizar a população em torno de uma causa para a obtenção de apoio interno ao próprio governo. Há notícias informando a movimentação de tropas venezuelanas para a região em disputa. O fato é que perfis oficiais das forças armadas venezuelanas publicaram vídeos em apoio à reivindicação territorial


Qualquer chance da região ser de fato anexada pela manu militari é, até o momento,  improvável. Apesar do ostensivo rearmamento realizado durante os governos Chaves (tendo como principal parceiro a Rússia), e as recentes compras vindas de China e Irã, é,e conhecimento público que, devido à profunda crise econômica aliada ao fato da própria Rússia estar em guerra, as forças armadas venezuelanas não dispõe de meios modernos em quantidade e condições para desencorajar uma potencial intervenção norte-americana no conflito caso Caracas opte por algum tipo de ação militar. 


Evidentemente, tais movimentos preocupam o Brasil, EUA ,e evidentemente, a Guiana

Há informações de contatos de militares brasileiros com suas contrapartes venezuelanas. Veremos se o conflito escala ou se eventuais negociações dissipam as tensões.      


Hezbollah no Brasil?


A Policial Federal, em colaboração com o Mossad, efetuou a OperaçãoTrapiche. O  objetivo seria impedir a articulação de atos terroristas e o recrutamento de brasileiros para apoiar o Hezbollah. Até 09/11, quinze pessoas eram alvos de investigação e até o dia 29/11 três foram presas.


O caso que mais repercutiu foi do músico Michel Messias, que após mudar o depoimento dado primariamente à PF, afirmou que, em uma viagem ao Líbano, foi chamado pelo sírio-brasileiro Mohamad Khir Abdulmajid para matar pessoas e que, em troca receberia U$ 100 mil (R$ 500 mil). Messias diz que negou todas as propostas, mas foi preso no início de novembro por suspeita de ligação com o Hezbollah. 


Também houve duas prisões feitas em São Paulo, uma delas no Aeroporto de Guarulhos.O passageiro voltava de uma viagem à Beirute com 5 mil dólares. Segundo a CNN, a polícia acredita que ele queria repassar informações  que resultariam em ataques à instituições judaicas, como sinagogas e centros de reunião. Após as prisões, o Mossad lançou uma nota de agradecimento à PF por “impedir um ataque terrorista do Hezbollah com financiamento do Irã”.


O fato é que a operação terminou repercutindo mal em território brasileiro. Houve a suspeita de que o Mossad estaria dirigindo as ações da Polícia Federal, o que levou o próprio Ministro da Justiça, Flávio Dino, a declarar que a PF não estava agindo sob o comando de nehuma nação estrangeira. Também deve-se levar em consideração que essa não é a primeira vez que acusações envolvendo comunidades árabes no Brasil, especialmente na região da Tríplice Fronteira, vem à tona e são veiculadas pelos governos dos EUA e de Israel. Em comum, há o fato de que sempre são feitas quando os interesses dos dois países, e em especial em momentos de crise aguda, estão em jogo.

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