Itamaraty sob Bolsonaro se torna caudatário de correntes ultraconservadoras no cenário internacional e pode jogar por terra décadas de conquistas civilizatórias no âmbito dos Direitos Humanos.
Apoio à educação moral-religiosa na OEA
No dia 20 de outubro, o país apoiou, juntamente com Chile e Estados Unidos, proposta da Bolívia – governada ainda por Jeanine Añez – apresentada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que autorizaria a pais e familiares a imposição da educação moral-religiosa aos seus filhos e protegidos. Esta pauta foi respaldada, especialmente, pela chamada Aliança Internacional para Liberdade Religiosa, coalizão lançada em 2019 em prol de todas as religiões, mas veiculada principalmente por grupos religiosos católicos e evangélicos.
O tom do texto inicialmente abria espaço para a adoção do ensino domiciliar – que porventura impediria o acesso de crianças a temas científicos, como a teoria da evolução – foi amenizado após grandes críticas vindas de outros países do bloco, como Argentina, Canadá e México. O apoio a tal proposta é consentâneo com a defesa cristã do governo Bolsonaro, contida em seu discurso realizado na Assembleia Geral da ONU em setembro.
Alinhamento contra o direito ao aborto na ONU
Em seguida, alinhando-se ao trumpismo – e a Estados governados por conservadores como Egito, Hungria, Uganda e Indonésia -, o Brasil agora é adepto a uma declaração política anti-aborto. Esta, nomeada “Declaração de Consenso de Genebra”, foi apresentada à ONU no dia 22 de outubro pelo secretário de saúde estadunidense Alex Azar e pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, como documento basilar para a retomada dos valores familiares tradicionais. Em um texto extremamente heteronormativo, foi ressaltado que “uma parceria harmoniosa entre homem e mulher é fundamental para o seu bem-estar e o de suas famílias”. Por meio de um vídeo pré-gravado os ministros Ernesto Araújo e Damares Alves se mostraram contemplados pela declaração.
Esses dois acontecimentos na OEA e na ONU, ocorridos sob justificativas de liberdade de expressão e proteção ao direito à vida, revelam o que há de mais sórdido na atual política externa brasileira: a tentativa de silenciamento da ciência e a desconstrução dos avanços dos últimos anos em defesa aos corpos femininos e a pluralização dos “tipos de famílias” dos lares brasileiros. É importante lembrar que as resoluções da OEA e da ONU não são vinculantes e os países do bloco não são obrigados a seguirem as orientações, mas é evidente a tentativa de disrupção que tais apoios planejam causar em assuntos até então consensuais no sistema internacional.
Dentro desse mesmo contexto, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, sugeriu que o Brasil deveria mudar a sua Constituição, seguindo o exemplo do Chile, mas com uma ideia deturpada e estapafúrdia. Ele afirma que a palavra “direito” se encontra em grande quantidade no texto constitucional e deixa o país “ingovernável”, dessa forma acompanhando o alinhamento externo com países extremistas do Oriente Médio no âmbito interno. As reações contrárias à sugestão fora de lugar do líder bolsonarista foram contundentes e vieram de juristas e parlamentares de todos os partidos, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Paulo Abrão, ex-Secretário da CIDH: governos populistas levam ao fascismo
Em um entrevista para o jornal El País (20.10.20), Paulo Abrão, ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual foi destituído unilateralmente pelo Secretário Geral da OEA, Luiz Almagro, alerta que a democracia está sendo alvo constante dos governos com pautas populistas nacionalistas, que pendem para o autoritarismo, levando inegavelmente ao fascismo. Nesse cenário, se torna clara a relação entre a posição desses governos e a crise na CIDH e como ela corrobora a intensificação desses ataques, visto que a fiscalização de tais situações autoritárias é majoritariamente trabalho da comissão. Há uma tendência à intensificação do fundamento religioso no plano internacional em detrimento dos direitos humanos básicos levando a um retrocesso inegável e maior disseminação de discursos de ódio.