08 de maio de 2021
Por Bruno Castro Dias da Fonseca, Leonardo Poletto Di Giovanni, Mariana Pessoa de Freitas, Renata Nogueira Alencar, Thais Felix Padela (1)
É possível constatar que o discurso da constante necessidade de reformas para trazer de volta os investimentos ao Brasil é falsa. O país não deixou de ser grande um destino de investimento direto nos últimos anos e os leilões das últimas semanas ilustram bem isso. A desvalorização do real e a quantidade adicional de liquidez no sistema financeiro internacional contribuem para o interesse na aquisição de ativos, participação de leilões e concessões e investimentos do capital externo.
Nos últimos anos tem vigorado no noticiário econômico o discurso de que o Brasil não é, ou teria deixado de ser, atraente para os capitais externos e que, portanto, seriam necessárias reformas para atrair esses investimentos. No levantamento da consultoria americana Kearney sobre os países mais confiáveis para realizar Investimentos Estrangeiros Diretos do ano passado, o Brasil alcançou a 22ª posição no ranking global e retornou à lista dos 25 países com maior potencial de atrair investimentos nos próximos três anos, sendo o único país latino-americano a integrá-la. Mais recentemente, em 2021, o Brasil perdeu duas posições, ficando em 24º lugar dos principais destinos de investimentos estrangeiros. Em 2015, chegou a ocupar a 6ª posição.
Por outro lado, segundo os dados do Banco Central sobre Investimento Direto no Brasil, o país atingiu em 2019 US$ 874,0 bilhões, US$ 136,1 bilhões a mais do que no ano anterior. Com os dados a seguir, podemos ter um panorama dos Investimentos Externos Diretos no país:
Tabela 1 – Posição total de Investimento Direto no País (US$ bilhões)
2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 |
682,3 | 695,5 | 731,2 | 724,8 | 725,9 | 568,2 | 703,3 | 767,8 | 737,9 | 874,0 |
Fonte: Relatório de Investimento Direto – 2020 – Banco Central do Brasil
O Ministério da Infraestrutura, desde 2019, tem se comprometido com um programa de concessões que já leiloou 41 ativos, garantindo R$ 44 bilhões em investimentos para o Brasil no setor. O calendário de leilões para 2021 é extenso e estão previstas as concessões de mais de 50 empreendimentos, visando alcançar mais R$ 140 bilhões para sua ampliação. A expectativa é chegar até o final do mandato de Bolsonaro com a contratação de R$ 250 bilhões em infraestrutura, estimulando a economia e gerando novos empregos.
Diferentemente de privatizações, que consistem em processos jurídicos em que uma pessoa física ou jurídica toma propriedade de um bem público por um tempo indeterminado, nas concessões há a transferência do ativo para a iniciativa privada, em tese condicionada a prazos renováveis ou não, bem como regras específicas para utilizar o serviço. Neste caso, a União deve fiscalizar as ações daquele que assume o serviço.
O governo realizou a chamada Infra Week entre 7 e 9 de abril de 2021, na Bolsa em São Paulo, leiloando a concessão de 28 empreendimentos, dentre os quais cinco terminais portuários, 22 aeroportos e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) por 35 anos, visando arrecadar R$ 10 bilhões em investimentos para o setor de infraestrutura. A Semana da Infraestrutura foi vista como bem-sucedida, pois atingiu sua meta de investimentos prevista. Tendo em vista que o leilão se situa no contexto monetário em que há uma liquidez adicional circulando no mercado internacional por conta das emissões do Federal Reserve Board (FED) para conter a crise do coronavírus, bem como uma significativa desvalorização do real, os condicionantes monetários internacionais podem ter contribuído para o êxito da Infra Week, na medida em que os ativos brasileiros se apresentaram desvalorizados frente ao arrematante internacional.
Nas seções seguintes, serão analisados os arrematantes internacionais. Para tanto, serão observados o histórico e a atuação das três empresas as quais destacaram-se como principais arrematantes nos leilões da Infra Week, a saber, a FIOL, a Vince e a CCR, para então apresentar os próximos leilões de infraestrutura propostos pelo governo e subsidiar especulações a respeito.
Caso Cazaquistão (minérios de ferro)
Durante a Infra Week o Ministério da Infraestrutura leiloou o primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) que conta com 1527 quilômetros de extensão em sua totalidade, o que inclui seus três trechos. O arremate foi dado pela BAMIN no valor inicial proposto pelo MI de R$ 32.7 milhões, uma vez que não houve outros investidores interessados no ativo. Além da outorga mínima, a BAMIN terá de pagar trimestralmente ao governo outorgas variáveis equivalentes a 3,43% da ROB da ferrovia.
A Bahia Mineração (BAMIN) adquirida em sua totalidade pela mineradora cazaquistanesa Eurasian Resource Group (ERG) em 2010, iniciou suas atividades em 2005 com dois principais projetos cujo objetivo era exportar a produção de minério de ferro brasileiro para o mercado internacional.
A participação da BAMIN no leilão foi muito previsível pelo interesse que a empresa mostrou nos últimos anos em controlar a infraestrutura logística para facilitar o escoamento dos minérios através da parceria pública. A malha ferroviária da FIOL conecta-se ao complexo portuário do Porto Sul de Ilhéus, comandado pela mineradora com o auxílio do governo do estado da Bahia, que começou a ser construído em 2020.
O leilão dos primeiros 573 quilômetros da FIOL acarreta uma grande expectativa quanto à possibilidade de leilões futuros dos outros dois trechos. O segundo trecho da ferrovia, a FIOL 2 já está em execução, enquanto a FIOL 3 aguarda a licitação do IBAMA para dar início às obras.
Caso franceses na Amazônia
A VINCI Airports é uma empresa multinacional francesa que chegou ao Brasil ao adquirir, em março de 2017, a concessão do aeroporto de Salvador, Bahia, com compromisso de investir R$ 2,35 bilhões no terminal. Agora houve a segunda ação do grupo VINCI no país, com a conquista da concessão de 30 anos dos sete aeroportos da região Norte do Brasil, inclusive o de Manaus, por R$ 420 milhões. A campanha Green Capex (investimento verde) é a materialização das promessas de investimento trazidas como justificativa dos benefícios dos leilões. Tal campanha continua forte e é traçada sob valores como diversidade, respeito ao meio ambiente, inovação e segurança. Com tal abertura e discurso, a VINCI prosperou mais uma vez no território brasileiro.
A reportagem da CNN constatou que, a princípio, as intenções atuais da companhia são permanecer na Região Norte e trabalhar em tais terminais. Entretanto, Nicolas Notebaert, CEO da VINCI Concessions e presidente da VINCI Airports, afirmou que a empresa não descartou ofertas dos próximos leilões direcionados a outras regiões, como São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda assim, o que se pode entender pelas circunstâncias atuais é o interesse maior no já conquistado aeroporto de Manaus, este que se situa numa posição estratégica em relação à Guiana Francesa e que favorece as exportações.
Grupo CCR, nacional, mas nem tanto
O Grupo CCR – antiga Companhia de Concessões Rodoviárias – consiste numa organização empresarial voltada à aquisição de concessões de infraestrutura responsável pela administração ativos de infraestrutura tanto no Brasil quanto no exterior, possuindo concessões de aeroportos na América Latina e Caribe, além de operações aeroportuárias nos Estados Unidos da América. No Brasil, o grupo detém concessões de estações de metrô, barcas, trilhos e rodovias.
Segundo o relatório anual de desempenho da companhia, a empresa, listada na B3, é controlada pela holding CCR SA, também brasileira. Seu controle acionário é dividido em 15% para o Grupo Soares Pinto, 14,9% para o Grupo Andrade Gutierrez e 14,9% para o o grupo Mover. Os outros 55,2% são negociados na bolsa de valores e aí aparece o apetite dos detentores de capitais internacionais: 86% das ações negociadas na bolsa de valores estão na mão de estrangeiros. Isso corresponde a cerca 47,5% do capital social da empresa. O que significa que os dividendos fluem para o exterior.
Nos leilões que ocorreram entre os dias 7 e 9 de abril, o grupo CCR se destacou, adquirindo tanto o Bloco Sul quanto o Central, ambos aeroportuários. Na disputa pelo Bloco Sul, o mais cobiçado, com 9 terminais, a empresa venceu, com a oferta de 2,88 bilhões de reais, a Aena e o grupo Infraestrutura Brasil. Na concorrência pelo Central, por sua vez, a empresa ofertou R$ 758 milhões e superou a proposta do consórcio Central Airports, composto pelo Socicam Infraestrutura e o fundo de investimento XP Infra III.
Com tradicional participação no mercado de concessões de infraestrutura no Brasil, a empresa continua monitorando e participando dos leilões realizados e prometidos pelo governo de Bolsonaro.
Considerações finais
Desde a Infra Week, mais dois leilões foram realizados e tiveram participação de empresas estrangeiras. No dia 30 de abril, foi realizada a privatização parcial da CEDAE (Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro) e a concessão dos serviços de fornecimento e tratamento de água para a capital do Estado e parte da região metropolitana. Os grupos vencedores foram a Aegea – que tem participação do fundo soberano de Cingapura – e o grupo Iguá, do fundo canadense CPPIB. O leilão teve a presença do presidente da República e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Também neste dia ocorreu o leilão da rodovia BR-153, entre o Tocantins e Goiás, vencido com outorga de R$ 320 mi por um consórcio entre a Ecorodovias (controlada pelo grupo Gavio da Itália) e a GLP.
Para 2021 o MInfra ainda pretende realizar pelo menos mais 22 leilões, com a promessa de R$ 84 bilhões de investimentos durante o período das concessões. Dentre estes projetos estão algumas rodovias, como a BR-381 (MG/ES), a Dutra (SP/RJ) e as Rodovias Integradas do Paraná. No setor aeroportuário, o objetivo do governo é a venda da participação da Infraero nos aeroportos de Guarulhos (SP), Brasília (DF), Galeão (RJ) e Confins (MG). A ferrovia Ferrogrão, que liga Sinop (MT) ao porto de Miritituba no Pará, também está com processo de concessão avançado. A Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa) também está na mira do governo, que a enquadrou no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) e pretende privatizá-la ainda em 2021.
Uma constante nos últimos leilões realizados pelo governo federal foi a falta de um plano claro e transparente dos investimentos a serem realizados, os seus prazos e os empregos a serem gerados. Através dos seus órgãos de comunicação, governo, presidente e ministros têm falado muito sobre o montante total de investimentos decorrentes dos leilões, que podem somar R$ 250 bilhões, sem muitas menções ao fato de que esse investimento é o contratado e deve se realizar ao longo da duração das concessões, que podem chegar a 35 anos.
Pelos dados apresentados pode-se constatar que o discurso da constante necessidade de reformas (agora a administrativa e tributária) para trazer de volta os investimentos ao Brasil é falsa. O Brasil não deixou de ser grande um destino de IED nos últimos anos e os leilões da Infra Week ilustram bem isso. Onde há oportunidade de investimentos lucrativos, as empresas multinacionais vão investir. A desvalorização do real e a quantidade adicional de liquidez no sistema financeiro internacional contribuem para o interesse na aquisição de ativos, participação de leilões e concessões e investimentos do capital externo no Brasil. Além disso, a retomada das atividades econômicas junto com os planos de investimento público massivo dos EUA e UE tendem a fazer as empresas destes países procurarem investir em outros países também.
Os leilões de concessões podem ser usados de forma estratégica para a ampliação da infraestrutura e geração de empregos no Brasil. O objetivo maior de projetos deste tipo não é o valor de outorga em si, embora isso também seja importante, mas principalmente as contrapartidas do projeto, quais os investimentos e os empregos a serem gerados de forma clara e detalhada.