29 de maio de 2021
Por GT de Meio Ambiente
A investigação sobre o ministro e demais envolvidos já estampa as páginas dos principais jornais do mundo, como o Le Monde francês, o Guardian britânico e o Wall Street Journal, dos EUA. Assim, é inevitável que haja um impacto negativo sobre os esforços do Itamaraty para melhorar a imagem do Brasil.
Pouco mais de trinta dias após o presidente o Brasil se apresentar na Cúpula do Clima, realizada em abril e liderada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e pelo enviado especial para o clima, John Kerry, eis que no plano doméstico os diversos exemplos de uso não sustentável dos recursos naturais, quando não criminoso, demonstram que o discurso ambiental do governo brasileiro está recheado de retórica vazia.
Enquanto o presidente Biden assume uma posição de liderança nas discussões ambientais – particularmente em relação às questões climáticas -, e adota um discurso enfático em favor do uso sustentável dos recursos naturais, as posições e práticas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Ricardo Salles apontam para uma subordinação da agenda ambiental a interesses econômicos que implicam no desmatamento da Amazônia e na não proteção das populações indígenas e tradicionais locais. Trata-se de mais um golpe na já solapada credibilidade internacional do Brasil.
Ações e não palavras
Ainda durante a cúpula presidencial do clima, os EUA já haviam expressado que apesar do discurso de Bolsonaro ter sido bem-vindo, o que a comunidade internacional esperava do Brasil eram ações concretas contra o desmatamento e não somente palavras.
Na contramão das expectativas internacionais, porém, dez dias após Bolsonaro discursar, em 3 de maio, o ministro Ricardo Salles dava explicações à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados a respeito dos cortes no orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que, em 2021, teve redução de 50% em comparação a anos anteriores.
Salles admitiu que os cortes fragilizam as operações de fiscalização da pasta, mas argumentou, falsamente quando, confrontado com dados indicando que de agosto de 2019 a julho de 2020 o desmatamento na Amazônia aumentou 10% comparado ao mesmo período de 2018 a 2019, afirmou que que são as populações locais as maiores responsáveis pelo desmatamento na região – o que foi contestado por diversos parlamentares presentes à oitiva, e é negado por dados de imagens de satélite que analisam a localização e extensão das áreas desmatadas.
Ademais, o ministro Ricardo Salles foi alvo da operação Akuanduba da Polícia Federal por indícios de vínculo com um esquema de exportação ilegal de madeira. Nessa investigação, foi inclusive autorizada pelo ministro do STF, Alexandre de Morais, a busca e apreensão nas suas residências e escritórios, além da quebra de seus sigilos bancário e telefônico. Mais dez pessoas indicadas por Morais foram afastadas preventivamente de seus cargos, por 90 dias, incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim – o primeiro presidente da instituição a ser afastado em toda história do órgão. Ao todo, Salles e mais 23 pessoas são acusadas de fazerem parte de um esquema de corrupção por meio de advocacia administrativa, isto é, de favorecerem interesses particulares junto a instâncias públicas.
Lobby madeireiro
Na prática, dezenove dias após se reunirem com o lobby madeireiro, Salles e seus asseclas revogaram legislações e normas existentes que exigiam licença para exportação de madeira nativa. No lugar, o MMA, passou a aceitar o comércio de madeira a partir de apresentação de um Documento de Origem Florestal (DOF), com o objetivo de favorecer empresas exportadoras de madeira. A medida do Ministro Salles teve ainda o capricho de ser de caráter retroativo, isto é, visou legalizar exportações de anos anteriores que podem ser consideradas ilegais. Ironicamente, o esquema foi descoberto em janeiro a partir de uma apreensão realizada no porto de Savannah, nos Estados Unidos, por autoridades daquele país, e repassado à Polícia Federal brasileira.
Segundo o Observatório do Clima, há ainda outras medidas implementadas na gestão de Salles que estão sob escrutínio da PF , sobretudo em torno do favorecimento àqueles que praticam crimes ambientais desde que o Ministro instalou a prática da conciliação ambiental, reduzindo ainda mais a já frágil aplicação de multas pelo IBAMA, uma vez que menos de 2% das autuações nos últimos dois anos tiveram origem em decisões de conciliação. Desde outubro de 2019, quando se instituiu a conciliação, o IBAMA aplicou quase 15 mil autos de infração e, no entanto, foram realizadas apenas 5 audiências em todo ano de 2020 e 247 entre janeiro e abril de 2021.
O julgamento de multas na gestão Salles também caiu drasticamente, tendo sido julgados 5.522 processos em 2020 ante mais de 20 mil em 2018 e 2019. Ao mesmo tempo, o desmatamento da Amazônia bate recordes históricos para o atual período chuvoso, sinalizando a possibilidade de um aumento ainda maior quando as secas chegarem, no segundo semestre de 2021.
A investigação sobre Salles e demais envolvidos já estampa as páginas dos principais jornais do mundo, como o Le Monde francês, o Guardian britânico e o Wall Street Journal, dos EUA. Assim, é inevitável que haja um impacto negativo sobre os esforços do Itamaraty para melhorar a imagem do Brasil a partir da gestão do chanceler França. A política brasileira para o meio-ambiente e clima será questionada uma vez mais nos fóruns multilaterais em que o país atua, e a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, que já era vista com suspeitas em função do aumento na emissão de gases de efeito estufa, oriundos do desmatamento, , torna-se a cada novo episódio de devastação uma peça de ficção na qual nem nossos mais próximos aliados poderão confiar.
Esperar que a comunidade internacional financie este governo com somas vultuosas para preservação ambiental e combate à mudança do clima se confirma, assim, como mais uma miragem no deserto brasileiro de Jair Bolsonaro.