01 de dezembro de 2021
Por José Luís de Freitas e Vitor Gabriel da Silva (Foto: BeefPoint)
Contextualização do veto chinês e cenário interno no Brasil
A China suspendeu as importações da carne bovina brasileira no dia 4 de setembro, após a confirmação de dois casos atípicos de “mal da vaca louca” (Encefalopatia Espongiforme Bovina) – enfermidade degenerativa que atinge o sistema nervoso central dos bovinos e bubalinos e é transmissível ao homem. Os dois casos foram confirmados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e foram detectados em frigoríficos distintos, um caso no Mato Grosso e o outro em Minas Gerais. Ainda segundo o MAPA, a suspensão temporária ocorreu em cumprimento aos protocolos sanitários firmados entre Pequim e Brasília para o comércio de carne bovina, e já perdura há dois meses, sem previsão de retomada das exportações brasileiras à China.
O veto chinês mais longo à carne bovina que o Brasil já enfrentou foi em 2010 e durou cerca de dois anos de duração, devido, igualmente, a um caso atípico de “mal da vaca louca” no Paraná. Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), há cerca de 110 mil toneladas de carne retidas em portos chineses, com a certificação sanitária anterior, estando pendentes de liberação das autoridades chinesas, que mantém o veto mesmo após a confirmação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) que as ocorrências não representam um risco para a cadeia de produção bovina e tratam-se de casos que aconteceram de forma independente e isolada, por isso não representam “risco à saúde humana”.
A indústria pecuária é fortemente afetada com esse embargo, já que o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com 2,2 milhões de toneladas exportadas em 2020, responsável por cerca de 14,4% do mercado internacional, e a China é a principal compradora, representando cerca de 60% das exportações brasileiras de carne bovina congelada no primeiro semestre de 2021, segundo dados do Ministério da Economia (ME). Pode-se observar que as exportações em outubro de 2021 caíram 56%, em toneladas líquidas, se comparado ao mesmo período no ano passado, ainda considerando somente os produtos congelados, totalizando cerca de 146 mil toneladas em outubro de 2020, das quais 58% foram destinados à China, contra 63,5 mil toneladas em outubro de 2021, com 13% exportados ao país asiático, ainda segundo o ME.
Embora alguns analistas tenham aventado a hipótese de que as tensões nas relações Brasil-China durante o governo Bolsonaro possam ser apontadas como motivação para o embargo à carne brasileira, na realidade, nos últimos anos, a China demonstrou uma sensibilidade maior para as questões de segurança alimentar, principalmente de produtos importados, adotando uma política cautelosa para questões sanitárias, não só com o Brasil, mas com outros países ao redor do globo, como por exemplo a Irlanda e o Reino Unido também com carne bovina. Mas para além das questões técnicas e sanitárias, segundo Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, o governo chinês está reduzindo o seu consumo para induzir uma queda no preço da carne, devido ao seu alto preço no mercado internacional.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que a suspensão deve resultar na perda de 1,8 bilhão de dólares, caso perdure até o final do ano, já que não há previsão de acabar com este embargo. A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, se disponibilizou a ir pessoalmente a Pequim para uma reunião técnica com as autoridades locais para resolução da situação, todavia foi sinalizado que não seria necessário, mas o MAPA, junto às autoridades chinesas, segue trabalhando para a retomada das exportações.
E o preço no Brasil ?
Em novembro, completam-se dois meses de embargo e as perdas econômicas do setor devem ultrapassar US$ 1 bilhão ainda em novembro. O bloqueio chinês já desvalorizou o preço da arroba do boi gordo em cerca de 11,8% em outubro, é a primeira vez que isso ocorre nos últimos 16 meses de acordo com os dados mensurados pelo IPCA-15 que faz uma prévia da inflação oficial do Brasil. Caso a suspensão prossiga até dezembro o prejuízo adicional será de US$ 800 milhões, informou a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). No acumulado de 2021, as exportações brasileiras atingiram 1,610 milhão de toneladas, uma redução de 2,4% comparado ao ano anterior (1,650 milhão de toneladas). Entretanto, com o aumento da demanda internacional por proteína animal, também houve crescimento da receita em 16% atingindo a marca de US$ 8 bilhões.
Caso a suspensão chinesa se mantenha por mais tempo, a tendência é que os frigoríficos comecem a colocar mais carne no mercado interno, forçando a retração dos preços para os consumidores no varejo e açougues. Quando o valor sobe, o preço nas prateleiras é quase instantâneo, porém quando a demanda internacional cai, especialmente a do nosso maior comprador, os efeitos no bolso dos consumidores brasileiros podem demorar até 8 semanas que é o tempo médio para girar estoques antigos e distribuidores conseguirem realizar ajustes logísticos e contratuais para novos pedidos.
Texto publicado originalmente na Carta Capital em 23 de novembro de 2021.