14 de dezembro de 2021
Por Filipe Porto (Foto: Zhang Kaiyv/ Unsplash)
Enquanto os Estados Unidos enquadram o desenvolvimento tecnológico da China como ameaça, a Apple aprofunda cooperação com governo comunista.
Pela primeira vez em seis anos, o iPhone tornou-se o aparelho mais vendido na China, segundo maior mercado da empresa depois dos Estados Unidos. Muito desse sucesso pode ser atribuído às negociações do CEO da Apple, Tim Cook, que em 2016 assinou secretamente um acordo com oficiais do Partido Comunista da China, de acordo com documentos internos da empresa revelados nesta semana pelo portal The Information.
Naquela época, a Apple encontrava-se em um cenário desfavorável na China, onde era considerada uma empresa que não contribui suficientemente para o desenvolvimento econômico do país. O governo chegou a promover o bloqueio a diversos serviços e aplicativos da empresa, o que diminuiu a atratividade e as vendas dos seus produtos no país. Durante o primeiro trimestre de 2016, as receitas da empresa na China caíram em 26% comparadas ao ano anterior.
Foi nesse cenário que Apple e autoridades chinesas fecharam o tal acordo. A partir daí, a empresa comprometeu-se a fazer mais investimentos no país e contribuir para o desenvolvimento local. O memorando aponta para iniciativas de cooperação com fornecedores locais, intercâmbio de técnicas de produção e aumento da participação chinesa no fornecimento dos componentes necessários para a fabricação dos produtos da Apple. Projetos como expansão de centros de pesquisa, lojas e de desenvolvimento de energias renováveis também estiveram em pauta no acordo estimado em cerca de US$ 275 bilhões.
Apesar de amplamente questionados no cenário internacional, acordos entre o governo chinês e grandes multinacionais como a Apple acontecem com frequência, fomentando a cooperação e promovendo ganhos satisfatórios para as partes envolvidas. Na medida em que a Apple coopera com os interesses da China, também avança sua capacidade competitiva em relação a outras empresas estrangeiras que atuam em solo chinês. Atender a cartilha de demandas do governo chinês de forma adequada, portanto, promove uma boa imagem à Apple.
Com a divulgação do acordo, a empresa torna-se alvo de críticas severas nos Estados Unidos, sobretudo no contexto da crescente deterioração das relações sino-estadunidenses. Durante uma conferência virtual recente, Tim Cook foi questionado a respeito da influência econômica da China nas atividades e decisões da Apple. Em resposta, Cook afirmou que a Apple tem a “responsabilidade” de fazer negócios em tantos mercados quanto possível, sem marginalizar a responsabilidade da empresa em reconhecer as diferentes leis de outros locais. Ressaltou ainda que “é possível atingir a paz mundial através do comércio”.
Nesta semana, o presidente Joe Biden declarou um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, programados para fevereiro de 2022. A tendência, portanto, é de que as tensões entre China e os Estados Unidos se intensifiquem, assim como as contradições entre os interesses de algumas grandes multinacionais americanas no mercado chinês e o conflito sustentado por Washington.
Texto publicado originalmente em 09 de dezembro de 2021 na Carta Capital.