Guerra na Ucrânia muda relações EUA-Venezuela

04 de abril de 2022

Por Ana Beatriz Aquino, Gabrielly Provenzzano da Silva, Geovanna Mirian Raimundo, Gustavo Mendes de Almeida, Isabella Brandão Alcantara, Vinicius Silva Santos, Vitor Cristian Maciel Gomes (Foto: Unsplash)

Há cerca de um mês, no dia 6 de março, um avião vindo dos Estados Unidos tocou a cabeceira da pista do aeroporto Simón Bolívar, situado a 30 quilômetros de Caracas. A missão dos tripulantes seria revelada apenas na noite seguinte. O objetivo era dar início a uma negociação bilateral, articulada na semana anterior, com a cúpula do governo Nicolás Maduro, tido até ali como o principal inimigo de Washington na América Latina. 

A delegação dos EUA era liderada por Juan González, principal assessor da Casa Branca para a América Latina, e o embaixador James Story. Na segunda-feira, mantiveram uma longa reunião no palácio de Miraflores com o chefe de governo e sua vice-presidente, Delcy Rodríguez. Na pauta estavam os planos de como a Venezuela, dona das maiores reservas petrolíferas do mundo (com 302 bilhões de barris), poderia suprir a demanda global após os bloqueios impostos à Rússia, que dias antes havia atacado a Ucrânia. A  curta viagem representou um giro de 180 graus na política externa estadunidense que, desde o início de 2019, não reconhecia o governo local e dialogava apenas com o ex-deputado Juán Guaidó, autoproclamado presidente do país. Essa história merece ser contada por inteiro.

 

A invasão

Em 24 de fevereiro, o mundo foi surpreendido pelo anúncio de uma “operação militar especial” em terras ucranianas por parte do presidente russo Vladimir Putin. Logo nos primeiros dias, a Federação Russa passou a sofrer pesado bloqueio econômico e financeiro por parte dos Estados Unidos.  São mais de 8 mil sanções contra o país euroasiático, mais de 5,3 mil delas implementadas de fevereiro a março de 2022 (CASTELLUM, 2022). A mudança de comportamento dos EUA diante da Venezuela começa aí, quando cessam as importações de petróleo e gás para a Europa e os preços internacionais disparam. O conflito no leste-europeu passou a se expressar na geopolítica americana, alterando as relações EUA-Venezuela. O país caribenho pode voltar ao cenário energético internacional com menos bloqueios comerciais. 

Com o intuito de preservar suas fronteiras ocidentais, Vladimir Putin decidiu, de maneira injustificável, invadir a Ucrânia e dominar pontos estratégicos do país vizinho, pressionando o presidente Volodymyr Zelensky a recuar de suas pretensões de integrar a OTAN, projeto acalentado desde que o país sofrera um golpe de Estado, em 2014. A expansão da organização após a queda da antiga União Soviética, em 1991, coloca em risco a segurança russa, com a possibilidade da instalação de bases militares próximas a seu território.

Para além da crise humanitária, a guerra provocou uma agitação diplomática no planeta, no que tange às sanções econômicas movidas contra a Rússia, numa tentativa de conter o avanço das tropas de Putin. 

A Rússia é um dos maiores produtores de combustíveis fósseis e de gás natural do mundo e exporta seu petróleo para grande parte do globo. A partir da guerra, países da União Europeia, a Grã Bretanha e, principalmente, os Estados Unidos, resolveram fechar suas portas para as exportações russas. Além disso, esses países retiraram instituições financeiras russas do sistema SWIFT de pagamentos internacionais, entre outras sanções..

A questão energética ganha centralidade nesta discussão. Os países da Europa ocidental são dependentes do gás russo e, a partir das sanções, passaram a buscar novos parceiros mundiais. O chanceler alemão, Olaf Scholz, firmou um acordo de parceria energética com o Catar; o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, está em tratativas com Arábia Saudita e com os Emirados Árabes Unidos para desenhar acordos no mesmo sentido. 

 

O papel do petróleo

Um produto que ganha centralidade por conta desses conflitos é o petróleo. O óleo é encontrado em camadas abaixo da superfície próximo a regiões oceânicas, e hoje é uma das commodities mais importantes para o suprimento de energia primária no mundo. 

Por conta da alta demanda como fonte energética, o petróleo transformou-se de um simples bem natural em uma das mais importantes fontes de crescimento econômico para as nações. Em termos de globalização, os países que detém o controle, exploração e distribuição do petróleo conseguem determinar as condições fundamentais para a economia e geopolítica no sistema internacional. 

Desta maneira, é possível compreender diversas ações na geopolítica mundial do petróleo, como, por exemplo a posição influente da Arabia Saudita na política internacional como líder mundial na produção de petróleo (POLITIZE,2019); o  papel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), como reguladora dos preços de importação e exportação, e também, as ações dos Estados Unidos, –  que apesar de ser o terceiro maior produtor mundial, aparece também como o maior consumidor –  na busca de ampliar seu mercado e abaixar os custos da importação do petróleo.

 

A postura norte-americana

Para entender o interesse dos Estados Unidos no petróleo venezuelano é preciso que se detalhe um pouco mais sobre a posição que o país se encontra no xadrez geopolítico.

Em julho de 2021, o presidente Joe Biden declarou apoio à Ucrânia e chegou a dizer que defenderia firmemente a soberania do país”. A declaração foi realizada no mesmo período no qual tropas russas começaram a se aproximar da fronteira com a Ucrânia.

Após a invasão russa, a posição dos Estados Unidos se tornou clara. Washington não ofereceu nenhum tipo de apoio militar para a Ucrânia, mas tem colocado cuidadosamente suas peças em jogo para devastar a economia russa.

Sendo assim, o governo estadunidense tomou a decisão de impor sanções econômicas à comercialização do combustível russo, fazendo com que o valor do barril de petróleo chegasse a ser cotado em US$130, o maior valor nos últimos 6 anos. A exportação de petróleo russo para os Estados Unidos, representa 10% do total de exportação do país asiático, sendo essa quantidade responsável pelo fornecimento e abastecimento de alguns estados americanos importantíssimos como Pensilvânia, Washington, Luisiana e Califórnia. (BRASIL DE FATO, 2021)

A nova dúvida que se põe no tabuleiro é de como suprir uma demanda tão importante? A resposta foi recorrer ao país que até poucos meses atrás os Estados Unidos consideravam antidemocrático. 

 

Sanções em Caracas

Durante os últimos oito anos, a Venezuela tornou-se alvo de mais de 150 sanções (BRASIL DE FATO, 2020). Em 2014, o Congresso americano aprovou a Lei nº113-278, que tinha como principal objetivo fomentar a defesa dos direitos humanos na república bolivariana. No ano seguinte, o presidente Barack Obama aprovou a Ordem Executiva nº13692, que impôs sanções a altos funcionários do setor de segurança do governo venezuelano, baseando-se na legislação aprovada em 2014. 

A situação se ampliou em agosto de 2017, durante o governo de Donald Trump, quando foram instauradas punições que proibiram o governo venezuelano de pedir empréstimos nos mercados financeiros estadunidenses. Isso impossibilitou uma renegociação da dívida externa do governo e da companhia petrolífera do país, gerando impactos consideráveis na economia nacional. 

Em 2019, os Estados Unidos determinaram um bloqueio ao petróleo venezuelano e impuseram sanções aos países que mantivessem relações comerciais com o governo de Maduro. Além disso, também foram realizados bloqueios aos ativos econômicos da Venezuela no estrangeiro, o que gerou problemas de abastecimento no país, considerando a impossibilidade da importação de bens. 

O estudo denominado  “Sanções Econômicas como Castigo Coletivo: O caso da Venezuela”, realizado pelo Center for Economic and Policy Research em Washington DC,  mostra que as punições direcionadas aos governantes venezuelanos atingiram de maneira brutal a população do país, especialmente os cidadãos mais pobres. Sem os lucros da exportação do petróleo, a Venezuela se tornou incapaz de fornecer medicamentos, equipes médicas, alimentos, eletricidade, água e transporte para seus cidadãos. Os impactos foram notáveis, visto que milhares de cidadãos perderam o acesso a tratamentos para o câncer, HIV, diabetes, hipertensão e procedimentos de hemodiálise. Além disso, falhas energéticas em hospitais também levaram venezuelanos a óbito. De acordo com o estudo, entre 2017 e 2018, houve um aumento de mais de 40 mil mortes no ano.

 

Venezuela e suas articulações 

A Venezuela apoiou de forma explícita as atitudes de Putin frente às tensões no leste europeu pouco antes do início da guerra. Com um histórico de relações diplomáticas controversas, se por um lado temos o país andino seguindo suas próprias ideias contrárias às políticas estadunidenses, por outro lado, os EUA se colocam em oposição ao que eles consideram como um governo ditatorial e socialista na Venezuela. Relações conflituosas, no entanto, nunca significaram afastamento permanente e o petróleo parece há anos ser o cerne da conexão entre os dois países, ora mais forte, ora mais fraco (POLITIZE, 2019). E, dentro dos conflitos atuais, isso não está nada longe de ser a realidade. 

Antes da guerra na Ucrânia e dos interesses atualmente postos em voga, a Venezuela não parecia assim tão interessante para a economia política internacional, isto porque, entre 2017 e 2019, ainda sob o governo de Donald Trump, as sanções sobre o país latinoamericano foram intensificadas e as relações diplomáticas foram suspensas. Biden, apesar do discurso humanitário e da abordagem aparentemente mais diplomática que a de seu predecessor, não ficou muito atrás. No segundo semestre de 2021, negou os pedidos de Maduro para retirar as duras sanções econômicas (GLOBO, 2021), além de seguir o posicionamento de Trump reconhecendo Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.

É justamente por esse histórico controverso entre a política externa americana e seus impactos consideráveis no cenário interno venezuelano que a visita da delegação estadunidense à Maduro causa surpresa. Especula-se, assim, as possíveis motivações por trás das recentes movimentações americanas: por um lado, o interesse energético, dado o fim das relações comerciais com a Rússia e, por outro, não só a questão econômica, mas também uma tentativa de articulação internacional, a partir da qual podemos interpretar o interesse americano na Venezuela como uma estratégia para isolar política e economicamente a Rússia (EL PAÍS, 2022). 

 

Aproximação repentina

Num primeiro momento, a justificativa para essa aproximação repentina parece estar, ao menos formalmente, no “ouro negro” venezuelano que representa 96% das exportações do país e poderiam se tornar uma opção viável para os Estados Unidos. No entanto, precisamos nos atentar para o fato de que os Estados Unidos tem seu próprio fornecimento de petróleo vindo do Oriente Médio e os estoques venezuelanos podem, ao menos nesse primeiro momento, não serem assim tão necessários para o país. Entramos, nesse sentido, em uma segunda hipótese para essa aproximação, que evoca mais o contexto político do que o econômico. 

Como visto anteriormente, a decisão americana de não intervir militarmente no conflito no Leste Europeu é seguida por uma série de retaliações econômicas que visam o enfraquecimento russo. No dia 11 de março, em declaração conjunta com os demais países do G7, a Casa Branca reforçou seu apoio ao povo e ao governo ucraniano e seu compromisso em isolar a economia russa do sistema financeiro internacional como forma de desestimular o conflito. O objetivo seria, portanto, isolar Moscou de tal forma que os ataques à Ucrânia tornariam-se insustentáveis. 

A partir disso, um segundo ponto a ser considerado, ainda tendo em vista o enfraquecimento russo, é justamente as articulações entre os governos de Putin e Maduro. Nos últimos anos, os dois países têm estreitado relações comerciais e mantido boas relações diplomáticas e, nesse contexto, a Venezuela ganha importância por seu potencial no mercado energético internacional.
As reverberações da guerra na Ucrânia chegam na América Latina a partir da complexa relação entre Venezuela e Estados Unidos. Há toda uma movimentação que gira em torno da permanência do petróleo como fator estratégico na economia mundial, assim como uma tentativa de articulação coletiva, liderada pelos Estados Unidos, contra o governo russo de Vladimir Putin. Os desdobramentos dessa história são, de fato, uma reviravolta na medida em que colocam em xeque o costumeiro pragmatismo da política externa americana e, com isso, representam a possibilidade de novas articulações para a Venezuela, em especial no que diz respeito à sua inserção econômica no cenário internacional através do petróleo.

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