Por que se agravou a dependência externa de fertilizantes?

04 de abril de 2022

Por Bruno Castro Dias de Fonseca, Dante Apolinario, Isabela Temístocles Gomes, Gabriel Santos Carneiro, Giovana Silveira Claro  (Foto: Pixabay)

Apesar de ser um país classificado como potência agrícola e o quarto maior exportador mundial de produtos agropecuários, a dependência do Brasil da importação de fertilizantes passou a chamar atenção do governo e do setor privado a partir da escalada da guerra da Rússia com a Ucrânia, que teve início em fevereiro. 

Isso se dá porque, segundo dados de 2021, dos 85% de fertilizantes importados pelo Brasil, 22% tiveram a Rússia como origem. Essa porcentagem sobe para 28% ao considerarmos Belarus, ex-república soviética que possui sua política externa alinhada com as decisões de Moscou. Sob o cenário atual de conflito, esta questão gerou movimentações internas, indicando a pretensão do país em diminuir a dependência em relação ao insumo. 

O Brasil é o maior importador mundial de fertilizantes em 2020, seguido por Índia, Estados Unidos e China.  Fertilizantes são de extrema importância para a produção agrícola nacional. Definidos pela Embrapa como “substância mineral ou orgânica, natural ou sintética, fornecedora de um ou mais nutrientes de plantas”, os fertilizantes possuem diversas funcionalidades – dentre elas, manter a fertilidade do solo, repor nutrientes, ampliar os níveis de produtividade e a qualidade das culturas agrícolas. Portanto, este insumo permite, por exemplo, a expansão da produção no Cerrado e em outras regiões de solo pobre e ácido, aprimorando a área agricultável e a produtividade. 

Dentre os principais tipos, estão os fertilizantes minerais/inorgânicos (extraídos do solo e que passam por intervenção de empresas químicas), que podem ter como nutriente mais abundante o nitrogênio, o potássio ou o fosfato; os fertilizantes orgânicos (feitos a partir de restos de animais e vegetais) e os fertilizantes organominerais (mistura entre os fertilizantes minerais e orgânicos).

A dependência de importações de fertilizantes pelo Brasil tem se agravado nos últimos anos, à medida em que o governo foi progressivamente enfraquecendo políticas de incentivo à produção nacional e permitindo a desnacionalização de fábricas de fertilizantes, como na recente venda da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3) no Mato Grosso do Sul, da Petrobrás, para a Acron, uma empresa russa que imediatamente mostrou interesse na aquisição da subsidiária. Em 2017,  a estatal brasileira anunciou que não possuía interesse em permanecer no segmento de fertilizantes, a despeito do diagnóstico da incapacidade de autossuficiência municipal e nacional de produção do insumo.

Como o agronegócio influenciou na dependência externa

A década de 1960 é marcada pelo advento da dita “Revolução Verde”. Essa revolução surgiu na integração de técnicas científicas (insumos químicos, sementes geneticamente modificadas, máquinas) para o  campo, o que possibilitou um aumento de produção agrícola. No Brasil, esse fenômeno foi o responsável por outro, a ”modernização conservadora”, pois permitiu uma mudança muito brusca na produção rural sem tocar nas estruturas sociais. 

Não é coincidência que a produção nacional de fertilizantes, insumos químicos essenciais para a agricultura moderna, no Brasil, tenha crescido nesse mesmo período. A produção nacional dos NKP (nitrogênio, potássio e fósforo), que são as matérias primas para os fertilizantes, muito se beneficiou dos incentivos desenvolvimentistas da ditadura militar. Antes desse período, que também antecede a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o uso de fertilizantes manteve-se praticamente no mesmo patamar, deixando o mercado para os produtos estrangeiros. Essa situação só mudou radicalmente com o Segundo Plano de Desenvolvimento Nacional (II PND), período em que o Brasil começou a apostar na produção nacional de fertilizantes. 

Assim, no período de 1974 até 1985, o fósforo atingiu a autossuficiência e a produção nacional de nitrogênio alcançou 83,69% de toda a demanda (fonte: Sindicato das Indústrias de Adubos e Corretivos do Estado de São Paulo- SIACESP). Contudo, infelizmente, o caso do potássio é mais complicado, pois até 1985 não havia produção nacional.  Com o início da produção na segunda metade da década de 1985, a oferta nacional ficous em torno de 10% do consumo total.

Após o II PND, a produção nacional dos fertilizantes, então com menos incentivos econômicos, não conseguiu mais acompanhar a expansão da fronteira agrícola brasileira. O agronegócio, em franca expansão, optou por consumir cada vez mais os fertilizantes importados, aumentando, ano após ano, a dependência externa.

Tal dinâmica corresponde aos interesses econômicos organizados em torno das Cadeias Globais de Valor (CGVs), as quais instituem uma lógica de abertura comercial e participação em oportunidades de comércio externo em detrimento do protecionismo econômico, aumentando a interdependência entre diversos mercados no cenário internacional. Há de se destacar, porém, a fragilidade dessas relações em momentos de crise como a situação atual.

A conjuntura internacional e a dependência brasileira

A Rússia está entre os cinco maiores produtores mundiais de fertilizantes do tipo amônia, rocha fosfática e potássio, e ainda é sede de duas entre as principais empresas líderes do mercado internacional desse insumo – Phosagro e Uralkali. Outros importantes produtores são representados por Marrocos, Canadá, Estados Unidos, Índia, China e Alemanha, variando de acordo com a categoria de fertilizantes analisada.

Os fornecedores de fertilizantes tendem a variar de acordo com o tipo de fertilizante em análise. As importações de nitrato de amônio têm 98% de sua origem na Rússia. No caso de cloreto de potássio – um dos principais tipos de fertilizantes importados pelo Brasil, Rússia e Belarus são, juntos com Canadá e China, responsáveis por 80% da sua produção.

Um grupo de países do Ocidente, liderados pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, vem respondendo à beligerância da Rússia por meio da aplicação de sanções à economia russa e também a indivíduos próximos a Vladimir Putin. O Brasil, como os demais países do Sul Global, não adotou sanções e tem se posicionado, em particular, contra a aplicação de sanções ao setor de fertilizantes russo. A experiência mostra que essas sanções não alteram as políticas do país atingido e geram problemas sociais e econômicos, em particular para as populações mais vulneráveis.

E o Brasil não passou ileso frente à desestruturação das cadeias produtivas em nível internacional provocada pelo conflito. As medidas já aplicadas por outras nações dificultam em muito a logística de transporte das exportações russas e bielorrussas, encarecendo o preço de commodities como fertilizantes, trigo, petróleo e gás. Soma-se a isto o fato de que a Ucrânia, grande produtora de trigo, a médio e longo prazo, reduzirá o aporte deste produto no mercado internacional em decorrência do esforço de guerra. 

Os fertilizantes em particular já vinham em uma trajetória de aumento dos preços ao longo de 2021, trajetória que com certeza se agravará. Conforme dados apurados pelo IPEA, os preços internacionais do barril de petróleo, do trigo e do milho subiram, respectivamente, 26,5%, 47,4% e 19,1% do dia 1 ̊ de fevereiro até 3 de março. Só em março, a farinha de trigo teve alta de 1,94% no Brasil.  Contudo, os alimentos que estamos consumindo hoje foram produzidos no passado com insumos a preços menores, de forma que ambos os problemas mencionados anteriormente não explicam o aumento atual dos preços internacionais de commodities, visto que são efeitos que recairão sobre o custo de produção das próximas safras. 

O que ocorre é que a incerteza e o risco de desabastecimento decorrentes do conflito levaram os produtores a tentar assegurar hoje os insumos necessários para as próximas safras, aumentando a demanda e desencadeando um aumento dos preços. Em outras palavras, a atual elevação dos preços decorre de um processo especulativo em função da perspectiva de aumento dos preços futuros.  E a perspectiva para médio e longo prazo é de que os preços continuem elevados.  

Conforme já destacado, o Brasil é totalmente dependente da importação de fertilizantes, além de ser também um grande importador de trigo. Além disso, estes dois produtos são insumos primários em diversas outras cadeias produtivas, especialmente nas cadeias de produção de alimentos, de forma que o aumento dos preços destes produtos certamente contamina os preços de outros produtos. 

Com foco em aumentar a produção nacional de fertilizantes, e mediante à pressa estabelecida pelo cenário atual, o Programa Nacional de Fertilizantes, lançado no dia 11/03 através do Decreto Nº 10.991/22, estimula, dentre outras questões, a “adequação das empresas que operam empreendimentos de fertilizantes no País a critérios de sustentabilidade ambiental e social” – sem, no entanto, especificar quais seriam estes critérios e como isso seria aplicado. 

Uma forma de conter a elevação dos preços no curto prazo seria a prática de uma política ativa de estoques que garantiria o fornecimento em situações de crise e estabilizaria os preços. O governo brasileiro praticava esta política, mas vem abandonando-a gradativamente desde 2016, de forma que hoje muitos estoques estão vazios e, portanto, impotentes frente à situação atual. A solução para o médio e longo prazo seria ampliar a diversificação de parceiros comerciais e seguir a tendência global de internalizar as cadeias produtivas de setores estratégicos. Entretanto, o governo Bolsonaro não sinaliza nenhuma política em ambos os sentidos e atua negligenciando estes e outros mecanismos de garantia da soberania brasileira e da sua autonomia estratégica, debilitando tanto a estabilidade macroeconômica do país quanto sua inserção internacional.

 

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