02 de maio de 2022
Por Gabriel Soprijo e Nathan Pinto (Foto: Presidência da República)
A seis meses para o primeiro turno das eleições brasileiras, os destaques da Brazil Conference, em Boston, foram as sabatinas com presidenciáveis. O senador baiano Jaques Wagner (PT) representou a candidatura do ex-presidente Lula, e da chamada ‘‘terceira via” participaram do encontro Ciro Gomes (PDT), João Dória (PSDB), Eduardo Leite (PSDB) e Simone Tebet (MDB). Sérgio Moro (União Brasil), cujas pretensões presidenciais tornaram-se improváveis desde que deixou o Podemos, também foi sabatinado.
A participação do senador petista Jaques Wagner foi marcada pela defesa da chapa Lula/Alckmin, em nome de um governo de ‘‘unidade nacional’’ para suceder Jair Bolsonaro. O senador amenizou as diferenças entre PT e PSDB, destacando o ideário progressista que caracterizou a criação dos dois partidos no contexto da redemocratização brasileira. O PSDB que o senador elogia, evidentemente, não é o de João Dória e Eduardo Leite, mas o de seus fundadores, como Mário Covas e Alckmin. Ele vê a transformação social alcançada nos governos do PT viabilizada a partir do equilíbrio fiscal herdado do governo FHC e sua ‘‘consciência da responsabilidade fiscal, que não é de esquerda nem de direita’’.
Na avaliação do petista, o pleito de outubro não será decidido por inclinações ideológicas, mas pelo ‘‘desejo de prosperidade’’ dos eleitores, o que favorece a campanha de Lula, atrelada à memória das conquistas materiais pelos mais pobres nos governos do ex-presidente. Havendo vitória de Lula, o senador considera que não estão dadas as condições internacionais para um golpe militar no Brasil, embora reconheça que parte dos militares foi cooptada por cargos no atual governo, o que deverá ser revertido, caso o PT ganhe as eleições.
O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, marcou as diferenças entre seu projeto econômico e o dos governos anteriores que, em sua avaliação, desde o Plano Real operam a taxa de juros em patamares elevados para apreciar artificialmente o câmbio, garantindo ganhos eleitorais, mas favorecendo o ‘‘nacional consumismo’’ que acelera a desindustrialização. Ciro defendeu a necessidade do “câmbio competitivo” e de uma dinâmica de substituição de importações para o Brasil, apostando no poder indutor do Estado via compras públicas, como as do Complexo Industrial da Saúde. Em suas palavras, a substituição de importações ‘‘é a substância do conflito industrial dos americanos com os chineses’’ e não há motivos para deixar de discutir o assunto no Brasil.
Para o presidenciável, o Estado brasileiro também precisa ser reabilitado a executar políticas ambientais, dentre as quais destacou o Zoneamento Econômico-Ecológico, instrumento de planejamento do território com vistas a compatibilizar desenvolvimento e preservação ambiental. Conforme o pré-candidato, o slogan ‘‘integrar para não entregar’’, que marcou a ocupação da Amazônia durante a ditadura militar, representa um modelo de ocupação do território que precisa ser superado por meio da reconciliação com o povo local e integração dele a um modelo de desenvolvimento sustentável. Em sua análise, a persistente popularidade de Bolsonaro em estados como Amazonas e Acre tem relação com o desmonte do aparato de proteção ambiental que seu governo vem promovendo, o que repercute positivamente em regiões em que as atividades predatórias ainda predominam como modo de vida. Segundo Ciro, ao passo que o Brasil está inapto a executar políticas de preservação, a Europa está exacerbando o neoprotecionismo justamente com base na pauta ambiental.
A sabatina com o ex-juiz Sérgio Moro, que deixou de ser pré-candidato à presidência desde que migrou para o União Brasil, teve como destaque o questionamento do advogado Augusto de Arruda Botelho sobre as mensagens reveladas pelo The Intercept no que ficou conhecido como escândalo da ‘‘Vaza Jato’’. Moro defendeu-se argumentando que as mensagens não revelam que houve inocentes incriminados indevidamente, provas de inocência ocultadas ou conluio entre juiz, procurador e advogados.
Ainda nos EUA, em entrevista ao Atlantic Council, Moro também comentou sobre sua atuação na Lava Jato e considerou a cooperação com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos como fundamental para a operação, indicando que o combate à corrupção é uma área em que os dois países devem aprofundar suas relações.
O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, cuja candidatura à presidência é incerta dado que foi derrotado nas primárias do PSDB por João Dória, participou de um painel para discutir o poder econômico do brasileiro. Ele se disse favorável à privatização da Petrobras, argumentando que a companhia não representa mais a oportunidade de desenvolvimento do país, que estaria no investimento em matrizes de energia renovável. Fica claro que, para o ex-governador, a Petrobras não possui papel estratégico na transição energética brasileira e está restrita à exploração do petróleo, o que está em sintonia com a visão que predomina na condução da empresa desde o governo Temer. Além disso, Leite também defendeu a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, afirmando que as restrições fiscais por ela impostas têm o papel de pressionar por uma agenda necessária de reformas que podem reduzir as despesas do Estado.
Simone Tebet, João Doria e a construção de uma terceira via
A possibilidade de uma candidatura única da terceira via, juntando União Brasil, MDB e PSDB Cidadania foi um dos assuntos das sabatinas. Simone Tebet, pré-candidata à presidência da república pelo MDB, defendeu a tese de que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro seria prejudicial, devido à polarização. Para Tebet, a pontuação de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais deve-se ao fato de que terceira via ainda não “definiu a sua cara”. João Doria, por seu turno, criticou o governo Bolsonaro e disse que, se eleito, tem como intenção “resgatar o papel constitucional das Forças Armadas”. Ademais, defendeu a desestatização e a agenda de reformas: reforma da previdência incluindo estados e municípios, reforma tributária e administrativa.
Michel Temer
O ex-presidente Michel Temer também participou da conferência. Para Temer, que apoiou a unidade da terceira via, o país está polarizado entre Lula e Bolsonaro, e não seria surpreendente que a eleição de um deles fosse imediatamente sucedida por forte oposição e pedidos de impeachment. Quando questionado sobre a chapa Lula/Alckmin, o ex-presidente disse que a possibilidade de juntar dois lados que durante anos foram opostos é fruto da democracia e que, se Alckmin foi igual a ele “Lula terá uma grande vantagem”.
Em sua fala, Temer também defendeu o modelo “semipresidencialista”, argumentando que o presidencialismo brasileiro está “esfarrapado” e tem gerado instabilidade e traumas institucionais, como o impedimento de dois presidentes desde a redemocratização. Quando questionado sobre o papel das Forças Armadas no governo Bolsonaro e a possibilidade dos militares fugirem aos limites constitucionais em caso de tensão social, Temer ressaltou que as Forças Armadas estão abaixo da Constituição e que não têm intenção de repetir 1964.
As eleições brasileiras na imprensa internacional
A edição deste ano da Brazil Conference não recebeu atenção dos meios de comunicação fora do Brasil. Contudo, as eleições brasileiras não estão completamente fora do radar. Em editorial de 29 de abril, o Bloomberg lamentou “as tendências populistas dos dois principais candidatos”, que não estariam comprometidos com as reformas necessárias para destravar o crescimento econômico do país, dentre as quais são elencadas a reforma do serviço civil público, simplificação tributária e maior abertura comercial. Segundo o editorial, a não ser que a terceira via se torne competitiva, os brasileiros terão que escolher “entre dois populistas de lados opostos do espectro”. Ademais, em matéria recente também publicada no Bloomberg, é pontuado que Lula e Bolsonaro já representam cerca de três quartos das intenções de votos, contando com a suspensão da candidatura de Moro e nomes de terceira via pouco competitivos. Similarmente, o Financial Times noticiou a falta de apelo eleitoral da terceira via, reconhecendo que o pleito tende a ser dominado por Lula e Bolsonaro.
Em relatório sobre as eleições brasileiras publicado em 14 de abril, a consultoria Eurasia Group pontua que, a essa altura, as pesquisas de intenção de voto têm significado preditivo menor, dado que o pleito de outubro está distante para os eleitores e os candidatos não estão submetidos à pressão que se iniciará com a campanha. Nesse sentido, a consultoria sugere a conveniência de modelos baseados na aprovação do incumbente e nos temas de maior preocupação para os eleitores. Ao passo que economia e desemprego são, de longe, os temas prioritários em 2022, o relatório nota que a vantagem está com Lula, que é o candidato mais forte nessa seara. Conforme a análise, em que pese a recuperação parcial da renda das famílias no início do ano, devido, por exemplo, ao pagamento do Auxílio Brasil, as perspectivas de um crescimento pífio e as repercussões econômicas da guerra na Ucrânia comprometem a probabilidade de reeleição de Bolsonaro, situada em 25% – as chances de eleição de Lula seriam 70% e da terceira via 5%. Em linha parecida, o The Economist também chama atenção para o maior peso da economia nas eleições deste ano, lembrando que temas como corrupção e a pauta conservadora poderão ter menos importância que em 2018.
Finalmente, um texto do New York Times que aborda a política brasileira merece destaque. Em seu título é destacado que “A política climática do Brasil está mudando. Isso importa para todo o planeta”. Ao longo do texto, é posto que a questão ambiental tem ganhado centralidade nos discursos recentes de Lula, cujo legado nessa área inclui a queda no desmatamento da Amazônia durante sua presidência. Os compromissos assumidos por Lula recentemente, como o de criar um ministério para questões indígenas, colocam-no em campo oposto ao de Bolsonaro, algo que, conforme a matéria, poderia render dividendos eleitorais, dado que cada vez mais a população brasileira enxerga como importante a questão da Amazônia.