Bolsonaro e seu curioso primeiro encontro com Biden

28 de junho de 2022

Por Gabriel Soprijo, Guilherme Rodrigues Masson, Marina Tedesco Alvarenga, Tatiana Berringer, Thiago Santana Fernandes e Tuany Nascimento (Foto: Alan Santos/Presidência da República)

 

O primeiro encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden, no início de junho, na Cúpula das Américas, foi tão marcante quanto curioso para as relações bilaterais Brasil-EUA. Isso porque, desde as eleições norte-americanas de 2020, as relações entre Brasil e Estados Unidos, que vinham de um alinhamento político e ideológico bastante explícito entre Bolsonaro e Trump, tornaram-se, de certa maneira, distanciadas.

 

A questão ambiental aparece como uma agenda importante do governo Biden. Durante a campanha eleitoral, ele atacou a política de desmatamento do governo Bolsonaro, mencionando a possibilidade de promover sanções econômicas e de realizar uma campanha internacional para investimentos de preservação ambiental no Brasil. Bolsonaro reagiu dizendo que não permitiria intervenções externas e, se necessário, usaria armas para defender a soberania nacional. Após a confirmação da vitória eleitoral de Joe Biden contra Donald Trump, Bolsonaro demorou pouco mais de um mês para reconhecer e cumprimentar o novo presidente e compactuou com a ideia de que as eleições norte-americanas teriam sido fraudadas. Também  não condenou o ataque antidemocrático que levou à invasão do Capitólio em janeiro de 2021. Desde então, parece repetir os argumentos de fraude dizendo  que “se tivermos voto eletrônico, vamos ter problema pior que nos Estados Unidos”

 

Nos meses que antecederam a Cúpula das Américas, pôde-se observar  um arrefecimento das críticas às questões ambientais feitas ao Brasil por parte do presidente dos EUA. Juan Gonzalez, assessor de Biden, em entrevista à revista Americas Quarterly, demonstrou uma postura bem mais compreensiva e “apaziguadora” em relação ao combate de ações ilegais na Amazônia pelo governo brasileiro. Ele fez a seguinte afirmação: “Os desafios políticos em torno da Amazônia são enormes. Mesmo num governo do PT, os interesses políticos e econômicos envolvidos em torno da questão serão enormes. Não vamos minimizar as dificuldades políticas (do governo brasileiro) em torno da questão amazônica”.

 

Pouco menos de um mês para a realização da Cúpula das Américas, os Estados Unidos enviaram ao Brasil o ex-senador Christopher Dodd para atuar como emissário em uma reunião com o presidente brasileiro. O objetivo de Biden era convencer Bolsonaro a participar da reunião e, além disso, demonstrar que o Brasil seria um importante membro na Cúpula. Isso se confirma pela afirmação da embaixada dos EUA no Brasil: “(o governo americano) está ansioso pela participação brasileira […] (o Brasil) é um parceiro regional crucial, com compromissos compartilhados com a democracia, os direitos humanos, a prosperidade econômica, o Estado de Direito e a segurança”. 

 

Bolsonaro não demonstrou inclinação a participar do encontro. Um suposto motivo para a não participação brasileira no evento teria sido a afirmação de que o diretor da CIA, William Burns, em 2021, disse a autoridades do governo Bolsonaro que o presidente deveria parar de atacar e de duvidar do sistema eleitoral brasileiro. Tanto o presidente, quanto o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, negam que tal declaração tenha sido feita. 

 

A Cúpula das Américas reúne os chefes de Estado do continente americano para a discussão de problemas comuns a todos, sejam eles de natureza econômica, social ou política. A primeira edição foi em 1994, em Miami, onde os EUA trouxeram a ideia de uma Área de Livre Comércio, com o objetivo ambicioso de alcançar uma maior cooperação econômica entre os Estados americanos. Ou seja, a Cúpula das Américas é um evento que objetiva gerar união no continente, sob a liderança dos EUA.


A Cúpula de junho de 2022 aconteceu no contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia e de uma maior presença da China na América Latina. Assim, Biden estaria motivado a garantir o protagonismo estadunidense na região. E, especialmente diante das dificuldades de acesso ao petróleo russo, interessa aos EUA manter a unidade e a influência sobre o governo venezuelano. De acordo com fontes do Departamento de Estado, o Brasil seria peça fundamental desse xadrez. Após o início do conflito, o secretário de Estado americano Antony Blinken ligou mais de 50 vezes ao Ministro de Relações Exteriores brasileiro Carlos França. Já no domingo (06/03), Brian Nichols, secretário adjunto para assuntos do hemisfério ocidental, por meio de sua conta no Twitter, foi inédito ao elogiar a postura adotada pelo Brasil nas votações da ONU. Conquanto, vale salientar que a adoção de neutralidade ante ao conflito e um direcionamento mais pró-EUA não difere muito do modo que o Brasil sempre se manteve.

 

Sediada nos Estados Unidos pela primeira vez desde sua primeira edição, a Cúpula das Américas  de 2022 teve como sede a cidade de Los Angeles, na Califórnia. Destaca-se a ausência de  Cuba, Nicarágua e Venezuela, Estados que não foram convidados para a Cúpula. Além disso, os líderes do México, do Equador, do Uruguai, de Honduras, da Bolívia e da Guatemala não compareceram. Diante desse contexto, os Estados Unidos afirmaram que dão grande valor à voz do Brasil nas conversas e que buscam soluções para melhorar a vida das pessoas no continente americano. O discurso de Jair Bolsonaro pareceu se dirigir à sua base eleitoral. O presidente ressaltou a imagem do Brasil como o “país que alimenta 1 bilhão de pessoas”, a despeito dos 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar.

 

Encontro entre Biden e Bolsonaro

 

Durante o encontro entre Biden e Bolsonaro após a Cúpula,  destacaram-se seis temas: 1) meio ambiente; 2) eleições; 3) sistema alimentar; 4) relações bilaterais; 5) consequências da COVID; 6) conflito entre Rússia e Ucrânia 

Em relação à temática do meio ambiente, Bolsonaro disse que o Brasil sente  ameaçada a  sua soberania sobre a Amazônia, defendeu a legislação ambiental brasileira e manifestou que, no futuro, o Brasil será um dos maiores exportadores de energia limpa de hidrogênio verde. Sobre as eleições, afirmou que ocorrerão eleições no Brasil em outubro deste ano. O presidente brasileiro reiterou que deseja um processo limpo e confiável, e destacou que “chegou pela democracia” e que “quando deixar o governo também será por essa forma”. Por fim, disse estar disposto a colaborar para a superação do conflito entre Ucrânia e Rússia. 

 

Após o encontro entre os chefes de Estado, teve início uma série de polêmicas nas redes sociais e na imprensa buscando entender o significado da reunião. Segundo a agência Bloomberg, fontes anônimas disseram que Bolsonaro teria pedido ajuda para conseguir a reeleição, já que os planos do ex-presidente Lula (PT) iriam contra os interesses dos EUA. Após essa solicitação, o presidente dos EUA teria mudado de assunto. Há menções de que foi uma reunião fria, absolutamente protocolar e impessoal. O encontro não teria sido sobre a política internacional dos Estados, mas sobre as agendas de conveniência para os presidentes. Bolsonaro teria como objetivo angariar material para conseguir explorar em sua campanha eleitoral. Biden, como anfitrião da Cúpula, tinha o interesse de “conter os danos” de um evento esvaziado e repleto de críticas. Face às ausências de muitos Estados, a presença brasileira se tornou necessária para contrabalançar o fiasco no hemisfério. Todavia, seria possível afirmar que o encontro atendeu àquilo que era proposto. 

 

Route 666: Da Califórnia à Flórida 

 

Por fim, cabe destacar ainda que, após a Cúpula, Jair Bolsonaro saiu de Los Angeles (Califórnia), e foi para Orlando (Flórida). A escolha por este estado parece ter levado em conta os fatores de que a Flórida possui a maior concentração de brasileiros que vivem nos Estados Unidos, e de que representa um eleitorado tradicionalmente conservador entre os latinos. Em Miami (Flórida), o presidente brasileiro foi eleito, em 2018, com 91% dos votos válidos. Número muito mais expressivo do que a porcentagem de 55% dos votos válidos que ele conquistou em território nacional. 

 

Em Orlando, Bolsonaro compareceu à inauguração da sede de um vice-consulado do Brasil, ao 1º Congresso Conservador Brasileiro da Flórida, e  num encontro com apoiadores que se transformou em uma “motociata”. O Congresso contou com a presença de dois de seus conhecidos apoiadores, que enfrentam problemas com a justiça brasileira por atos antidemocráticos .

Ainda na Flórida, Bolsonaro disse que planeja encontro com Donald Trump antes das eleições deste ano, e fez novos ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

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