O papel da China na eletrificação da frota brasileira

12 de julho de 2022

Por Brenda Gajus, Daniel Rocha, Filipe Porto, Kethelyn Santos e Rafael Abrão (Foto: Unsplash)

 

Os Veículos Elétricos (VEs) já são uma realidade e empresas chinesas têm investido agressivamente para manter a posição de liderança global no setor, o que tem se revertido em aportes no Brasil. Há pelo menos dois pontos positivos claros: a eletrificação do setor automotivo pode contribuir para a diminuição da emissão de gases poluentes e os investimentos chineses nesses setores contribuem para enriquecer as relações econômicas Brasil-China, que até então priorizaram recursos para o setor energético e primário, que são menos dinâmicos. 

Com os investimentos no setor industrial, há mais possibilidades de geração de atividades locais, empregos e, possivelmente, desenvolvimento tecnológico. Duas empresas chinesas chamam a atenção: a Build Your Dreams (BYD) e a Great Wall Motors (GWM). 

 

Empresas chinesas na eletrificação automotiva

 

A GWM foi fundada em 1984 e é a maior fabricante privada de automóveis da China. A empresa é especializada na produção de modelos SUV e Pickup, apesar de também fabricar outros. Desde 2017 tem dedicado parte de sua produção à fabricação de veículos elétricos e híbridos. Já a BYD foi fundada em 1995 como fornecedora de baterias para grandes empresas, como Nokia e Motorola. Em 2003, lançou sua primeira fábrica de automóveis e, em 2008, entrou nos setores de energia solar e armazenamento de energia. 

 

Apesar de serem empresas privadas, o sucesso global de ambas é positivo para Beijing, pois dominam setores de alta tecnologia e contribuem para a expansão da internacionalização dos capitais chineses no mundo. No caso da BYD, destaca-se sua importância na produção de baterias, que são um dos componentes mais críticos para a fabricação de veículos elétricos. Com o domínio dessa tecnologia e a expansão das montadoras chinesas para outros países, a China aumenta sua vantagem competitiva no mercado global de VEs.

 

A BYD está atualmente presente em mais de 50 países, e a GWM em pelo menos 80. Seus produtos competem com grandes empresas, como Tesla e Volkswagen. No primeiro trimestre deste ano, a BYD se tornou a segunda maior do setor.

 

Gráfico 1. Vendas mundiais de veículos elétricos (1º quadrimestre /2022)

 

Gráfico, Gráfico de barras Descrição gerada automaticamente

Fonte: InsideEVs (elaboração própria)

A eletrificação no Brasil e na América Latina

A utilização de veículos eletrificados no transporte público brasileiro se iniciou no século XIX, com a introdução de bondes elétricos no Rio de Janeiro. Os trólebus ganharam presença nacional a partir do fim da década de 40. Atualmente, estão presentes nas regiões metropolitanas de São Paulo e Santos. Segundo dados da UFRJ, o Brasil está em quarto lugar em quantidade de ônibus eletrificados na América Latina, com um total de 351 ônibus, dos quais 86% correspondem a trólebus. 

 

O Brasil tem fortes motivos para promover a eletrificação dos seus meios de transporte. Com mais de 70% da população vivendo em áreas urbanas, a maior parte dessas pessoas depende de transporte público (40%) ou veículo próprio (50%) para locomoção. Houve um salto expressivo nas vendas de VEs no Brasil, de 801 em 2020 para 2851 em 2021. 

 

Gráfico 2. Vendas de veículos elétricos no Brasil (2012-2020)


Fonte: ABVE (elaboração própria)

      

Na América Latina, a Colômbia possui a maior frota de ônibus elétricos, com 1165 veículos, seguida por Chile, com 819, México, com 556, e Brasil. A maior parte da frota latino-americana é de fabricação da BYD, importados da China, o que evidencia que há ainda grande espaço para investimentos produtivos de empresas do setor na região.

 

Gráfico 3. Frota de ônibus elétricos em países selecionados da América Latina (2022)

 

Fonte: E-Bus Radar (elaboração própria)

 

Como vemos no gráfico, a BYD representa 51% dos ônibus elétricos da América Latina, com presença ainda das chinesas Yutong, Foton e Sunwin. No Brasil, desde 2014, a BYD tem uma fábrica de montagem de ônibus 100% elétricos em Campinas. Posteriormente, a empresa ainda investiu na abertura de uma fábrica de placas solares, em 2017, e de baterias, em 2020. 

 

Além de buscar se fortalecer no cenário automotivo, a empresa procurou alianças, como uma parceria com a UNICAMP para a criação de um centro de pesquisas fotovoltaicas na Universidade, a criação do Instituto de Pesquisas Eldorado, incentivos à pesquisa por meio do PADIS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e aportes diretos, que têm sido investidos para adensar a cadeia produtiva do silício no país.

 

Um dos diretores da BYD no Brasil, Marcello Schneider, apontou 2022 como o ano da eletrificação do segmento de ônibus no Brasil.  A aposta da marca é na eletrificação dos transportes coletivos de municípios brasileiros. Segundo Schneider, 50% da frota de ônibus da capital paulista terá modelos de zero emissão de poluentes até 2027 e o percentual restante deverá zerar as emissões até 2037. O mercado vê espaço para uma participação de 41% nas vendas de veículos até 2030. Tal movimentação é um reflexo da pressão às empresas e aos governos para alcançar emissões zero até 2050 e cumprir com as metas e objetivos do Acordo de Paris. No setor público, a empresa está presente em dois projetos de mobilidade urbana: o monotrilho SkyRail Bahia, em Salvador, e o fornecimento de 14 trens de monotrilho para a Linha 17 – Ouro, em São Paulo. 

 

Já a GMW chegou ao Brasil recentemente. A empresa anunciou em 2021 a compra da fábrica da Mercedes-Benz, em Iracemápolis (SP), para a produção de carros eletrificados, com a intenção de transformar a operação no Brasil na maior que possui no exterior. A empresa prometeu investir R$10 bi no país nos próximos anos, sendo R$4 bi até 2025 e o restante até 2032, quando espera produzir até 100 mil unidades de carros híbridos ou elétricos por ano. As primeiras unidades produzidas no Brasil, com a expectativa de que tenham até 60% de índice de nacionalização, devem ficar prontas no primeiro semestre de 2023. A estimativa é que a empresa gere até dois mil empregos diretos.

           

Há anos o governo federal tem promovido incentivos para a entrada de fabricantes de VEs no Brasil, com destaque para a isenção do imposto de importação, em vigor desde 2016, e com a possibilidade de ser estendido até 2025, conforme Projeto de Lei em tramitação no Senado. Tais incentivos se justificam pela baixa participação de VEs no mercado brasileiro, atualmente inferior a 2%, mas também preocupa trabalhadores e entidades da indústria automotiva. 

 

Enriquecendo as relações Brasil-China

 

As relações econômicas Brasil-China são caracterizadas por forte assimetria. No comércio, há um padrão norte-sul: mais de 2/3 das exportações brasileiras para a China são de produtos primários (soja, minério de ferro e petróleo), enquanto 99% das importações da China são de produtos da indústria da transformação. Desde o início da década de 2010, em especial durante os governos Dilma Rousseff e Michel Temer – que viam as relações bilaterais de forma mais pragmática que o governo atual –, buscou-se atrair investimentos chineses ao país como um paliativo para o padrão comercial problemático.

 

Assim, a chegada de mais investimentos chineses no setor industrial é positiva, ajuda a diversificar a presença chinesa no país além do setor energético e primário, e, se bem gerida, pode gerar efeitos positivos para ambas as partes. Para o Brasil, a presença das empresas pode movimentar fornecedores, trabalhadores e o desenvolvimento tecnológico local, além de possíveis contribuições para as exportações do país, uma vez que as empresas podem vender ao exterior produtos aqui fabricados.

 

O Brasil, por outro lado, também pode contribuir para o desenvolvimento das empresas chinesas. No caso específico da eletrificação da frota automotiva, o país tem uma posição confortável na transição energética, tendo uma matriz consideravelmente limpa se comparada ao resto do mundo. O país possui um amplo histórico de utilização de biocombustíveis no setor de transportes, uma “solução nacional” desenvolvida e aprimorada desde a década de 1970, a qual não deve ser abandonada. 

 

Tal especificidade, inclusive, tem sido levada em consideração pelas empresas concorrentes. Em 2019, a partir de sua fábrica em Indaiatuba, a Toyota lançou o primeiro carro híbrido flex do mundo, com a opção do etanol. A Volkswagen e o Grupo Stellantis (Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) pretendem lançar híbridos flex até 2024, enquanto a Renault e Nissan também planejam fazê-lo no futuro. No caso da BYD, sua produção local ainda é limitada no Brasil. Pelo menos por ora a empresa tem planos apenas de importar veículos prontos da China, sob a justificativa de “sondar” o mercado local, ampliar o conhecimento da marca e impulsionar o volume de vendas. Já na GWM, se há um plano para a produção de um carro híbrido flex no Brasil, ainda não foi divulgado pela empresa. Caso as chinesas saibam explorar as especificidades do mercado brasileiro, é possível abrir novas avenidas com oportunidades para ganhos mútuos.

 

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