06 de setembro de 2022
Por Bianca Lima, Cassia Lima, Fernando Nascimento, Sofia Spada e Diego Azzi (Foto: Unsplash)
A colisão das crises energética, alimentar, ambiental, financeira, geopolítica e das cadeias de produção deve prejudicar cooperação entre as nações
À sombra da guerra na Ucrânia, a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre a Mudança Climática ocorrerá em novembro, em Sharm El-Sheikh, no Egito, em um cenário de alta tensão. O momento é permeado por crises múltiplas e interligadas: crise energética, crise alimentar, crise das cadeias de produção, crise ambiental, crise financeira e crise geopolítica. O multilateralismo das Conferências das Partes da ONU, que já vinha pressionado pela falta de resultados efetivos desde antes da pandemia, agora enfrenta uma panorama ainda mais complexo no plano da política internacional, com o conflito predominando sobre a cooperação entre as nações.
Segundo informações do site Além da Energia, da empresa privada de energia ENGIE, a expectativa corporativa para a nova edição da COP é alta, muito motivada pelo mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), o qual se aprofunda nos atuais efeitos negativos das mudanças climáticas no planeta. Além disso, a secretária executiva da Convenção Marco do Clima da ONU (UNFCCC, em inglês), Patricia Espinosa, tem procurado reforçar a necessidade de ações efetivas para se atingir a neutralidade de carbono em 2050 e manter o aquecimento global dentro da margem de 1,5 ºC.
A Conferência será realizada em clima de tensão e pressão, uma vez que durante a última reunião (COP-26, em Glasgow, Escócia) foi decidido que os países deveriam formular e implementar planos de maior ambição e intensidade para combate às mudanças climáticas. Um dos temas centrais será a necessidade de se avançar nas medidas de adaptação, principalmente dos Estados em desenvolvimento e mais pobres, e as iniciativas de financiamento de projetos de adaptação climática. Essa demanda parte do entendimento de que são em grande medida os países periféricos e mais pobres que sofrem os maiores impactos das mudanças climáticas, ao mesmo tempo que são os que menos contribuem com a emissão de gases do efeito estufa, por exemplo. Hamdi Sanad Loza, vice-ministro das Relações Exteriores para Assuntos Africanos do Egito, compartilhou à Engie a expectativa do governo anfitrião da COP de que os países desenvolvidos cumpram os projetos e metas de financiamento estabelecidas.
Por sua vez, o ministro de relações exteriores do Egito, Sameh Shoukry, que presidirá a Conferência, comentou à Bloomberg que um dos focos centrais das negociações será sobre “como as nações em desenvolvimento podem obter financiamento para se adaptar às mudanças climáticas e financiar a transição para a energia verde”. A finalidade seria, então, aumentar a ambição e garantir que os compromissos e metas firmados anteriormente não retrocedam diante da atual instabilidade geopolítica. Aumentar a ambição passa por, entre outros elementos, implementar o financiamento de projetos de energia renovável, fornecimento de água potável e alimentos saudáveis.
O tema de perdas e danos também estará na agenda da COP27 e, como mostra a reportagem do CapitalReset, “sem dinheiro, os países mais vulneráveis argumentam que não há como fazer as adaptações necessárias para evitar as consequências mais graves de um clima que já está mudando. Mais: eles querem reparação financeira pelos danos causados por séculos de emissões de CO2 do mundo desenvolvido”.
Outro elemento importante a se considerar para a COP-27 é a possibilidade de que a União Europeia não consiga cumprir suas metas de redução e financiamento. Pedro Luiz Côrtes, professor da USP e membro titular do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), comenta para o Jornal da USP que a guerra na Ucrânia deve impactar a capacidade dos membros da UE de cumprirem suas metas estabelecidas na última edição. Côrtes explica que a principal preocupação é que, com os cortes no fornecimento de gás natural e outros combustíveis fósseis por conta das sanções à Rússia, países como a Alemanha reativem usinas termelétricas que utilizam combustíveis poluidores como carvão ou óleo.
Saiba mais: histórico do Brasil na COP do clima
O marco inicial das negociações internacionais se deu com a criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC) em 1992, iniciando as reuniões da Conferência das Partes (COP). O primeiro marco da COP foi em 1997 com o Protocolo de Quioto e entrou em vigor em 2005. O Protocolo de Quioto definiu metas para as reduções das emissões dos gases do efeito estufa (GEE). O Brasil em 2002 ratificou o Protocolo de Quioto e em 2004 o governo federal lançou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) com objetivo de reduzir as taxas de desmatamento e criar condições para implantação do desenvolvimento sustentável (MMA) e atualmente o PPCDAm está em uma nova fase de implementação.
Em 2007 foi instituído o Comitê interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) com o decreto nº 6.263 e em 2008 o país apresentou o Plano Nacional sobre Mudança do Clima que culminou na Lei nº 12.187/2009 que institui A Política Nacional sobre Mudança Climática (PNMC). De acordo com a PNMC, o Brasil deveria reduzir entre 36% a 38,9% as emissões de GEE até 2020, além de criar planos setoriais para adaptações às mudanças climáticas e incentivos ao reflorestamento. Os instrumentos legais da PNMC além do Plano Nacional, são o Fórum Brasileiro de Mudança Climática, Rede Clima e a Comissão de Coordenação das Atividades de meteorologia, climatologia e hidrologia.
Em 2010, o governo brasileiro criou o Plano de Prevenção e Controle das Queimadas e do Desmatamento do Cerrado (PPCerrado) baseado no sucesso do PPDAm, atualmente o PPCerrado, que está na sua terceira fase de implementação. Outras políticas foram adotadas após a COP17 como o Plano ABC, com foco na redução das emissões de GEE da agricultura. Confira aqui outros planos criados para cada um dos principais setores da economia brasileira.
O segundo marco importante da COP foi o Acordo de Paris em 2015 durante a COP21 e que também estabeleceu metas para redução de GEE a partir de 2020. Foi a primeira vez que todas as nações se uniram por um acordo climático para evitar que o aquecimento global ultrapassasse 2ºC. De acordo com a Coordenação Geral do Clima, a contribuição nacionalmente determinada (NDC) do Brasil em relação às reduções de CO2 seriam 37% em 2025, reduzindo para 43% em 2030.
Nos anos subsequentes à COP21, o objetivo principal das conferências foi o de assegurar a implementação do que foi acordado de forma não-vinculante no Acordo de Paris em 2015, mas com poucos avanços significativos. Embora tenham sido estabelecidas regras técnicas, as negociações tiveram poucos resultados em prol da negociação de metas ambiciosas para a implementação do Acordo de Paris em 2020, especialmente por conta das posições divergentes que os países assumem no que se trata de compromissos ambientais e de ações pela redução de emissões de GEE.
O que esperar da participação do Brasil em 2022
Na COP 26 de Glasgow em 2021, o presidente Jair Bolsonaro não esteve presente, enviando como representante o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, como estratégia para evitar uma exposição pessoal do presidente a críticas à sua política ambiental. Na conferência que ocorre esse ano também há chances de que Bolsonaro não compareça novamente, não apenas pelo seu desapreço pelos temas ambientais, mas também pelo cenário interno no país, já que a COP27 ocorre pouco tempo após o resultado das eleições presidenciais no Brasil (cujo segundo turno, caso ocorra, será no dia 30 de outubro).
Neste contexto, pode-se considerar dois cenários: um em que Bolsonaro consiga se eleger por mais um mandato e outro em que, independentemente de qual seja o candidato vitorioso, Bolsonaro perde. No primeiro cenário, considerando a base do eleitorado de Bolsonaro, é difícil imaginar que, poucos dias após a vitória, o então presidente considere relevante negociar acordos climáticos – tema pouco apreciado por seu eleitorado. No segundo cenário, as consequências são mais imprevisíveis, já que Bolsonaro apresenta indícios de uma possível relutância ao resultado das eleições caso derrotado. Em tais circunstâncias turbulentas no plano doméstico, seria ainda mais improvável que a COP27 fosse tratada como uma questão relevante para Bolsonaro, o que traz uma situação de imprevisibilidade e consequente fragilidade para a diplomacia ambiental brasileira.
Logo, considerando a postura assumida por Bolsonaro ao longo dos últimos três anos e meio, é provável que a COP 27 esteja longe de ser incluída na agenda dos temas prioritários do Brasil – com focos de interesse setorial em temas como mecanismos de compensação via créditos de carbono, soluções baseadas na natureza e agricultura inteligente. A postura do governo brasileiro de evasão de suas responsabilidades ambientais e desmonte do aparato institucional de planejamento, monitoramento e fiscalização, levantará críticas por parte da sociedade civil e de outros países participantes da Conferência, já que as promessas feitas em edições anteriores, como redução do desmatamento, não apenas não foram cumpridas como novamente apresentaram uma piora nas estatísticas. Enquanto isso, no plano doméstico, a sociedade civil e o Senado discutem e avaliam quais foram os avanços que o Brasil apresentou para as metas que se comprometeu a cumprir, de modo a tentar equilibrar, ainda que minimamente, a falta de um chefe de Estado que não tenha uma postura negacionista em relação aos problemas ambientais.