Atuação de Lula na COP27 coloca o Brasil de volta na cena global

16 de novembro de 2022

Por Bianca Lima, Cassia Lima, Fernando Nascimento, Sofia Spada e Diego Azzi (Foto: Reprodução/Twitter Lula)

 

Presidente eleito fala ao mundo na COP27, e, ao levantar a voz do Brasil na defesa de interesse de países de menor poder no sistema internacional, volta a posicionar o país como protagonista na construção de soluções multilaterais

 

Um dia após reunião bilateral com o enviado especial dos EUA para mudança do clima, John Kerry, o presidente eleito do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, discursou na COP27, no Egito. A conferência ocorre em meio ao contexto da guerra na Ucrânia e do fracasso dos governos e empresas em reduzir a trajetória de aquecimento global e das emissões de gases de efeito estufa após o Acordo de Paris, de 2015.

Em seu discurso, Lula falou como estadista, abordando o tema das mudanças climáticas na sua relação com a atualidade econômica e geopolítica das relações internacionais. Em tom humanista, defendeu o fortalecimento da cooperação entre as nações e a recuperação de laços de confiança que permitam resolver problemas comuns com diálogo, e não guerra e rivalidade. Insistiu, em mais de um trecho do discurso, em apontar o anacronismo da representação dos países no Conselho de Segurança da ONU instituído no pós-II Guerra e a necessidade de uma nova estrutura de governança global, que reflita o mundo multipolar da atualidade.  

“O combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu próximo governo”, disse o presidente eleito. Além de apresentar a candidatura de uma cidade amazônica do Brasil à sede da COP30 em 2025, Lula dedicou parte de seu discurso a projetar a presidência brasileira do G20, em 2024, ao afirmar que a agenda climática será uma das prioridades da presidência brasileira e que será intenção do Brasil discutir a implementação de decisões já tomadas em outras COPs e até agora não cumpridas. Assim, assinalou que haverá uma cobrança sobre o compromisso dos países desenvolvidos assumido ainda na COP15, em  Copenhagen, de mobillizar USD100bi ao ano para os países menos desenvolvidos enfrentarem a mudança climática, financiando mecanismos de perdas e danos causados pela mudança climática.

Ao levantar a voz do Brasil na defesa de pautas de interesse de países de menor poder relativo no sistema internacional, o discurso de Lula volta a posicionar o país como potencial mediador diplomático, protagonista na construção de soluções multilaterais. Nesta perspectiva, a luta contra o aquecimento global foi apresentada pelo presidente eleito como indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo, envolvendo as dimensões produtiva, financeira e comercial. 

Lula afirmou que o Brasil buscará construir uma “Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução da desigualdade, com total responsabilidade climática”. Com respeito à transição energética para uma matriz limpa e renovável, Lula afirmou que o Brasil buscará investimentos externos em energia eólica, solar, hidrogênio verde e biocombustíveis, especialmente para projetos no Nordeste brasileiro, região com grande potencial para a produção de energias renováveis.

Contrariando o negacionismo e o antiglobalismo que marcaram grande parte dos quatro anos de governo Bolsonaro, Lula propôs aos demais governos que se construa uma nova governança global para a questão climática, enfatizando a necessidade de criar um foro vinculante para tomada de decisão sobre acordos climáticos.

Lula reafirmou a intenção do Brasil em manter a aliança sobre florestas com Indonésia e República Democrática do Congo em seu governo. Esses países, mais o Brasil, detêm 52% das florestas tropicais primárias remanescentes no planeta. O discurso trouxe diversas menções à Amazônia, dentre as quais se destacam a intenção do Brasil de organizar uma Cúpula dos Países membros do Tratado de cooperação econômica da Amazônia, com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, a fim de debater o desenvolvimento integrado da região. Lula anunciou ainda a futura criação do Ministério dos Povos Originários e a volta ao funcionamento do Fundo Amazônia, em diálogo já inciado com Noruega e Alemanha.

Ao projetar a política ambiental de seu terceiro mandato, Lula destacou como prioridades “a luta contra o desmatamento, os crimes ambientais, o garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”. Afirmou que seu governo irá recriar e fortalecer as organizações de fiscalização e o sistema de monitoramento que foram desmontados nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro. 

O presidente eleito defendeu uma “exploração dos recursos da Amazônia com responsabilidade” e afirmou que “a produção agrícola deve ter equilíbrio ambiental, ser uma produção sequestrando carbono e protegendo a biodiversidade e a regeneração do solo e aumentando a renda para agricultores e pecuaristas”. O discurso fez a defesa de “uma agricultura regenerativa e sustentável, valorizando o conhecimento dos povos originários e comunidades locais”.

Saiba mais sobre a COP27 e o Brasil

Na sua vigésima sétima edição, a Conferência sobre a Mudança do Clima teve início no dia 6 de novembro e as reuniões seguirão até o dia 18 de novembro, no Egito. Dado que a atual edição acontece na África, é esperado que o tema das desigualdades seja um dos focos principais da Conferência, que deverá discutir formas de promover a equidade para os países em desenvolvimento, mais do que apenas continuar promovendo medidas de “climate finance”. Debater sobre tais discrepâncias e formas de mitigá-las é fundamental e urgente e, por acontecer na África, é esperado que este seja o momento ideal para trazer à tona tal discussão, já que o continente africano é responsável por apenas 4% das emissões de gases de efeito estufa, mas é uma das regiões geográficas que mais sofre com as mudanças climáticas.

Logo, além de se tratar de uma região com desafios pré-existentes, a emissão de gases de efeito estufa, que se dá majoritariamente pelos países ricos, acelera a desertificação natural de algumas regiões do continente e causa mudanças drásticas no já sensível regime de chuvas, comprometendo seriamente a agricultura e, consequentemente, o acesso à alimentação na região. O que está em jogo, portanto, não é apenas a questão climática, mas também os direitos humanos básicos, como a alimentação – que por ser uma das premissas básicas de manutenção da vida humana, afeta todas as demais áreas da vida, como educação, saúde e mitiga qualquer capacidade do país de se desenvolver.

Já no Brasil, enquanto as reuniões de preparação para a Conferência se iniciavam, o atual ministro da agricultura, Marcos Montes, defendeu que o Brasil deveria buscar uma posição de integração com os demais países das Américas, a fim de levar uma mensagem comum. Para o atual governo, entretanto, as questões prioritárias são aquelas ligadas à agricultura, tema importante para o Brasil, mas que pouco traduz a imensidão de desafios ligados ao clima que devem ser enfrentados nos próximos anos.

Em tópicos como o desmatamento, por exemplo, o Brasil sempre recebeu muita atenção, já que 60% da floresta Amazônica está no Brasil, o que exigia que o país fosse exemplo em seu combate. Mas o governo Bolsonaro, ao afrouxar leis anti-desmatamento e tratar com pouca seriedade o assunto, causou, ao longo do seu governo, um  progressivo aumento inédito no desmatamento desde a implementação de leis anti-desmatamento durante o governo Lula. Além disso, o Brasil foi tido como pária internacional na questão das mudanças climáticas durante todo o atual governo, o que drenou boa parte da relevância que o Brasil havia obtido anteriormente neste tema. Com a eleição de Luiz Inácio da Silva, entretanto, as expectativas da comunidade internacional para com o Brasil voltam a ser altas.

Mesmo antes da posse, o presidente eleito no último dia 30 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva, foi convidado e aceitou participar da próxima edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que começou no dia 06 de novembro, no Egito. A expectativa de representantes de diversos países, órgãos internacionais e entidades da sociedade civil é de que com Lula o Brasil volte a atuar como protagonista no cenário internacional, inclusive na agenda ambiental. A importância de medidas contra a mudança climática e as outras consequências do aquecimento global foram incluídas tanto no plano de governo do presidente eleito quanto em seu primeiro discurso após a vitória.

Jamil Chade, em matéria para o UOL, traz que o convite para Lula participar da COP veio dos próprios anfitriões e organizadores egípcios. O correspondente ainda comenta que: “Pessoas do mais alto escalão da ONU e com amplo acesso ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, admitiram ao UOL que existe uma esperança de que o governo Lula irá refazer e reapresentar à comunidade internacional novos compromissos nacionais, no que se refere à redução de emissões. A proposta apresentada por Bolsonaro foi duramente criticada e vista como uma tentativa do governo de trapacear a comunidade internacional”.

O estande brasileiro será o maior já montado, de acordo com o Ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, e terá a presença de empreendedores, CEOs e também da Confederação Nacional da Indústria. De acordo com Caio Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), o desmatamento e o uso de energias renováveis são temas que com certeza estarão em pauta durante as reuniões. De acordo com dados do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais), o desmatamento durante os 5 primeiros meses de 2022 foi o maior do período desde 2016. Dado a importância da Amazônia para a biodiversidade e para a questão climática global, o Brasil será questionado acerca de quais ações serão tomadas para frear o desmatamento ilegal. Ainda, Carvalho salienta a importância que a indústria agropecuária tem para a economia brasileira, sendo necessário buscar formas de conservar ao mesmo tempo que a produção e exportação de commodities agrícolas continua. Em relação ao segundo tema, a questão energética é uma pauta importante e em alta, dado a insegurança energética na Europa, que pode favorecer o Brasil dado a tecnologia de energia renovável do país.

A transição energética é um desafio que muitos países enfrentam na conjuntura das mudanças climáticas. Considerando que a matriz energética brasileira é uma das mais limpas do mundo e ainda há oportunidades de ampliação, o Brasil é um exemplo para o mundo nesse tema, segundo o ministro Joaquim Leite. Nesse sentido, o Brasil pretende se mostrar ao mundo como “celeiro de energia limpa e garantia energética”, com a proposta de colocar o país como nação preferencial para investimentos internacionais na área de energia verde.

Ainda, o Consórcio da Amazônia Legal terá um estande próprio representando o bloco regional de nove estados brasileiros que tutelam o território da Amazônia Brasileira. O Consórcio Interestadual da Amazônia Legal busca o desenvolvimento sustentável da região. Pela primeira vez, o bloco regional terá um estande dentro da COP para realizar atividades e eventos relacionados à Amazônia, a fim de expôr a a Amazônia dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável, da baixa emissão de carbono e contra o desmatamento. De acordo com Antônio Waldez Góes, governador do Amapá e presidente do Consórcio Amazônia, isso não seria possível dentro do estande do governo atual. Nestes eventos serão discutidos os desafios da região, novos projetos e iniciativas climáticas, bem como para buscar novos parceiros internacionais e captação de recursos. Nesse sentido, a reativação do Fundo Amazônia, congelado desde 2019 devido à dificuldades impostas pelo governo Jair Bolsonaro, é um dos objetivos a serem buscados durante a Conferência por meio do diálogo com os dois principais países doadores, Noruega e Alemanha.

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