A volta de Lula e o peso da diplomacia presidencial

16 de novembro de 2022

Por Audrey Andrade Gomes, Felipe Teixeira, Gustavo Mendes de Almeida, Henrique Mario de Souza, Júlia Cardoso de Magalhães e Laura do Espírito Santo Silva (Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal)

 

Após doze anos do fim de seu primeiro governo (2003-2011), Lula retorna ao Palácio do Planalto com a missão de recolocar o Brasil como protagonista nos principais debates internacionais, sob novas circunstâncias e com a necessidade de dar prioridade à defesa do meio-ambiente e dos direitos humanos

 

A eleição de Lula carrega em si uma série de significados. Tido como o pleito mais importante desde a redemocratização do Brasil, a vitória do petista permite com que a ordem democrática seja mantida no país e, além disso, golpeia fortemente a extrema-direita mundial, que tinha em Jair Bolsonaro um dos seus principais expoentes. Para além dessas questões, a representatividade que Lula possui permite o resgate da imagem internacional do Brasil e um estreitamento das relações que foram deixadas de lado por Michel Temer e Jair Bolsonaro com os países do Sul global e, principalmente, com nossos vizinhos latino-americanos. 

 

Único representante da primeira onda rosa reeleito após o arrefecimento deste acontecimento político, Lula é visto com muito respeito pelos seus pares latino-americanos, sejam eles progressistas, ou, resquícios da onda liberal-conservadora que varreu a região entre 2015 e 2019. Poucos instantes após a confirmação do TSE a respeito da vitória de Lula, a maioria dos chefes de Estado da região já haviam reconhecido e felicitado o presidente eleito, incluindo aqueles que ideologicamente seriam mais próximos de Bolsonaro, como Guillermo Lasso (Equador), Lacalle Pou (Uruguai) e Mário Abdo Benítez (Paraguai). Todos reforçaram a intenção em estreitar os laços com o Brasil, bem como atuar pela preservação da Amazônia – no caso de Lasso -, e a intenção em trabalhar conjuntamente por um Mercosul mais forte, casos de Lacalle Pou e Abdo Benítez. 

 

Gustavo Petro, presidente da Colômbia, foi o primeiro a reagir ao resultado das urnas com uma publicação na sua conta do Twitter, onde escreveu “Viva Lula”. O presidente do Chile, Gabriel Boric, compartilhou uma foto de Lula e escreveu: “Lula. Alegria”. Alberto Fernández, presidente da Argentina e sua vice, Cristina Kirchner, também comemoraram a vitória do presidente eleito e declararam em suas publicações o sentimento de esperança e alegria que esperam agora para a América Latina. Na Venezuela, Nicolás Maduro se pronunciou e celebrou o “triunfo da democracia”. “Comemoramos a vitória do povo brasileiro, que elegeu Lula como seu novo presidente. Viva os povos determinados a serem livres, soberanos e independentes! Hoje no Brasil a democracia triunfou”, disse o chefe venezuelano. 

 

Na Europa, o presidente da França, Emannuel Macron, falou sobre a renovação de laços e o vínculo de amizade entre as duas nações, afirmando que pretende unir forças com o Brasil a fim de enfrentar desafios comuns. António Costa, o primeiro-ministro de Portugal, parabenizou Lula e escreveu que encara com ansiedade o trabalho entre Portugal e Brasil em prol das causas globais. O chefe da União Europeia, Josep Borrell, também mostrou-se ansioso para trabalhar com o petista. “Cidadãos brasileiros foram às urnas para eleger seu novo presidente em uma eleição pacífica e bem organizada. Parabéns pela sua eleição, Lula! Estou ansioso para trabalhar juntos e promover as relações UE-Brasil com seu governo e com as novas autoridades do Congresso e do Estado”. Outro líder europeu a se pronunciar foi o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, que declarou esperança em trabalhar com Lula para tratar de assuntos como justiça social, igualdade e contra as mudanças climáticas. 

 

O presidente chinês, Xi Jinping, também parabenizou Lula: “Atribuo grande importância ao desenvolvimento das relações China-Brasil”. Já o presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse em nota no site do Kremlin que espera o fortalecimento dos laços Brasil-Rússia e que o resultado da eleição mostra a “alta autoridade política” de Lula.

Outra liderança importante que parabenizou o presidente eleito foi Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. Biden enviou suas felicitações a Lula por vencer eleições “livres, justas e confiáveis” e disse que deseja “trabalhar junto para continuar a cooperação entre os dois países nos meses e anos à frente”.

 

Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, disse que espera trabalhar com o governo do Brasil sob a liderança de Lula. Além dele, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, declarou estar ansioso para trabalhar em conjunto com o petista para aprofundar e ampliar as relações bilaterais com o Brasil, assim como a cooperação em questões globais. 

 

Vácuo de lideranças

 

Desde o golpe parlamentar de 2016, que destituiu a então presidenta Dilma Rousseff, há um vácuo na liderança da América Latina. Pode-se dizer que, neste período, tal papel foi buscado por atores como Andrés López Obrador e Alberto Fernández. Entretanto, as questões travadas entre México e EUA – principalmente durante o governo de Donald Trump -, bem como a profunda crise econômica vivenciada pela Argentina fizeram com que nenhum dos dois tenha preenchido tal lacuna. 

 

No campo liberal-conservador, Iván Duque e Sebástian Piñera também tentaram se colocar como lideranças regionais, entretanto, a falta de coordenação neste campo político – materializada pelo fracasso do Prosul e do Grupo de Lima-, impossibilitou os anseios dos ex-presidentes da Colômbia e do Chile, respectivamente. A partir do retorno de Lula ao Palácio do Planalto, a expectativa é de que o Brasil retome a liderança regional, e que conduza a reestruturação de fóruns como a CELAC, a UNASUL e o próprio Mercosul, além da promoção de uma integração regional mais consolidada. 

 

A nova onda

É inegável que a vitória de Lula reafirma com muita veemência o ciclo que podemos denotar por “nova onda rosa”, iniciada em 2018 a partir da eleição de AMLO no México. Evidentemente, as condições postas e a roupagem desse movimento é distinta e, portanto, não deve ser igualada ao que ocorreu no início do século, em movimento encabeçado por Hugo Chávez, Néstor Kirchner e o próprio Lula. Se as condições econômicas são diferentes, bem como alguns posicionamentos ideológicos dentre as lideranças, podemos também notar uma diferenciação em relação aos atores que hoje compõem este movimento. A Colômbia, por exemplo, conta atualmente com um inédito governo progressista. Com o retorno de Lula à presidência do maior país da América Latina, em matéria territorial, econômica e demográfica, se espera que a integração da região possa novamente ser instrumentalizada de modo que traga desenvolvimento para os países que a compõem, num movimento no qual é possível vislumbrar um maior suporte brasilelro a países que enfrentam severas crises políticas e econômicas. 

Novos e velhos desafios

A vitória de Lula significou um alívio não só para quem vive no Brasil, mas para o mundo inteiro. O terceiro mandato do presidente brasileiro representa uma última chance de preservar a maior biodiversidade do planeta e, assim, interromper o ciclo de destruição que tende a levar à extinção várias formas de vida da Terra – incluindo a nossa própria! 

 

Alguns dias após a sua eleição, Lula da Silva confirmou sua participação na 27a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP 27) e se tornou a figura mais aguardada do evento. A COP 27 é considerada o maior fórum global de discussão sobre o futuro do clima e conta com a participação de representantes da sociedade civil, do setor privado e de chefes de Estado de vários países. 

 

O presidente já sinalizou que o novo governo assumirá um compromisso com a preservação do meio ambiente e dos povos originários, que são os principais guardiões das florestas nos territórios latino-americanos. Para isso, se comprometeu a criar o Ministério dos Povos Originários pela primeira vez no país, assim como Boric no Chile, que anunciou a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Essa medida é um primeiro passo para reconhecer a importância do assunto e incluir a participação das pessoas mais afetadas pelas decisões políticas sobre o destino do meio ambiente. E também pode indicar que os novos presidentes estão em sintonia quanto aos propósitos de seus governos.

 

Muitas das ações em favor da preservação ambiental dependem da redução das desigualdades e de investimentos em infraestrutura e fontes de energia renováveis. E todo chefe de Estado, em qualquer lugar do mundo, que pretenda liderar uma nação deve se preocupar com isso. 

 

Nos países da América Latina, porém, há um obstáculo comum a todo presidente que se elege: a responsabilidade fiscal. Quando um governo (em especial os que se declaram à esquerda do espectro ideológico) se inicia, o famigerado mercado arma sua encenação especulativa e influencia a opinião pública e a popularidade do estadista conforme seus próprios interesses. O mais comum é que o anúncio de projetos sociais que demandem investimentos do Estado causem incômodo. Esse incômodo se traduz em oscilações no preço das ações da bolsa de valores e costuma ter grande destaque na mídia, que quase nunca deixa claro que o comportamento do mercado atinge somente os acionistas de empresas que multiplicam seu capital por meio da especulação. A exigência feita por especuladores por meio desses artifícios é em nome da contenção dos gastos públicos e do equilíbrio das contas. Sem um controle minucioso dos gastos, o Estado não poderá suprir o que eles consideram prioridade: o pagamento dos acionistas. 

 

Essa limitação fiscal esbarra na necessidade de desenvolvimento que atinge todos os países da América do Sul. Em sociedades com capacidades produtivas ociosas como a nossa, o investimento do Estado é peça chave para desenvolver o sistema de produção simultaneamente ao aumento da demanda, mantendo a estabilidade macroeconômica. Essa estratégia não é nova e faz parte da história de grandes potências mundiais que se atribuíram do aumento da dívida pública como ferramenta de desenvolvimento nacional. 

 

E, agora, diante de mais uma possível crise do sistema capitalista neoliberal, milhares de famílias estão vivendo sem uma fonte de renda estável e suficiente e muitas delas enfrentam miséria profunda. Essa condição não encontra solução em tetos de gastos ou em valorização de ações no mercado internacional, o principal recurso para a manutenção da vida e do bem estar é a presença de um Estado investidor. Por isso, a prioridade de um verdadeiro estadista precisa ser o povo que vive sob sua tutela e as formas de vida que habitam seu território. 

Breve histórico da Política Externa no primeiro governo Lula

Ao partir de uma análise retrospectiva da Política Externa brasileira sob o governo Lula de 2003 a 2010, há de se permitir um entendimento do fenômeno e do papel presidencial na formulação das políticas a serem instituídas no âmbito da inserção internacional, de modo a se articular em plena harmonia com as políticas internas do Estado brasileiro.

 

Destacaram-se como importantes marcos nas Relações Internacionais no início dos anos 2000 o ressurgimento das pautas de promoção da paz e da segurança internacionais, em decorrência dos recentes acontecimentos do 11 de Setembro e do crescimento da Guerra ao Terror, bem como a forte alta dos preços das commodities em virtude, dentre outros motivos, da ascensão econômica chinesa e sua alta demanda no mercado internacional.

 

Em dado cenário, o governo Lula adota o usual multilateralismo brasileiro em detrimento das relações bilaterais com grandes potências, como os EUA. Amplia, porém, esse conceito ao propiciar uma expansão das conexões através de um aprofundamento do processo de integração com um maior número de países do Sul global – em especial aqueles do Mercosul – se impondo de modo a representar uma liderança entre tais Estados. Dessa maneira, absorve o apoio de um grande número desses no avanço dos interesses nacionais e regionais perante a comunidade internacional. Essa estratégia ficou conhecida como Autonomia pela Diversificação. 

 

Também nesse sentido, o Brasil passa a desempenhar papel fundamental no incentivo pela maior democratização dos foros multilaterais, de modo a colaborar para uma maior participação de países historicamente menos ativos. Há, então, uma evolução na atuação brasileira e da importância de seu papel nessas coalizões multilaterais que visavam aproximação para determinação de práticas em conjunto na resolução ou manutenção de temas específicos. 

 

Ou seja, por meio de coalizões de geometria variável, o governo brasileiro dialogava com diferentes grupos, diferentes parceiros, sobre diferentes temas para defesa de interesses específicos: G4 para tratar de mudanças no contexto das Nações Unidas e pela reforma do Conselho de Segurança, G-20 Financeiro para as mudanças comerciais agrícolas, BASIC para tratar de mudanças climáticas, por exemplo.

 

O governo Lula apostou numa estratégia de diversificar os parceiros do Brasil e de apresentar-se como alternativa à disputa entre EUA e China. Isso funcionou de modo a tornar o Brasil, por um tempo, uma liderança referência no cenário internacional. Destaca-se, então, a importância adquirida pela diplomacia presidencial no sentido de estabelecer fortes laços com países africanos, caribenhos, entre outros do Sul global, gerando terreno fértil para cooperação econômica, técnica e empresarial, de modo a favorecer o desenvolvimento mútuo no compartilhamento de iniciativas em diversos âmbitos, sejam educacionais, sociais ou financeiros. Os investimentos do BNDES, por exemplo, surgem como uma maneira do Brasil prostrar-se como essa alternativa para os países do Caribe e África, de forma a conseguir aliados benéficos e lucrativos para o país. 

 

Atendo-se aos desafios da integração regional na estratégia brasileira, observa-se certo redirecionamento dos objetivos estabelecidos pela aliança do Mercosul: o bloco que nasceu com o objetivo de voltar-se às questões comerciais e econômicas das partes, então, com a influência de Lula, tendeu a se voltar a um aprofundamento das questões de dimensões sociais em geral. Em 2008, ainda, constitui-se a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), pensada como um espaço de diálogo em torno de projetos em comum, que resulta em 12 Conselhos Setoriais em função de diferentes consensos de âmbitos culturais, sociais, econômicos e políticos regionais. Já pensando numa representação perante o resto da comunidade internacional, surge a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em 2010, bloco composto por 33 países. 

 

A estratégia de Autonomia pela Diversificação, no entanto, sofre muito com a Crise de 2008 e suas decorrências. O Brasil obteve resultados mais relevantes através da cooperação com os países do BRICS, por exemplo, que tornaram-se um dos blocos mais importantes do mundo. Uma ótima aposta que, no entanto, perde força após a crise, pela forte dependência das partes no cenário das commodities. Mesmo assim, os países em desenvolvimento tiveram grande importância na atuação para resolução da crise, o que fez com que adquirissem nova relevância, uma vez estabelecido seu papel financeiro internacional.

 

Um dos mais bem-sucedidos pontos da política de diversificação brasileira foi apostar, também, na união com os países mais fortes no cenário internacional. Há uma crescente aproximação entre Brasil e China, a ponto de torná-la, de vez, a principal parceira comercial do Brasil, ainda nos anos 2000, ultrapassando os EUA. Um dos motivos que propiciou essa expansão foi o crescimento da demanda chinesa por commodities, tais qual o minério de ferro e a soja, o que eleva o patamar brasileiro no contexto global, como grande produtor e exportador.

 

A importância da vitória de Lula para o mundo  

Quase doze anos após o fim do governo Lula – o qual propiciou positivas mudanças internas e externas -, o ex-presidente está novamente eleito, e agora, além de lidar com uma profunda crise econômica, social e moral dentro das fronteiras do país, também possui a missão de tirar o Brasil da posição de pária internacional. A vitória de Lula é fator importante para resgatar a imagem de cidadão global responsável do Brasil que foi destruída nos últimos quatro anos do governo Bolsonaro. Em seu discurso na noite de 30 de outubro após a confirmação do resultado da eleição, o futuro presidente declarou que “o Brasil está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática”.

 

Uma possível reativação do Pacto pela Amazônia, um tratado de 1978 entre o Brasil e outros sete países que compartilham a floresta, anularia o pretexto que a União Europeia tem usado para não ratificar o acordo comercial com o Mercosul.

 

Além da agenda ambiental, o novo governo também propõe uma integração regional. Lula deixa claro seu interesse em retomar as políticas de desenvolvimento  em países da América Latina através do BNDES. Ele diz: “Nas minhas viagens internacionais, e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil. Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que ao mesmo tempo contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres”. Também salientou a importância da reorganização das cadeias produtivas da América do Sul para que não haja uma dependência econômica dos países europeus, fato evidenciado pela guerra na Ucrânia.

 

A história de Lula repercute pelo mundo e se reflete na recepção calorosa que o presidente recebeu logo após o resultado das eleições. A maioria dos chefes de Estado em exercício hoje conhecem o presidente brasileiro por meio do legado notável que construiu durante suas gestões anteriores, e esse sucesso do passado é fator decisivo para que ele tenha o voto de confiança que precisa para fazer do Brasil um destaque. O mundo aguarda ansioso o retorno de Lula ao posto de presidente da república do maior país da América Latina.

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