Novos caminhos para a inserção do Brasil na economia mundial

14 de dezembro de 2022

Por GT Inserção Econômica

Tendências internacionais apontam para a inclusão do país na Indústria 4.0, com o impulsionamento de capacidades endógenas, como a transição do setor automobilístico para a emissão zero aliada à exploração de reservas estratégicas na América do Sul, entre outras iniciativas que priorizam interesses além de grupos privilegiados.

 

A inserção do Brasil na economia mundial seguiu, nos últimos seis anos, a lógica neoliberal que orientou os governos Temer e Bolsonaro em sua política interna e teve como ponto de partida o documento “Ponte para o Futuro”, apresentado em 2016, pelas forças antipopulares. Para implementar essas políticas, era preciso derrubar o governo Dilma, democraticamente eleito.

A característica principal dessa inserção era que o Estado deveria abdicar de qualquer política para influenciar ou, ainda menos, contrapor-se às forças e interesses do mercado. Essa liberdade para o capital internacional, produtivo e financeiro, em sintonia com os interesses financeiros nacionais, implicava até a impunidade pelo uso selvagem das riquezas naturais do Brasil, em particular da floresta amazônica.

Organismos estatais como o BNDES foram desvirtuados e perderam seu caráter desenvolvimentista. Suas operações internacionais foram até criminalizadas, para felicidade de seus concorrentes internacionais. A Petrobras, com grande potencial para impulsionar investimentos produtivos e contribuir com a transição energética, foi subordinada a uma lógica de ganhos financeiros de curto prazo, em especial para seus acionistas privados, que controlam dois terços do capital social da empresa.

Quem ganhou com essa política foram os setores financeiros e aqueles ligados aos setores primários, exportadores e o capital internacional, que aproveitaram as oportunidades criadas para lucrar. Não se trata de questionar a contribuição que o capital produtivo internacional pode dar ao desenvolvimento do país, mas na ausência de um programa e de planejamento, estes operam unicamente dentro da sua busca de maior rentabilidade, de acordo com estratégias internacionais que não necessariamente coincidem com os objetivos de desenvolvimento sustentável do país.

A total falta de preocupação com a sorte da população faz com que o país venha acumulando paradoxos inaceitáveis e insustentáveis. Por exemplo, ser um grande produtor e exportador de alimentos e ter mais de trinta milhões de pessoas passando fome. Ser um grande produtor e exportador de petróleo cru, importar derivados de petróleo e submeter-se à flutuação de preços internacionais em dólar, sem considerar os baixos custos operacionais do pré-sal, o que levou milhões de pessoas a trocar gás por lenha.

Para agradar os interesses financeiros e “melhorar o ambiente de negócios”,  assistimos nesses anos a ataques aos direitos sindicais e trabalhistas. Como consequência, houve uma queda não só real, mas até nominal dos salários e um aumento da já chocante desigualdade de renda, gerando mais desigualdade de riqueza.

Essas políticas todas destoam inclusive de algumas tendências internacionais que possam servir de inspiração para o novo governo. Em primeiro lugar, há uma corrida nos países industrializados para não ficar atrás na quarta revolução industrial-tecnológica, também conhecida como Indústria 4.0, com mobilização de investimentos públicos articulados aos do setor privado. No mundo inteiro há uma revalorização da necessidade de ter uma base manufatureira forte e um consenso de que a desindustrialização foi longe demais e atendeu sobretudo interesses financeiros. No Brasil, os liberais ficaram com uma visão do mundo da década de 1990 achando que a desindustrialização é “moderna”. Ainda há a experiência chinesa, que está sendo reproduzida, de pactuar com as empresas multinacionais investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação que possam impulsionar capacidades endógenas. No Brasil, isso deveria ser pensado para o setor automobilístico, que está passando por uma revolução tecnológica ligada diretamente aos objetivos de zero-emissão. A América do Sul detém grandes reservas de vários insumos estratégicos, como o lítio. Há de se pensar formas de apostar em capacidade industrial para participar deste movimento não apenas como consumidora dessas inovações.

Há também um crescente questionamento do impacto de quarenta anos de neoliberalismo sobre a coesão social, com a precarização da mão de obra e a crescente desigualdade. Isso se expressa em mudanças em legislação trabalhista pró-trabalhador, aumento do salário-mínimo e avanço de propostas tributárias progressivas, inclusive no âmbito internacional, com impostos sobre multinacionais. Outra tendência relevante para pensar saídas para o Brasil é a transformação das petrolíferas em empresas de energia. A Petrobras foi justamente na contramão, por ter sido submetida a uma lógica financeira de curto prazo. E, no caso brasileiro, há um mundo a conquistar, com a abundância do potencial de energias renováveis, etanol, eólica, solar e o hidrogênio verde em particular. Essa riqueza poderia ser apropriada em benefício do desenvolvimento sustentável e tecnológico do Brasil.

A retomada de políticas industriais-tecnológicas precisa estar em sintonia fina com medidas macroeconômicas, por exemplo, no que diz respeito a políticas cambiais mais ativas e de crédito que estimulem investimentos e inovação. E, ainda, um uso mais inteligente das reservas internacionais, seguindo a experiência internacional com os Fundos Soberanos. Em um novo projeto para o Brasil, há sem dúvida espaço importante para o agronegócio, mas submetido a rígidas exigências ambientais e de saúde pública. Inclusive, é possível  aproveitar mais a pujança desse setor para estimular encadeamentos industriais, até na indústria naval, e incentivar a formação de traders brasileiros capazes de concorrer internacionalmente, por exemplo.

Os desafios são muitos e passam por uma reconexão com o que há de mais positivo nas  experiências e iniciativas internacionais. E também por uma retomada da integração regional para aproveitar melhor os recursos disponíveis e otimizar negociações com interesses extrarregionais. O importante é a priorização, dentro de um planejamento que liga o curto ao médio-longo prazo e olhar para tod@s, não somente de interesses de grupos privilegiados.

 

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