16 de maio de 2023
Por Lucas Gomes Sima, Isabella Tardelli Maio, Michele Ferreira de Oliveira e Vitor Cristian Maciel Gomes (Imagem: Governo da Itália)
A situação de emergência decretada pela Itália devido à crise migratória é grave, destacando o grande número de migrantes que o país tem recebido. As mudanças legislativas ocorridas ao longo dos anos e a necessidade de cooperação internacional para lidar com a questão migratória de forma eficiente e humanitária são o enfoque.
A morte de mais de 80 pessoas em um recente naufrágio na costa sul da Itália fez com que, em abril de 2023, a primeira ministra Giorgia Meloni decretasse situação/ estado de emergência no país e solicitasse a intervenção da União Europeia (UE) para solucionar a grave crise migratória vivenciada pelo bloco e, particularmente, pelo país.
Desde 2022 o país recebeu mais de cem mil pessoas do norte da África, sendo que a maior parte chega de barco até o país. Afeganistão, Irã, Paquistão e Síria também são países de origem de muitos migrantes que têm a Itália como país de chegada. A sua localização geográfica contribui para tais números, na medida em que a Itália possui “fronteiras muito extensas, ubicada em uma área com forte pressão migratória na confluência dos continentes africano e asiático, além das fronteiras da Europa Oriental” (Giuliani, 2012, p. 279). Apenas nos quatro primeiros meses de 2023, mais de 17 mil migrantes ingressaram no país. Número significativamente maior que os 6 mil que chegaram no mesmo período, no ano anterior.
Até o início dos anos 1980 não existiam legislações específicas que regulamentassem os dispositivos para a gestão migratória na Itália, que assumia uma postura ambígua acerca das imigrações: ora era indiferente institucionalmente, ora evidenciava uma postura de fronteiras abertas². Esse quadro mudou drasticamente no contexto da queda do Muro de Berlim e da desintegração da União Soviética, sendo que a partir de 1986 – e por quase toda década de 1990 – o Estado italiano manteve a situação de “emergência” decretada (GIULIANI, 2014, p. 280¹).
Uma série de mudanças legislativas foram observadas de lá pra cá. A Lei Martell de 1990 passou a tratar a imigração como questão social, trazendo novas regras para os refugiados e os solicitantes de asilo político. Oito anos mais tarde, a Lei Turco-Napolitano estabeleceu os Centros de Permanência Temporária para o confinamento dos imigrantes irregulares. Em 2002, a promulgação da Lei Bossi-Fini dificultou a permanência de estrangeiros na Itália e, em 2008, o Pacchetto Sicurezza (Pacote de Segurança) estabelecido pelo governo restringiu a entrada de estrangeiros, impondo penalidades mais duras aos infratores.
Na última década, diversas iniciativas voltadas para a redução da migração ilegal foram impulsionadas na Europa, como o incremento de programas de cooperação com diversas nações de origem e de trânsito. É o caso do acordo estabelecido entre a UE e a Líbia, país que faz parte da rota de ingresso pelo Mediterrâneo Central. Em 2019 foram destinados € 61,5 milhões a programas migratórios do Fundo Fiduciário de Emergência da União para África (FFUE) que, criado em 2015, busca promover maior estabilidade, evitar o deslocamento forçado e melhorar a gestão do processo migratório no continente.
Outras iniciativas de destaque foram o apoio financeiro da UE aos países responsáveis pelo contato imediato com os migrantes, o fortalecimento da guarda costeira e a promoção de condições mais humanas dos programas de acolhimento e de regresso voluntário aos países originários.
Em 2020 a Comissão Europeia elaborou o Plano de Ação da UE para o Mediterrâneo Ocidental. Este dispositivo propõe uma abordagem mais abrangente sobre a questão, que leva em consideração as condições humanitárias dos locais de saída e destino, a necessidade de criação de rotas seguras e legais, e a necessidade de políticas de cooperação que garantam a segurança das fronteiras e a luta contra o tráfico humano.
Nesse contexto, a primeira ministra italiana, Giorgia Meloni, abordou justamente a necessidade da cooperação internacional entre a UE e os países africanos e mediterrâneos voltada para o combate à migração irregular e o tráfico humano. Meloni pontuou a necessidade de um esforço conjunto dos países europeus para conter o fluxo de migrantes na região e ressaltou o protagonismo da Itália como um dos países membros da UE que mais recebeu migrantes nos últimos anos.
É importante salientar que a governante italiana tornou-se conhecida a partir de sua atuação como ministra da juventude no governo do conservador Silvio Berlusconi, entre maio de 2008 e novembro de 2011. Posteriormente, fundou o partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália) que resgata o lema “Deus, Pátria e Família”, utilizado por Benito Mussolini e outros fascistas ao longo da história moderna.
Reprodução: Escudo do partido de Meloni, 2023.
Disponível em: https://www.fratelli-italia.it/stampa/
Além disso, sua vitória nas eleições de 2022 esteve assentada em uma campanha conservadora, que clamava pela renovação política, pelo nacionalismo, pela valorização da família italiana e pela diminuição da necessidade de mão de obra estrangeira. A então candidata sinalizou ser contra a vinda de imigrantes e refugiados, a paternidade/maternidade por parte de homossexuais e o aborto (G1, 2022), enquanto o partido Fratelli D’ Italia aparecia como a “resolução para os problemas dos italianos que a política tradicional não soluciona”.
A imigração é, hoje, um dos temas mais discutidos pelos distintos setores da sociedade civil, pelos empresários preocupados com a escassez de mão de obra barata e, é claro, pelos governantes europeus, responsáveis por oferecer respostas, estabelecer propostas e implementar políticas públicas relacionadas à problemática.
Muitos homens, mulheres e crianças do Sul Asiático e da África Subsaariana também têm abandonado os seus países de origem, nesta longa e perigosa jornada em busca de melhores condições de vida no Norte desenvolvido. O êxodo se dá por questões diversas, com a instabilidade gerada pelos conflitos e guerras, os casos de perseguições religiosas e políticas e a fome. Lembrando que a condição atual de pobreza e subdesenvolvimento destes países é, em grande medida, o resultado de um longo processo histórico de exploração colonial e neocolonial, que criou desigualdades e hierarquias diversas e se mantém nas estruturas econômicas, políticas, sociais, subjetivas, etc., mesmo após as independências formais³.
A questão migratória, como é possível observar, envolve os direitos humanos, a orientação ideológica dos governos e os movimentos da política interna e externa de cada país. É urgente, portanto, que União Europeia adote medidas de solução para esta crise que sejam coordenadas e eficientes, para além de éticas e humanas, orientadas pela manutenção da integridade desses milhares de migrantes que, todos os anos, atravessam terras e mares em busca de uma vida mais digna.
REFERÊNCIAS:
¹GIULIANI, Marta. A situação da imigração na Itália a partir das contribuições do Dossiê Estatístico sobre Imigração Caritas/Migrantes. Rev. Inter. Mob. Hum., Brasília, Ano XX, Nº 39, p. 279-292, jul./dez. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/remhu/a/wNZZY4LJvyFqrSXrrrDSGNC/?lang=pt.
²GARCIA, Fernanda Di Flora. A exceção é a regra: os centros de detenção para imigrantes na Itália. 08/07/2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-85852503880004315.
³QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. 1997. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4386378/mod_folder/content/0/Quijano%20Colonialidade%20do%20poder.pdf?forcedownload=1