Brasil busca liderança ambiental com medidas do Banco Central e reorientação do setor produtivo

11 de julho de 2023

Por André Cotting, Lais Pina, Naomi Takada, Olympio Barbanti, Priscila Honório Sales (Imagem: Agência Brasil)

 

Com o lançamento de novas medidas normativas para padronização e regulamentação do controle de riscos sociais, ambientais e climáticos, o Banco Central do Brasil obriga instituições financeiras a se comprometerem com a agenda sustentável.  No setor empresarial, duas novas agendas avançam práticas sustentáveis.

 

Medidas obrigam agentes financeiros a considerar riscos sociais, ambientais e climáticos 

 

O Banco Central do Brasil lançou a nova agenda de sustentabilidade com objetivo de regulamentar ações de governança com vistas a contribuir para a redução de riscos sociais, ambientais e climáticos na economia, no que tange às operações do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Em 1º de dezembro de 2022, no apagar das luzes do governo Bolsonaro, entraram em vigor cinco novas normas (BCB Nº139, Nº140, Resolução CMN 4943,4944 e 4945) que estabelecem mecanismos de regulação e divulgação dos riscos sociais, ambientais e climáticos por parte das instituições financeiras.

 

As medidas vêm acompanhadas de enforcement: a instituição financeira que descumprir as regras não poderá operar. O elemento central da demanda está na exigência de que todas as instituições financeiras autorizadas a funcionar passem a divulgar anualmente, a partir de 2023, documento padronizado denominado “Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas” (GRSAC), previsto na medida BCB Nº139, complementada pela instrução normativa nº 153, que apresenta tabelas para a produção do relatório. Em adição, a resolução CMN 4945 trata da PRSAC e implementa ações com vistas à efetividade e ao fortalecimento de governança e transparência, alinhando o tratamento da questão entre as instituições financeiras. As demais resoluções, a saber CMN 4943, 4944, apenas alteram resoluções antigas,  4557/17 e 4606/17, respectivamente, prevendo que os riscos ambiental e social sejam analisados de maneira isolada – antes tratado como risco socioambiental –  além de incluir a observância dos riscos climáticos.

 

Essas medidas são um desdobramento de ações iniciadas em 2017, quando o Bacen instituiu a Política de Responsabilidade Socioambiental e Climática (PRSAC), que demandou às instituições financeiras autorizadas a operar o dever de identificar, medir, avaliar e mitigar os riscos socioambientais de seus negócios. Tais medidas tornam-se agora mais estruturadas e passam a ser caráter de obrigatoriedade.

 

Ampliando suas medidas em prol da sustentabilidade, em 29/06/2023 o Banco Central divulgou nova resolução que restringe ainda mais o crédito rural a desmatadores. A medida altera o Manual do Crédito Rural e dificulta o empréstimo de dinheiro público a agricultores e produtores rurais que não estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural. 

 

O que muda a partir de agora?

 

A perspectiva é de que o Bacen seja a peça chave para induzir e auxiliar o Brasil a cumprir com os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Foi conferida a todas as instituições financeiras autorizadas pela entidade reguladora a responsabilização por eventuais danos sociais, ambientais e climáticos decorrentes de atividades por elas financiadas. A partir de agora, ações como concessão de crédito e a determinação de taxa de juros para financiamento podem ser determinadas através da análise dos impactos causados pelas empresas. 

Autor: Alexandre Lisboa Lago

 

Fica a critério de cada instituição financeira divulgar na Política de Responsabilidade Socioambiental e Climática (PRSAC) os níveis de riscos que estão dispostas a assumir, dentre estes os riscos sociais, ambientais e climáticos. Além disso, também precisam dispor sobre as ações com vista à sua efetividade. Dessa forma, os bancos passam a ter o papel de coletar informações de seus clientes acerca dos possíveis impactos ambientais para integrá-las na gestão de riscos. De acordo com o Bacen, as informações coletadas deverão ser divulgadas no Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (GRSAC).


A evolução da sustentabilidade no setor financeiro ao longo dos anos

 

Em relação ao cenário nacional, há um histórico de iniciativas voltadas para inserir a sustentabilidade em temas financeiros. Iniciando em 1981, a Lei Federal 6.938/81 discorreu sobre a responsabilidade pelo financiamento, definindo conceitos importantes e as obrigações dos órgãos de financiamento. Anos depois, em 1995, o BNDES liderou a formalização do Protocolo Verde com bancos públicos federais, cujo objetivo era promover o financiamento do desenvolvimento com sustentabilidade. Mais a frente, em 1998, a Lei Federal 9.605/98 apresentou penas aplicáveis à conduta omissiva-comissiva por parte da instituição financeira; legalmente, a pena pode variar entre três meses a três anos, com sujeição a multa. 

 

Embora diversas disposições tenham sido dadas a respeito do tema, é a partir dos anos 2000 que a regulamentação se intensifica, o que pode ser confirmado com a revisão do Protocolo Verde em 2008, a implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental pelo BACEN em 2014 e, em 2019, a assinatura da FEBRABAN dos Princípios para Responsabilidade Bancária da UNEP-FI, iniciativa financeira do Programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA); desde então, a FEBRABAN recomenda que seus associados também façam a adesão, embora não seja mandatório.

 

Em seguida, a atenção ao assunto continuou em pauta e, só em 2021, foram divulgadas três resoluções do BACEN e uma do CMV sobre a temática, sendo elas: (i) Resolução BCB nº 139 – dispõe sobre divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais e Climáticas (Relatório GRSAC); (ii) Resolução BCB nº 151 – dispõe sobre a remessa de informações relativas a riscos sociais, ambientais e climáticos; (iii) Resolução BCB nº 153 – estabelece as tabelas padronizadas para fins da divulgação do Relatório GRSAC; e (iv) Resolução CMN nº 4.945/2021 – trata da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) e das ações visando à sua efetividade.

 

No contexto internacional, a década de 1990 foi marcada por grandes eventos sobre desenvolvimento sustentável e longas discussões sobre o assunto, até que, em 2003, um marco importante no cenário internacional materializou parte dos debates: foram adotados os Princípios do Equador por dez bancos líderes de sete países diferentes – detentores de mais de 70% do total de investimentos no mundo, de acordo com o Relatório Anual (INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION, 2005). Com isso, eles se comprometeram a incluir riscos sociais e ambientais na análise de financiamento para projetos classificados em alto ou médio risco, aplicando procedimentos de salvaguarda socioambiental.

 

Na década seguinte, PNUMA implementou internacionalmente em 2019 os Princípios para Responsabilidade Bancária, o qual, inclusive, foi assinado pela FEBRABAN. Na prática, as Nações Unidas se juntaram a bancos parceiros para definir quais seriam as ambições das finanças sustentáveis, de modo que bancos, investidoras e seguradoras signatários se comprometeram a embarcar em uma jornada de quatro anos para a discussão de estabelecimento de metas e análises de impacto.

 

A partir daí, foi possível observar no cenário internacional diversas iniciativas que surgiram em prol de regulamentar o mercado financeiro em relação a aspectos sustentáveis. Dentre as iniciativas, houve a criação do The European Green Deal Investment Plan Objet (2020) e do Task Force on Climate Related Financial Disclosures (2020), bem como a medição realizada pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI) em relação ao progresso feito pelos signatários dos Princípios para Responsabilidade Bancária (2021).

Nesse contexto, a Net-Zero Banking Alliance, é uma aliança coorganizada pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI) e pela Task Force para os Serviços Financeiros da Sustainable Markets Initiative que reúne 113 bancos de mais de 40 países – lista que inclui também Santander e Itaú. Se comprometem em alinhar seus portfólios para atingir a neutralidade em emissões de gases-estufa até 2050. A iniciativa definiu a meta de direcionar 250 bilhões de reais até 2025 para financiar setores e ativos de impacto socioambiental positivo.


Big Push Ambiental e setor corporativo


As medidas do Bacen encontram eco nas preocupações do setor produtivo. Para além de iniciativas de Responsabilidade Social Corporativa – que agora assume a nova variante de Environmental and Social Governance -,  o engajamento de setores produtivos é fundamental no atual período de desindustrialização e reprimarização da economia. Nesse contexto, o governo federal trouxe à cena política, com apoio do BNDES, a proposta de Big Push Ambiental (BPA).

O BPA se refere a um conjunto articulado e coordenado de políticas para um redirecionamento da economia nacional para padrões de sustentabilidade em setores estratégicos. Para tanto, prevê impulsionar investimentos que resultem em expansão de mercados menos intensivos em carbono e recursos naturais, geração em escala de empregos verdes, manutenção e regeneração do capital natural. 


Trata-se de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável que vem sendo articulada no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a qual pretende destravar brechas estruturais seculares para o desenvolvimento no subcontinente, tais como baixos níveis de progresso tecnológico, altos níveis de desigualdades sociais e inserção externa dependente.


A CEPAL propõe transformar a base produtiva regional por meio da especialização produtiva em atividades intensas em ciência e tecnologia, para desencadear transformações inovativas. A proposta também enseja a inserção competitiva em mercados dinâmicos internos e externos.


O Big Push Ambiental preserva os pilares do pensamento cepalino original e adiciona a minimização de externalidades ambientais negativas (por exemplo, emissão de gases de carbono) ao maximizar externalidades tecnológicas positivas (que consistem na pulverização territorial de transformações inovativas) prioritariamente em setores econômicos alinhados à mitigação das mudanças climáticas. Um desses setores é a bioeconomia, cujas dissonâncias discutimos em texto anterior, bem como sua institucionalização no atual Governo Federal e perspectivas para a inserção internacional do Brasil a partir do setor.


A agenda propõe coordenar políticas (nacionais e subnacionais, econômicas e setoriais) e investimentos (públicos e privados, nacionais e estrangeiros) que priorizem a economia de baixo carbono e a eficiência energética. De acordo com a CEPAL, o Big Push Ambiental justifica-se não apenas pela necessidade do desenvolvimento sustentável, como também pela necessidade de combater a recessividade da economia global, alavancá-la e reassegurar sua estabilidade.

Para tanto, países credores são imbuídos de expandir o gasto em investimentos sustentáveis, responsabilizando-se pelo ajuste de desequilíbrios comerciais, de modo a reduzir ou isentar os ônus dos desequilíbrios comerciais aos países devedores. De tal maneira, sustenta-se a demanda efetiva e mantém-se os níveis de investimento. Estima-se que sejam necessários 900 bilhões de dólares anuais para a transição a uma economia de baixo carbono no mundo. Portanto, o multilateralismo é condição para a efetivação do Big Push Ambiental em nível internacional, não somente no âmbito da diplomacia como também da coordenação de investimentos.


Estratégia de financiamento da agenda sustentável 


No contexto do Big Push Ambiental a criação de fundos com objetivos específicos e claros acaba sendo essencial para garantir o fornecimento de recursos de maneira controlada.  No âmbito da colaboração técnica realizada em Março de 2023 pela Fundação Friedrich Ebert – Brasil (FES BRASIL) e pelo escritório da CEPAL no Brasil, foram propostos a criação de seis fundos específicos, a saber: 


Fundo de agricultura e baixo carbono e uso sustentável da terra – teria como foco mitigar a emissão de carbono no setor que mais emite GEE no Brasil, o agropecuário, o fundo seria essencial para promover medidas e inovações para agropecuária de baixo carbono, bem como para estimular a fiscalização e prevenção do desmatamento;

Fundo de injustiça Climática – seu foco estaria em corrigir desigualdades, reconhecer questões de racismo ambiental além de atuar em projetos de transferência de renda e capacitação de mão de obra para empregos verdes;

Fundo de tecnologias limpas – com objetivo de desenvolver inovações verdes, financiando projetos e parcerias com órgãos de pesquisa, além de promover a economia circular e eficiência energética; Fundo de infraestrutura sustentável, que teria como foco a mudança na matriz de transporte brasileira, bem como a diversificação da matriz energética;

Fundo Amazônia – que já existe, mas deve aprimorar a missão de aumentar o desenvolvimento produtivo sustentável na região; 

Fundo de perdas e danos – com foco em mitigar as consequências das catástrofes ambientais, além de destinar recursos para apoiar os grupos mais vulneráveis em casos de perdas relacionadas a eventos climáticos.

Ainda no âmbito da citada colaboração ocorrida este ano foi sugerido um pacote estrutural para que a estratégia de financiamento do Big Push seja bem implementada. Entre as propostas estão: 

Novo marco fiscal verde: que estabeleça um orçamento próprio destinado para os seis fundos; 

Emissão de títulos verdes: promover financiamentos dos fundos, desde que esteja previsto na evolução do endividamento público e que seja baseado em uma taxonomia de investimentos verdes por parte do Tesouro Nacional;

Regime tributário verde: busca regulamentar atividades como a tributação de carbono, redução de subsídios para combustíveis fósseis e medidas de compensação financeiras por parte do Estado. Também propõe uma reforma tributária com foco na progressividade de renda e patrimônio, além do aumento do Imposto Territorial Rural (ITR) em propriedades improdutivas para evitar problemas de especulação; 

Bancos de Desenvolvimento em nível nacional e subnacional: participação das instituições financeiras de fomento como BNDES e FINEP nos fundos com ajuda em aportes, mas também na gestão do Big Push; 

Captação internacional: criação de instrumentos que definam custos, termos e condições para financiamentos climáticos, prevendo transparência e accountability da aplicação de recursos por parte dos fundos; 


Até onde vão os riscos sociais, ambientais e climáticos?

 

Apesar de todo esse discurso positivo, o Banco Central não delimita os riscos sociais, ambientais e climáticos os quais procura mitigar com a nova agenda sustentável. O que seria um risco social? Poderia ser traduzido por “vulnerabilidade” A título de exemplo, em maio deste ano, os juros cobrados pelo rotativo do cartão de crédito subiram para 455,1%.  A situação de oligopólios bancários faz com que mesmo que o cidadão queira trocar de instituição financeira, os juros serão igualmente cobrados em taxas injustificáveis. O mais escandaloso é que os lucros obtidos pelos bancos dificilmente se transformam em atividade produtiva, mas tornam-se aplicações em títulos da dívida pública, que são pagos aos bancos, pelo governo, através da cobrança de impostos. 

Vale lembrar que os lucros e dividendos no Brasil são, até o presente momento,  isentos de taxação. Enquanto os grandes bilionários acumulam fortunas anualmente apenas deixando o dinheiro parado nos bancos sem precisar pagar impostos, as alíquotas sobre o salário do trabalhador podem chegar a incríveis 27,5%. Fala-se em riscos, mas sem evidenciar quais são eles, a sociedade, o meio ambiente e o clima seguirão reféns de um sistema financeiro que opera de maneira cartelista. 

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