Governo Lula articula estratégia bioeconômica para alavancar crescimento e inserção internacional

16 de maio de 2023

Por André Cotting, Lais Pina, Naomi Takada, Rodolfo Vaz e Olympio Barbanti (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

A Administração Lula vê na economia verde uma grande janela de oportunidade para o Brasil despontar como potência mundial no setor de bioeconomia, sendo capaz de exportar novas metodologias de industrialização com base sustentável e reverter a imagem de “vamos passar a boiada” deixada pela gestão Bolsonaro.

Nos 100 primeiros dias de governo, a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou novas instâncias administrativas e realizou diversas ações políticas para tornar o campo da bioeconomia uma opção viável para uma reindustrialização do Brasil. Essa estratégia é favorecida pela necessidade de adaptação global em direção a uma reorientação econômica e tecnológica de bases mais sustentáveis. O Brasil reúne condições singulares, tendo o país um patrimônio dotado de largas vantagens comparativas no que tange à biodiversidade, figurando como potência ambiental global. 

Atormentado por uma política que “deixava a boiada passar” por cima da floresta, é essencial acompanhar como o novo governo se movimentará em busca da estratégia bioeconômica. Ao ser empossado, Lula assegurou que colocaria órgãos de governo, bancos públicos e empresas estatais à frente do desenvolvimento nacional, visando a sustentabilidade econômica, social e ambiental do país. Também declarou que é prioridade coibir o desmatamento ilegal e neutralizar as emissões de carbono na matriz energética.

O período que compreende o atual mandato presidencial (2023-2026) é estratégico para mitigar as mudanças climáticas. Limitar o aquecimento global a 1,5ºC até o final do século 21 exige reduzir as emissões de CO2 (dióxido de carbono) em 48% até 2030, em relação a 2019.  Ultrapassar o limiar de 1,5ºC  poderá  aumentar a população exposta a ondas de calor extremo, escassez de água e de alimento. Por isso, é urgente que o Brasil e o mundo reestruturem seu modelo de produção econômica. Nesse sentido, apesar de não ser o único caminho de transformação, a bioeconomia é essencial como via de mudança. 

A nova gestão federal e a Bioeconomia

Desde a transição, o presidente sinaliza que a bioeconomia pode ser um eixo norteador para a nova estratégia de economia verde. A intenção ficou explícita no discurso de posse no Congresso Nacional: “Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da sociobiodiversidade. Vamos iniciar a transição energética ecológica para uma agropecuária e mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte e uma indústria mais verde”. Algumas ações, tal qual a viagem à China, onde o presidente assinou acordos de projetos de energia renovável e acordos de cooperação no enfrentamento às mudanças climáticas,  demonstram que Lula pretende sair do terreno das intenções e partir para colocar o plano em prática. 

 

Essa possibilidade foi favorecida pelo fato de que o governo Bolsonaro realizou uma desestruturação das políticas e dos órgãos de gestão da área ambiental federal. Além disso, a consequente rejeição de parte da diplomacia internacional à conduta da política ambiental ensejaram, ao atual presidente, a assunção de compromissos assertivos em relação ao meio-ambiente. Nesse sentido, seu plano de governo se compromete com o uso sustentável dos recursos naturais e reconhece o potencial dos biomas brasileiros em promover a transição para uma economia verde. O programa prevê a adoção de uma estratégia de reindustrialização capaz de conservar e restaurar a biodiversidade e também afirma a necessidade do setor agropecuário se comprometer com a sustentabilidade ambiental. 

 

Retomando a problemática da bioeconomia

 

Como apresentado em texto anterior no OPEB, a bioeconomia aparece como um conceito em disputa, a partir do que se visa estabelecer de práticas econômicas, no contexto da relação ambiente-sociedade, de forma que está intrinsecamente atrelada às discussões sobre desenvolvimento sustentável. Inicialmente, a bioeconomia surgiu da necessidade de considerar as origens biológicas e as implicações sistêmicas dos processos econômicos de produção, utilização e conservação de recursos biológicos. Entretanto, o entendimento convencional (ou mainstream) do conceito está associado à “Economia Verde”, que é concebida como um tipo de economia que visa o crescimento da renda e a melhoria do bem-estar humano, concomitantemente, com a redução significativa dos riscos ambientais e da escassez ecológica.

 

Segundo Bugge, Hansens e Klitikou, são três as visões identificadas que diferenciam elementos preponderantes para a estruturação de uma bioeconomia: (i) visão biotecnológica, que foca na pesquisa, aplicação e comercialização de biotecnologia; (ii) visão de biorecursos, que foca no desenvolvimento e pesquisa de materiais biológicos; (iii) visão bioecológica, que destaca processos ecológicos que promovam a biodiversidade e os sistemas agroflorestais baseados em comunidades.

 

Uma outra visão de bioeconomia bioecológica da Amazônia está expressa na chamada bioeconomia da sociobiodiversidade, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), a abordagem foi analisada por este Grupo de Trabalho do Opeb anteriormente, assim como a posição brasileira em relação à Plataforma Biofuturo,  o debate sobre possíveis caminhos de transformação ou subordinação da bioeconomia e, finalmente, um olhar sobre a proposta para a Amazônia 4.0. Temas que integram a transversalidade da bioeconomia, refletido na forma como o assunto vem atravessando diversas estratégias para a inserção internacional do Brasil como potência bioeconômica.

 

O mapa da bioeconomia no governo atual

 

Como parte de uma estratégia conjunta, o estímulo à bioeconomia entrou na pauta de diversos ministérios. No Ministério da Fazenda foi anunciado o Plano de Transição Ecológica, visando impulsionar a economia verde. O “pacote verde” inclui incentivos para o mercado de crédito de carbono, além de produção de painéis solares e ampliação da participação de produtos da floresta nas exportações. Representantes da Fazenda também se reuniram com o presidente da Comissão de Valores Mobiliário (CVM) para discutir “finanças verdes” e como o tema pode ser levado à pauta do G20 a partir do momento em que o Brasil assumir a presidência do órgão. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), um dos mecanismos é a Embrapii (Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), organização social qualificada pelo Poder Público Federal para apoiar instituições de pesquisa tecnológica com vistas ao fomento de inovação na indústria. A organização possui contratos de gestão com os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Fazenda, entre outros. Dessa articulação, há a Rede Embrapii/MCTI de Inovação em Bioeconomia. Há de se falar também da mudança a ser feita no Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) através de decreto que conferirá personalidade jurídica própria ao órgão. O vice-presidente Geraldo Alckmin enfatizou que vê o CBA como vetor de investimentos para o Brasil.

O MDIC estará à frente do recém-reestruturado Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), este irá formular o Plano Nacional de Fertilizantes, que pretende reduzir a importação desse insumo agrícola em 50% até 2050. No âmbito do Ministério da Agricultura e da Pecuária (MAPA), foi lançado o Plano Amazônia + Sustentável, que  tem por objetivo contribuir para a geração de renda com a produção de alimentos seguros e saudáveis, ampliando os canais de comercialização, de maneira a criar oportunidades de negócios, com equilíbrio entre eficiência produtiva, benefício social e conservação ambiental. 

No âmbito nacional, o governo Lula procura fortalecer as estatais e anunciou o cancelamento do processo de privatização da Petrobras Biocombustível S.A (PBio), que havia começado em julho de 2020. A empresa é a sexta maior produtora de biodiesel do Brasil. O foco da nova gestão é, justamente, o desenvolvimento de biocombustíveis inovadores. Ainda, o Ministério de Minas e Energia declarou que a partir de 1º de abril de 2023, haverá aumento de 10% para 12% na mistura de biodiesel no diesel comercializado. O Plano defende o acréscimo anual, com previsão de aumento de 15% até 2026.

O governo também adotou o Novo Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que havia sido extinto em 2019, mas retomado em 1 de Janeiro deste ano. O Plano está em sua 5º fase de implementação e estabelece novas metas, tais quais a proteção de biomas para além da Amazônia. Destaca-se pelo fato de que, anteriormente ele incluía a bioeconomia como item, agora ele a inclui como eixo número I para a busca de atividades produtivas sustentáveis. A coordenação do plano é do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), porém trata-se de uma ação interministerial com a participação conjunta de outros 12 ministérios. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, na sua formação institucional durante o primeiro e segundo governos de Lula, desenvolveu e aprofundou estudos sobre Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, e criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf|). Essa institucionalidade, desmontada nos governos Temer e Bolsonaro, deve ressurgir na linha das atuais discussões sobre bioeconomia.  

Como o Brasil vem se articulando internacionalmente

No que tange a política externa, os encontros bilaterais do Brasil sob a nova gestão tiveram como resultado os primeiros sinais do que se pode esperar para o avanço do projeto de bioeconomia. Como de costume pela tradição diplomática brasileira, o primeiro encontro foi a visita oficial à Argentina em 23 de janeiro deste ano. Na declaração conjunta, os países ressaltaram “necessidade de implementar modelos de desenvolvimento baseados nas capacidades produtivas e científico-tecnológicas, na sustentabilidade, na agregação de valor e na geração de emprego inclusivo, de qualidade e com direitos, como condições para melhorar a vida da população dos dois países”. 

Em encontro com Biden, Lula e seu homólogo decidiram voltar a reunir o Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima. Um dos focos do grupo é reforçar a bioeconomia, bem como o combate ao desmatamento, transição energética e promoção agrícola de baixo carbono. Ainda, em encontro com vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermands, a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, declarou que o Brasil poderá ajudar a Europa com a transição energética através do uso de energias renováveis e hidrogênio verde. Marina também solicitou investimento europeu no Fundo Amazônia para estimular a transição energética e o desenvolvimento de bioenergia.

A retomada do Fundo Amazônia aparece como símbolo dos novos instrumentos da política externa ambiental brasileira, ilustrado no comunicado conjunto onde os EUA manifestam a intenção de apoiar o projeto, incluindo a bioeconomia, expressando essa nova diplomacia ambiental entre Brasil-EUA. Ainda que tenha ficado exposto o baixo empenho dos estadunidenses no aporte ao Fundo Amazônia, o avanço é um reflexo dessa nova estratégia de política externa. As discussões por apoio à bioeconomia através do Fundo Amazônia também foram temas dos encontros bilaterais com a Alemanha.

No contexto da visita do presidente Lula à China, foram celebrados cerca de 40 acordos públicos-privados com foco em inovação e soluções voltadas para a economia verde e de baixo carbono aplicadas ao agronegócio  e temas como hidrogênio verde, veículos elétricos, semicondutores, entre outras tecnologias. A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiane Rosito, afirmou em visita a Pequim que: “ espera-se que as parcerias com empresas chinesas possam facilitar a participação brasileira no maciço fluxo de investimentos na produção industrial e no desenvolvimento sustentável que ocorre no mundo”.

Ainda no âmbito da política externa, coube ao Itamaraty a iniciativa de realizar os primeiros diálogos interministeriais para a realização da Cúpula da Amazônia, proposta pelo Brasil e que será realizada em Agosto próximo. O evento internacional será em Belém (PA), cidade que é candidata a sediar a COP 30 em 2025. O encontro reunirá chefes de Estado dos oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Não será surpresa se de tal evento tivermos uma nova plataforma de integração bioeconômica para a região amazônica.

Bioeconomia como uma janela de oportunidade

Ainda que do ponto de vista da política externa tenhamos sinalizações positivas do mundo para com o Brasil, em relação ao contexto nacional, o estudo do CGEE referente ao panorama da produção científica aponta a predominância dos setores de biocombustíveis e bioenergia. A concentração da produção científica em bioeconomia na região sudeste é problemática por envolver um direcionamento através de poucas atividades econômicas resultando numa distorção por não englobar a enorme biodiversidade brasileira.

Em estudo recente organizado pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABII), em parceria com outros centros de pesquisa e organizações, estimou-se três cenários diferentes de desenvolvimento de políticas de biotecnologia para aproveitamento da biomassa. Ainda que o Brasil tenha um contexto favorável por possuir uma matriz energética mais “limpa” do que a média mundial – cerca de 48 % da fonte de energia primária nacional provém de fontes renováveis, face à média mundial de 12% – se seguirmos com as políticas correntes é estimado que as fontes fósseis de energia primária brasileira corresponderão a 62% da oferta energética e o país aumentará suas emissões anuais de GEE em mais de 20% entre 2010 e 2050.

Figurando como o país mais biodiverso do planeta e extremamente rico em recursos naturais, a inserção internacional e o desenvolvimento de uma nova estratégia de insdustrialização do Brasil é crucial para o crescimento bioeconômico. Uma política externa bem trabalhada, que saiba aproveitar as vantagens comparativas do país, pode resultar na expansão de mercados, na promoção de novas tecnologias e na atração de investimentos estrangeiros. O que se vê hoje é uma grande janela de oportunidade para o Brasil despontar como potência mundial no setor de bioeconomia, sendo capaz de exportar novas metodologias de industrialização com base sustentável para o mundo. Ficou como desafio para o atual governo incorporar as abordagens diversas sobre o que se concebe como bioeconomia.Para que esses setores se desenvolvam plenamente, é necessária uma política governamental adequada de incentivos fiscais, investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

 

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