Eleições argentinas e a ameaça neoliberal à integração latinoamericana

06 de setembro de 2023


Por Bárbara Fasolin Koboyama e Gabrielly Provenzzano (Imagem: Pixabay)


Assolada por uma crise econômica sem saída no curto prazo e com um crescente sentimento antigoverno, a Argentina se tornou terreno fértil para as ideias de Javier Milei, candidato à presidência de extrema-direita. Se eleito, a política externa do novo governo pode colocar em risco a integração regional, na medida em que comprometeria a participação do país em mecanismos de integração, como o Mercosul, e as relações bilaterais com os demais países da região, como o Brasil. 


Introdução


Apresentando propostas simples para problemas complexos, Javier Milei, candidato à presidência argentina pela La Libertad Avanza, obteve 30% dos votos nas eleições primárias de 13 de agosto, sendo forte candidato a vencer as eleições gerais de 22 de outubro e a levar suas propostas para o centro do governo.


Em matéria de política externa, sua equipe de campanha informou ao jornal argentino El Cronista que Milei busca dar um perfil mais econômico às atividades do Ministério das Relações Exteriores, com o intuito de “fomentar o comércio exterior e a posição estratégica da Argentina”. A vitória de Milei pode colocar em risco a integração do continente na medida em que comprometeria a participação de seu país em mecanismos como o Mercosul, e as relações bilaterais entre a Argentina e os demais países latino-americanos, como o Brasil. 


Segundo Aldo Ferrer (2015), a integração regional é útil enquanto instrumento para impulsionar o desenvolvimento nacional e fortalecer a posição dos países no cenário global. Para os Estados da América Latina, que enfrentam desafios sociais e econômicos semelhantes, a condução de discussões a nível local e a convergência de múltiplos interesses é especialmente cara. A Argentina, enquanto país latino-americano, exerce um papel relevante nesse processo. A orientação do governo, sua postura e comprometimento diplomático têm impactos nos avanços e retrocessos da integração regional latino-americana como um todo.


Integração regional


A disputa entre as tendências progressistas e de extrema direita na América Latina vem comprometendo a integração regional, visto que por vezes os países têm ou passam a ter políticas incompatíveis. Javier Milei declarou que não pretende negociar com a China e com o Brasil, ainda que sejam os maiores parceiros comerciais da Argentina. A agenda política ultra neoliberal promete um cenário conflituoso, caso o candidato obtenha a vitória das eleições argentinas esse ano.


Desde o início do ano, o presidente Lula destaca a importância da integração latino-americana e das relações com a Argentina, com a possível adoção de um projeto de desenvolvimento entre os países. O presidente brasileiro tem agido em favor de outras medidas, como o apoio à entrada da Argentina no BRICS e na crítica a atuação do FMI sobre a dívida do país.


Por outro lado, as promessas de Milei podem acarretar dificuldades no Mercosul. Atualmente, o bloco econômico vem sofrendo com diferentes posicionamentos entre os países-membros e pela situação do acordo Mercosul-União Europeia. Há também os planos do presidente uruguaio Luis Lacalle Pou, que defende tratados de livre comércio e que tem como objetivo negociar com a China


O projeto de Milei se mostra contraditório e insustentável internamente, com sua proposta de dolarizar a economia, numa situação em que o país sofre com a carência de dólares. O candidato peronista, Sergio Massa, destacou em sua fala, no Conselho das Américas, essa contradição econômica entre a proposta neoliberal, a fragilidade da moeda argentina e o possível rompimento com outros atores comerciais.


Desafio a Onda Rosa


Para o pesquisador e professor de Relações Internacionais da FGV-SP, Oliver Stuenkel, a provável vitória da extrema-direita na Argentina é um sinal do fim da “Onda Rosa” dos últimos anos. Após uma série de governos de direita, a partir de 2019 a esquerda venceu eleições em vários países da América Latina, inclusive na própria Argentina, com a vitória do atual presidente Alberto Fernández e de sua vice Cristina Kirchner. 


A Onda Rosa a que Stuenkel se refere remete ao ciclo progressista que o continente vivenciou entre 1998 e 2016. O período foi marcado pelo descontentamento popular com as políticas neoliberais e envolveu lideranças e administrações distintas, mas que favoreceram avanços sociais e convergiram, pelo menos em tese, na negação do neoliberalismo. São dessa época muitos dos mecanismos de discussão, cooperação e desenvolvimento local que compõem os mecanismos de integração regional atual, como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas). 


Recentemente, a ideia de uma nova Onda Rosa ganhou forma com as eleições de Gabriel Boric no Chile (2021), Gustavo Petro na Colômbia (2022) e Lula da Silva no Brasil (2022). Entretanto, apesar das derrotas nos pleitos, a extrema-direita ganhou espaço na região. Alinhado a isso, segundo Stuenkel, há no continente um sentimento anti-establishment generalizado. No caso da Argentina, marcado por um amálgama de hiperinflação, dívida externa e escassez de dólares que resulta numa crise econômica complexa, o ceticismo com a política é acentuado. Esses elementos, associados às dificuldades do governo de Alberto Fernández de controlar a situação, criaram o terreno fértil para as propostas de Milei. 


Com o avanço da extrema-direita, a existência de uma nova Onda Rosa na América Latina é passível de questionamentos. Independentemente da resposta, entretanto, a possível vitória de Milei em outubro pode significar esfriamento das relações entre a Argentina e outros países latino-americanos em função dos alinhamentos ideológicos do candidato. 


Referências


FERRER, Aldo. Helio Jaguaribe y la relación Argentina-Brasil. In: LIMA, Sérgio Eduardo Moreira (org.). Visões da Obra de Helio Jaguaribe. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2015.

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