01 de novembro de 2023
Por André Cotting, Lais Pina, Lucas Rocha, Priscila Honório Sales, Rodolfo Vaz, Olympio Barbanti Jr. (Imagem: Unsplash)
Iniciativa governamental cria um plano que pretende conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade; para além de resistências do agro, os dilemas que afetam o mercado financeiro podem levar ao sucesso ou ao fracasso da Transição Ecológica
Durante o lançamento do Novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), em 14 de agosto, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o novo Plano de Transformação Ecológica. O tópico das finanças sustentáveis representa um dos pilares do novo Plano, que determina outros cinco eixos de atuação: transição energética, avanço tecnológico no setor produtivo, economia circular, bioeconomia, nova infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas.
Dada a centralidade no referido Plano, o foco deste texto recai sobre as finanças sustentáveis. Buscamos analisar se o Plano, além de estabelecer linhas de financiamento para a sustentabilidade, poderá influenciar uma alteração no paradigma de financiamento que serve de base para o sistema financeiro brasileiro, tendo-se em mente as discussões globais sobre sustentabilidade.
O contexto em análise
O alto padrão de consumo e produção colocam as nações mais desenvolvidas como principais responsáveis pela atual crise climática. Entretanto, as nações mais pobres enfrentam um ônus desproporcional e têm mais restrições financeiras para implementar políticas verdes para mitigação e adaptação das mudanças climáticas. Na Conferência das Partes 15 (COP-15) da Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima realizada em Copenhague, os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer financiamento climático às nações em desenvolvimento no valor de US$ 100 bilhões por ano, montante que ficou muito aquém da necessidade real. Conforme observado em relatório recente do IPCC, as estimativas dos custos de adaptação isoladamente (sem incluir a mitigação) variam entre US$15 e US$411 bilhões por ano para os impactos das mudanças climáticas até 2030, sendo que a maioria dessas estimativas ultrapassam US$100 bilhões.
As desigualdades fundamentais no acesso ao financiamento, bem como seus termos e condições, e a exposição dos países aos impactos físicos da mudança climática em geral resultam em uma perspectiva cada vez pior para uma transição global justa. Com esse “elefante na sala”, os atores sociais envolvidos, como governos, bancos centrais e investidores, são compelidos a assumir algum grau de compromisso sobre os riscos climáticos. Isso pode, em maior ou menor escala, ser um ponto de apoio para políticas climáticas importantes.
Para além da vontade subjetiva, há a atual estrutura do sistema financeiro internacional, cujos mecanismos de financiamento deixam a desejar em termos de apoio a esse processo. Por exemplo, mesmo os compromissos assumidos em abril de 2022 pelas nações desenvolvidas com o Fundo de Resiliência e Sustentabilidade do Fundo Monetário Internacional (FMI) – criado para fornecer financiamento climático, direcionado assumidamente a um grupo muito limitado de países e sob condições possivelmente problemáticas – até agora alcançaram apenas cerca de US$ 40 bilhões.
Além disso, toda essa estrutura pode ser ainda mais impactada pela crescente “multi-polarização” mundial, com novas arquiteturas financeiras sendo propostas e com o choque causado pelas guerras entre Ucrânia e Rússia e entre Israel e Hamas/Palestina. Não obstante, todas as situações aqui elencadas ainda se somam à conjuntura e à estrutura financeira própria da realidade doméstica dos países.
Neste cenário, a necessidade crescente de uma transição eficaz para zero emissões de carbono deve abranger uma série de iniciativas em dois grandes pólos. Conforme Marco Crocco e Fernanda Feil apontam em seu estudo “Um Ensaio sobre Riscos Ambientais e a Estabilidade do Sistema Financeiro: o caso do Brasil no Pós Pandemia” no âmbito privado, os bancos desempenham um papel crucial ao assegurar o financiamento da transição verde. Já no setor público, cabe ao Estado atuar como orientador das transformações estruturais e políticas necessárias para promover uma mudança significativa na economia. Como se verá adiante, as iniciativas federais necessitarão estabelecer links com riscos inerentes à suas proposições – o que não aparece de forma clara nas propostas de Transição, que a seguir analisamos.
É fato que, em concordância com as novas tendências do mercado financeiro mundial, o novo Plano de Transição Ecológica brasileiro busca estabelecer estratégia capaz de lançar mão de ferramentas financeiras, fiscais, regulatórias e administrativas aptas a promover o desenvolvimento sustentável.
Como parte de uma estratégia prática ele apresenta a implementação de novas linhas de crédito para sustentabilidade, melhorias no ambiente regulatório e licenciamento ambiental, aprimoramento de concessões e parcerias público-privadas, otimização de compras públicas, além de refinamento na gestão e planejamento do governo.
As quatros medidas-chave do eixo de finanças sustentáveis envolvem a criação de um mercado de carbono regulado, a emissão de títulos sustentáveis, o estabelecimento de uma taxonomia sustentável e a reformulação do Fundo Clima para financiar atividades relacionadas à inovação tecnológica e sustentabilidade.
Da taxonomia
A taxonomia, na ciência biológica, é utilizada para identificar e determinar as categorias dos seres vivos. De maneira análoga, a taxonomia verde proposta pelo governo federal tem como objetivo descrever, identificar e nomear atividades que contribuam para os objetivos ambientais, sociais e de governança (ESG). Em outras palavras, a taxonomia verde busca identificar e avaliar como as atividades econômicas e financeiras contribuem para a sustentabilidade e a transição ecológica.
O impacto da corrida contra as mudanças climáticas e o aumento da demanda por medidas sustentáveis no setor financeiro é uma realidade. Um exemplo disso foi o Banco Central (BACEN) ter obrigado as instituições financeiras a se comprometerem com a agenda sustentável por meio de um pacote de medidas e regulamentos implementados no início do ano.
Nesse sentido, essa crescente demanda tem gerado a necessidade de definições e critérios oficiais capazes de padronizar e avaliar os investimentos em projetos sustentáveis, buscando evitar ações de marketing enganoso (greenwashing). Dessa forma, a taxonomia verde busca classificar as atividades financeiras com base no impacto que elas produzem no meio ambiente e na sociedade.
A título de exemplo, uma atividade classificada como verde é aquela que contribui para a diminuição das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Existem também as taxonomias neutras e de baixo impacto, ou seja, aquelas que não possuem impactos significativos, mas contribuem para uma economia sustentável.
O sistema de taxonomia já vem sendo aplicado em diversos países. A União Europeia detém uma das taxonomias mais abrangentes, que acabou servindo como base para a criação de outras taxonomias ao longo do mundo. Na América Latina, Colômbia e México saíram na frente e já possuem suas próprias taxonomias, visando acompanhar as tendências internacionais.
O Brasil colocou sua própria taxonomia no Plano de Transição Ecológica para consulta pública no mês de setembro deste ano, considerando referências internacionais, como a colombiana e a mexicana. O objetivo da taxonomia colombiana é apoiar os diferentes atores dos setores público e privado, enquanto a taxonomia do México apresenta outro marco significativo devido à inclusão de objetivos mais amplos, de cunho social. Ou seja, a estratégia mexicana busca utilizar recursos públicos e privados para atividades econômicas que impactem positivamente o meio ambiente e a sociedade.
Nesse sentido, no Brasil, ainda não existe uma definição capaz de fornecer uma classificação taxonômica própria para as atividades financeiras, e é por isso que o objetivo da taxonomia brasileira é mobilizar e redirecionar o financiamento público e privado para atividades econômicas que tenham impactos positivos ambientais, climáticos e sociais, promover o avanço tecnológico sustentável e criar uma base de informações confiáveis sobre finanças sustentáveis para impulsionar o desenvolvimento inclusivo e regenerativo do Brasil.
A taxonomia é uma ferramenta essencial no cenário global de finanças sustentáveis, permitindo a avaliação e classificação das atividades financeiras com base em seus impactos ambientais, sociais e de governança. À medida que a demanda por investimentos sustentáveis cresce, a criação de taxonomias nacionais se torna cada vez mais importante para padronizar critérios e evitar práticas enganosas. A iniciativa brasileira de desenvolver sua própria taxonomia é um passo crucial para mobilizar recursos financeiros em direção a projetos que impulsionam a sustentabilidade e promovam um desenvolvimento sustentável.
Um ponto de inflexão se dá em relação ao fato de que cada país cria sua própria taxonomia, determinando e caracterizando suas atividades econômicas, de forma que a interoperabilidade com taxonomias de outros países é um desafio a ser superado para garantir a eficácia e a coerência global na busca por um futuro mais sustentável.
De toda forma, não se pode deixar de observar que o fato de cada taxonomia operar nacionalmente como projeto de governo próprio é positivo na medida em que facilita a fiscalização interna, uma vez que uma taxonomia global poderia levar a uma “nova Agenda 2030”, ou seja, um grupo de determinações que diversos países aceitaram amigavelmente, mas que na prática estão muito longe de alcançar.
Títulos soberanos sustentáveis
O segundo eixo das Finanças Sustentáveis, os títulos soberanos sustentáveis, em sua concepção, têm o objetivo de auxiliar a transição brasileira para uma economia mais verde. Na prática, são títulos de dívida pública cujo recurso captado será destinado ao financiamento de iniciativas que gerem impactos ambientais e/ou sociais positivos no Brasil. No primeiro momento, espera-se uma arrecadação na casa dos milhões de reais até 2024.
Por meio da divulgação do Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis, o Governo Federal brasileiro estabeleceu um compromisso público com os futuros investidores, garantindo a alocação transparente e responsável do montante arrecadado exclusivamente para benefícios ambientais ou sociais, com base nas definições elaboradas pelo Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o pelo Banco Mundial.
Embora a proposta da emissão dos títulos esteja voltada para contribuir com a transição ecológica do país, é importante notar que eles aparecem como mais uma opção dentro do rol de investimentos disponíveis no mercado. Ainda que tenham um propósito “nobre”, os investidores certamente esperarão um retorno financeiro positivo ao adquirir os títulos sustentáveis.
Fundo Clima
Criado pela Lei n° 12.114/2009, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), conhecido como Fundo Clima, faz parte da Política Nacional sobre Mudança do Clima. A finalidade do Fundo Clima é apoiar projetos relacionados à redução de emissões de gases do efeito estufa e à adaptação às mudanças climáticas. Em termos operacionais, o Fundo é dividido em duas modalidades: uma de recursos não reembolsáveis financiados pelo Ministério do Meio Ambiente e outra de recursos reembolsáveis, gerida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que representa 90% do total do Fundo.
No que diz respeito ao orçamento, a Lei de criação do FNMC inicialmente previa recursos provenientes da participação especial da União sobre a exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. No entanto, houve duas revogações em torno desses repasses, que só tiveram seu fluxo normalizado em 2018.
De maneira geral, o FNMC nunca atingiu as expectativas de financiamento para a implementação da agenda climática e enfrentou significativas quedas orçamentárias, especialmente durante o governo Bolsonaro, quando o Fundo foi paralisado, resultando em um orçamento de apenas R$ 525 mil para o ano de 2022.
O novo Plano de Transformação Ecológica tem como objetivo não apenas retomar o Fundo Clima, mas também posicioná-lo como o principal veículo para a transição energética brasileira. Para alcançar esse fim, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) estima que os recursos do Fundo Clima devem aumentar de R$ 634 milhões em 2023 (o maior valor já registrado) para R$ 10,4 bilhões em 2024. Esse aumento está relacionado à modificação na origem dos recursos do Fundo, que passarão a incluir não apenas os royalties do petróleo, mas também os títulos soberanos sustentáveis.
O desafio do financiamento para promover a transição sustentável tem sido um dos principais focos nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas. O presidente Lula, por sua vez, tem destacado a responsabilidade dos países desenvolvidos em financiar a agenda climática dos países em desenvolvimento. Diante da ausência de avanços nesse aspecto, o governo tem procurado por alternativas.
É inquestionável que os bancos públicos, como o BNDES, desempenham um papel crucial na promoção da transição energética e climática. O Brasil se encontra notavelmente atrasado em relação aos países mais desenvolvidos no que diz respeito à infraestrutura necessária para alcançar redução significativa e neutralização das emissões de gases de efeito estufa. Tais objetivos demandam investimentos substanciais em transporte coletivo, mobilidade, saneamento, recursos hídricos e na base produtiva do país.
Se, de fato, o Fundo Clima atingir as cifras esperadas pelo governo, representará um avanço considerável. No entanto, deve-se reconhecer que tais valores ainda são insuficientes para cobrir os custos reais da transição ecológica necessária.
Mercado regulado de carbono
A proposta do mercado regulado de carbono corresponde ao Projeto de Lei (PL) Nº 412/2022, e propõe regulamentar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O PL foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado no meio de outubro de 2023 e já havia sido aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) ainda no ano passado, embora já durante o período de transição de governo. A lei estabelecerá o valor de 25 mil toneladas de CO2 como limite de emissões anuais permitidas para uma empresa. Caso o limite seja ultrapassado, a empresa deverá comprar créditos de carbono. Caso o limite não seja atingido, empresas que emitem entre 10 e 25 mil toneladas poderão vender créditos de carbono – semelhante ao modelo europeu.
O Governo Federal espera aprovar o PL na Câmara Federal em novembro deste ano, quando ocorrerá a 28ª edição da Conferência das Partes 28 (COP 28), que será em Dubai. Dessa forma, o Presidente da República pretende demonstrar ao mundo que estaria fazendo a “lição de casa”, após ter mobilizado a comunidade internacional a empenhar esforços para enfrentar a emergência climática na edição passada da COP, ainda na condição de presidente eleito.
Entretanto, o PL retirou o setor agropecuário do mercado regulado de carbono, sob a justificativa de que tais atividades são Remoções Verificadas de Emissões (RVE) e que a exclusão do setor também é praticada em países do Norte Global. Especialistas que sustentam a versão aprovada do PL afirmam ser impraticável mensurar as emissões do setor, sendo que, na opinião deles, há outros meios para reduzir as emissões de carbono do setor agropecuário. Seriam exemplos a redução de taxas de juros para o financiamento de sistemas e técnicas de produção menos intensivas em carbono, o que já está proposto no Plano Safra 2023/2024.
Em contrapartida, especialistas que criticam a exclusão do setor agropecuário no mercado regulado de carbono refutam tal argumento, uma vez que o segmento de biocombustíveis mensura suas emissões de carbono, para sustentar que estes são menos intensivos em carbono do que os combustíveis fósseis. Esses especialistas também consideram inválida a comparação com países do Norte Global, onde o setor agropecuário não é o maior emissor.
No Brasil, o setor agropecuário é responsável por 25% das emissões. Mas o principal emissor de gases de carbono no Brasil é o desmatamento, que é responsável por 50% das emissões totais e está associado à expansão da fronteira agropecuária. Portanto, um mercado regulado de carbono que não irá regular o setor econômico mais intensivo em carbono não estaria comprometido, de fato, com a descarbonização da economia brasileira. Isso posto, o real motivo da exclusão do setor agropecuário do SBCE seria a necessidade de conquistar o apoio da Frente Parlamentar Agropecuária (ou bancada ruralista) para aprovar o projeto de lei.
Desde o início da nova administração federal, temos procurado compreender suas ações para implementar a agenda sustentável no Brasil, uma das principais marcas do Presidente da República na última campanha eleitoral. Em nossa última publicação, afirmamos que a ausência de um plano estratégico coordenado deixa lacunas em relação à efetividade da implementação dessa agenda. Agora, após o lançamento do Plano de Transformação Ecológica, nota-se a permanência de contradições, entre as quais a leniência do Governo Federal diante da necessidade de o setor agropecuário se adaptar às mudanças climáticas.
Tal leniência poderá também desagradar o setor industrial, que estará incumbido de reduzir suas emissões diante de um setor agropecuário sem nenhuma restrição, apenas com incentivos para mudanças rumos à sustentabilidade. Isso, por sua vez, poderá comprometer o engajamento da indústria nacional em aderir à agenda da reindustrialização verde, que também é proposta pelo Governo Federal.
Desafios e esperanças rumo à jornada de Transição Ecológica
Em agosto passado, apresentamos preocupações quanto à ausência de um plano de governo com diretrizes concretas para a sustentabilidade no Brasil. O lançamento do Plano de Transição Ecológica, pouco menos de um mês depois, revela o alinhamento das análises prévias, feitas aqui no Opeb, com perspectivas futuras.
No entanto, ainda que seja muito positiva a criação de um Plano com objetivos sustentáveis, ainda existem preocupações significativas sobre a implementação eficaz dessas propostas. O plano não inclui o setor agropecuário no mercado de carbono regulado, um dos principais setores responsáveis pelas emissões de CO2 no Brasil, levantando questões sobre a eficácia real em alcançar a descarbonização da economia brasileira. Além disso, a exclusão desse setor pode ser uma tentativa de ganhar apoio político da Frente Parlamentar Agropecuária, introduzindo contradições dentro do plano e questionando a coerência das políticas sustentáveis do governo. Portanto, embora o plano represente um passo na direção certa, sua eficácia e compromisso genuíno com a sustentabilidade ainda são incertos, especialmente considerando os desafios políticos e econômicos enfrentados na sua implementação.
Surgem ainda preocupações cruciais quanto à implementação efetiva do Plano, que permanece uma incógnita, especialmente dadas as dificuldades políticas e a resistência de certos setores da economia. O desafio de equilibrar o apelo por investimentos sustentáveis com as expectativas de lucro dos investidores permanece uma incerteza, levantando a questão sobre se os investidores estão verdadeiramente dispostos a sacrificar lucros em prol da sustentabilidade – dado que os retornos de investimentos são maiores quando os danos ambientais são considerados externalidades à iniciativa – algo que é claramente fora de qualquer padrão de sustentabilidade.
Crocco e Feil destacam três dimensões de riscos associados a mudanças climáticas, podendo-se considerar que tais riscos aplicam-se de forma geral a impactos no meio ambiente e a transições para a sustentabilidade.
A primeira categoria refere-se a riscos físicos, os quais dizem respeito a variações das condições climáticas e seus impactos diretos no meio físico e biótico, com consequências para as atividades econômicas. Desta forma, ondas de calor, excesso de chuvas, aumento no nível dos mares seriam exemplos de variações que, nas palavras dos autores, “impõem danos a propriedades e afetam significativamente o comércio de bens e serviços”.
A agricultura, em especial a agropecuária, tem sido fonte de grande alterações na cobertura vegetal e emissões de carbono. Desta forma, ela é a principal responsável no Brasil por mudanças que afetam toda sociedade – e impactam a própria atividade agropecuária. Enchentes no Sul do país e seca no Norte são exemplos recentes de comportamentos climáticos extremos, mas cuja intensidade não tem sido capaz de alterar a mentalidade dos agropecuaristas, que relutam em admitir que há problemas em sua atividade e assumir custos associados à redução de impactos e à transição.
Para o sistema financeiro, esse comportamento implica em riscos, dados que até o momento a alternativa de negociação com o setor é a concessão de financiamentos com taxas de juros privilegiadas. Ou seja, o setor financeiro é chamado a conceder privilégios, sem garantia de que mudanças de comportamento ocorram, ou, ao menos, ocorram na velocidade necessária para não afetar o desempenho não apenas da atividade agropecuária, mas também do conjunto da economia – que também recebe financiamentos bancários.
A segunda categoria proposta por Crocco e Feil diz respeito aos riscos de responsabilidades, que são aqueles ligados à possibilidade de que agentes afetados negativamente por mudanças climáticas venham a demandar, daqueles que consideram responsáveis, compensação financeira pelos danos sofridos. Os mercados de seguros e resseguros enfrentam grandes dilemas em relação a possíveis danos colaterais (num sentido se impacto diferente daquele proposto por Zygmunt Bauman), o que demanda uma definição taxonômica bastante precisa, e de difícil negociação, como forma de orientação de financiamentos a atividades econômicas.
A terceira e última categoria refere-se a riscos de transição, que, por sua vez, estão relacionados aos ajustes necessários para mudanças nos processos produtivos. Diz respeito a mudanças de modalidades de produção de elevado conteúdo de carbono para uma matriz produtiva de baixo carbono, além das consequências socioeconômicas dessas mudanças. Os autores citam como exemplo “impostos sobre carbono, novos regulamentos ou regras de produção de certos bens, desenvolvimento e implantação tecnológica, evolução das preferências do consumidor, litígio (Carney, 2018)” (CROCCO & FEIL, 2021)
Há um ambiente de grande incerteza em relação aos riscos de transição, em função de que alguns setores da economia devem se beneficiar, enquanto outros irão sucumbir. Essas rotas de futuro dependem muito de mudanças tecnológicas em andamentos, num ambiente competitivo capaz de apresentar alterações com rapidez surpreendente.
Portanto, em última instância, a implementação bem sucedida do Plano de Transição Ecológica dependerá da capacidade de o governo brasileiro superar desafios políticos, alinhar ações com seu discurso de sustentabilidade, e garantir que os investimentos sustentáveis sejam não apenas uma opção no mercado, mas um entendimento coletivo de que se trata de necessidade urgente para o futuro do país e do planeta.
Por fim, cabem os questionamentos: realmente essa iniciativa irá contribuir para uma transformação no modelo de desenvolvimento atual, ou está apenas reafirmando a lógica vigente de custo-benefício do mercado financeiro? Estarão os investidores dispostos a adquirir títulos sustentáveis, devido ao propósito que eles carregam, mesmo que isso signifique abrir mão de maiores lucros em outros produtos do mercado? Os diferentes riscos inerentes ao processo não vão gerar competições e desistências que superem a capacidade e a vontade de fomentar no menor prazo possível atividades que garantam a continuidade da vida na Terra como ela (ainda) é?