Questões colombianas

16 de novembro de 2023

 

Por Audrey Andrade Gomes e Gustavo Mendes de Almeida (Imagem: República de Colombia) 

 

Gustavo Petro é presidente da Colômbia desde agosto de 2022 e protagonizou a primeira vitória da esquerda no país. Atualmente, o país é  um dos poucos da América do Sul a romper relações com Israel e enfrenta o poder hegemônico na disputa pela opinião pública. 

 

As eleições regionais colombianas de 29 de outubro de 2023 representaram um duro revés para o presidente Gustavo Petro, no poder desde agosto do ano anterior. Elegeram-se no pleito 32 governadores/as e 1.102 prefeitos/as, além de representantes do poder legislativo. Bogotá, cidade que votou majoritariamente na chapa presidencial de há dois anos, elegeu o centro-direitista de 46 anos, Carlos Fernando Galán, do partido Novo Liberalismo, com 49% dos votos e deixou o candidato do petrismo, Gustavo Bolívar, em terceiro lugar, com 18,7%. Em Medellín, terceira maior cidade, o vencedor foi Federico Gutiérrez, crítico do atual presidente e um dos representantes do uribismo, corrente de extrema-direita liderada pelo ex-presidente Alvaro Uribe (2002-2010). Em Bucaramanga, Jaime Andrés Beltrán, o autodenominado “Bukele bumangués”, alcançou o maior número de votos. Por fim, em Barranquilla e em Cali não foi diferente, a vitória foi entregue a opositores de Petro e representantes da direita empresarial do país, Alex Char e Alejandro Éder, respectivamente. Apesar disso, Petro publicou em suas redes sociais que 21 dos 32 Estados estarão sob a gestão de pessoas/ organizações que o apoiaram em sua eleição ou que simpatizam com suas propostas.

 

A Colômbia tem vivido resultados sociais significativos desde a eleição do progressista Gustavo Petro. Uma marca de destaque é o inédito reajuste de 16% do salário mínimo, em dezembro de 2022 – o maior desde 1999. As condições de vida dos/as trabalhadores/as também apresentam  melhorias objetivas. O crescimento significativo do PIB superou a expectativa do Banco Central e o índice de desemprego vem caindo desde então. Entretanto, esses resultados não foram suficientes para reter sua popularidade. Desentendimentos internos ao governo e denúncias sobre envolvimento em corrupção podem ter impactado a aprovação do governo Petro e trazido derrotas para suas coligações regionais. 

Acima, imagem publicada por Petro em sua conta no X (antigo Twitter) em 02/11/2023. As cores vermelho e rosa indicam vitórias possivelmente favoráveis a seu governo.

 

Segundo o levantamento feito pelo instituto Invamer entre 30 de setembro e 8 de outubro deste ano, divulgado pelo jornal El Tiempo, a aprovação do governo Petro era de apenas 32%, enquanto a desaprovação alcançava o segundo valor mais alto, 60%. Desde fevereiro, a aceitação do atual presidente vem, gradativamente, decaindo. Uma reportagem da Poder360 apresenta a evolução desses índices ao longo dos primeiros 11 meses do mandato. 


 

A política de Petro

 

Gustavo Petro é ativo em suas redes sociais e busca se comunicar com o público sobre o que ocorre dentro e fora do país. A partir das plataformas digitais, se conecta com seus apoiadores e faz frente às reportagens que considera exageradas ou de má fé. Nas últimas semanas, disputou com grandes veículos de imprensa o discurso sobre um projeto de lei que estabelece novos limites de tributação de imóveis e propriedades, o IPU (Imposto Predial Unificado). O projeto, aprovado no congresso no início do mês de novembro, tem como propósito aliviar a carga sobre pequenos proprietários e distribuir essa cobrança sobre propriedades maiores, estabelecendo um limite de 300% de imposto. Apesar dos efeitos positivos que isso tende a proporcionar para a maior parte da população do país, foi o valor máximo da cobrança que ganhou destaque nos veículos de imprensa.

 

Desde o início de 2023, o presidente busca aprovar reformas no sistema de saúde e, para que tivesse sucesso, convocou a população para ir às ruas demonstrar interesse e apoio pelo projeto de lei que propõe a criação de um sistema unificado (semelhante ao Sistema Único de Saúde brasileiro) e que atribui ao Estado a responsabilidade pela atenção primária de saúde – atualmente, esse serviço é gerido por entidades privadas, as Entidades Promotoras de Saúde (EPS) e não consegue suprir as necessidades da população mais vulnerável. A transformação no sistema de saúde é uma das cinco reformas de base apresentadas no início do governo, as outras são: reforma tributária, reforma política, reforma no sistema educacional, o plano de desenvolvimento nacional e a lei de “paz total”.

 

Além de ter um posicionamento progressista em território nacional, Petro também se posiciona de forma destemida quando o assunto é política internacional. O presidente frequentemente publica em suas redes sociais denúncias e críticas sobre o Estado de Israel e sobre a violência cometida contra a população palestina, e já anunciou que contribuirá com ajuda humanitária em Gaza. Algumas semanas após o início dos massacres em Gaza, decidiu, ao lado da Bolívia e do Chile, romper relações com o Estado de Israel. Além disso, anunciou a fundação de uma embaixada em Ramallah, região ocupada da Cisjordânia.

Vitória inédita

 

A vitória de Gustavo Petro, nas eleições de 2022, marca a primeira vez em que o progressismo conquista o poder na Colômbia. Esse fato inédito carrega em si os fatores que dificultam a realização de uma gestão de fato autônoma, e que represente as pautas levantadas pelo presidente ainda na campanha eleitoral. Para chegar à Casa de Nariño, o atual presidente precisou articular uma extensa coligação, para além do Pacto Histórico – coalizão composta por partidos de esquerda e centro-esquerda que lançou sua candidatura e de sua vice, Francia Marquez. Neste movimento, para angariar apoio no segundo turno das eleições e, posteriormente, para garantir governabilidade, partidos de centro e de direita passaram a compor a base de apoio petrista, em uma frágil aliança que logo se desmantelaria. 

 

Nos primeiros meses essa grande coligação foi importante para o governo aprovar a reforma tributária e a lei que versa sobre a “paz total”, uma das principais bandeiras de Petro diante dos grupos remanescentes da guerrilha rural. Entretanto, os já mencionados desentendimentos nas tratativas para uma reforma no sistema de saúde culminaram com o rompimento entre o governo e alguns dos partidos que o apoiavam, como o Partido Liberal, o Partido Conservador e o Partido de La U, que sozinhos correspondem por 72 das 165 cadeiras do Congresso, bem como 39 das 108 cadeiras do Senado. Todos tinham assento no gabinete de ministros e foram retirados em abril último. Com o fim da aliança, o governo viu crescerem as dificuldades para aprovar seus projetos, comprometendo as promessas de campanha e, consequentemente, o apoio popular.

 

O cenário colombiano é desafiador para um governo que pretende realizar mudanças profundas em uma série de aspectos do Estado, que ao longo de seu desenvolvimento foi consolidando o domínio de uma direita liberal na economia e uma conservadora nos direitos sociais. Além disso, fatores que marcaram a história recente do país, como a atuação das guerrilhas e a expansão do narcotráfico, serviram de justificativa para que os EUA passassem a atuar diretamente no país, a partir dos anos 1990, através da instalação de bases militares e da criação do Plano Colômbia, que fragilizaram a soberania do país perante o imperialismo estadunidense. 

 

O presidencialismo de coalizão é uma característica crescente nas democracias de regime presidencialista ao redor do globo. Na ausência de uma sólida base parlamentar “puro sangue”, há a necessidade de se realizarem alianças com diferentes partidos com o objetivo de pôr em marcha os planos para o país. De acordo com os pontos levantados anteriormente, essa questão se torna ainda mais peculiar na Colômbia, onde o governo vive em um constante dilema, entre a preservação da governabilidade e a autonomia para realização do seus projetos. Um governo que se propõe a reformar o Estado necessita de governabilidade, mas também precisa colocar de fato tais reformas em marcha. 

 

Não bastassem as complicações político-ideológicas que a administração enfrenta, escândalos de corrupção envolvendo o ex-embaixador do país na Venezuela, Armando Benedetti, bem como Nicolás Petro, primogênito do presidente, acabaram por fragilizar ainda mais a base de apoio do governo. Ambos os casos jogam luz sobre possíveis irregularidades no financiamento da campanha presidencial.

 

Sabendo que inexiste o instituto da reeleição no país, Petro busca desenvolver uma unificação dos partidos e movimentos que o apoiam. Pelo menos 14 organizações são cotadas para formar um partido unificado, que tenha legitimidade para enfrentar os representantes das classes burguesas na próxima eleição, em 2026. 

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