Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Gabriel Carneiro, Rafael Abrão, Vitor Hugo dos Santos e Ana Tereza Marra
O antagonismo que tem caracterizado as relações entre os dois países em 2020 intensificou-se nas últimas semanas em duas questões principais: a corrida pelo desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19 e o leilão da infraestrutura das redes nacionais de tecnologia 5G.
A Politização da corrida pelo desenvolvimento da vacina
Atualmente, a distribuição e aplicação nacional de vacina contra a Covid-19 depende do estabelecimento de parcerias com universidades e laboratórios estrangeiros. As duas principais fechadas até o momento são do governo Federal com a Universidade de Oxford, visando o acesso a “vacina de Oxford”, e do governo do estado de São Paulo e do Instituto Butantan com a empresa chinesa de biotecnologia Sinovac Biotech, visando a “vacina chinesa”.
Dentre as duas concorrentes, a produzida pela Sinovac é a que aparenta estar em estágio mais avançado de desenvolvimento, sendo que, no final de outubro, a Anvisa já aprovou a compra de 6 milhões de doses da Coronavac pelo governo de São Paulo, as quais só poderão ser aplicadas caso os resultados dos testes do Instituto Butantan demonstrem sua eficácia e haja aprovação da própria Anvisa. De acordo com o governador João Doria, o primeiro lote, com 120 mil doses, deve chegar ao Brasil no dia 20 de novembro. Além disso, outros 40 milhões de doses serão enviadas para que sejam embaladas e rotuladas no Instituto Butantan.
Alvos do olavismo
O avanço nos testes da vacina desenvolvida pela Sinovac e a possibilidade de que Doria torne-a obrigatória no estado de São Paulo têm sido alvo da ala olavista e anticientífica do governo federal. No dia 1 deste mês, grupos apoiadores do presidente realizaram uma manifestação na avenida Paulista, em que se declararam abertamente contrários à vacina da Sinovac, apelidada por estes como “vachina”, e também protestaram contra o governador, chamando-o de “Ditadoria”.
Este fenômeno da crescente rejeição às vacinas, particularmente à chinesa, foi retratado em uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no início de novembro. Dentre as vacinas em produção consideradas pela pesquisa, aquela desenvolvida pela Sinovac é a que possui menor adesão da população, enquanto uma vacina produzida pelos Estados Unidos é a que conta com o maior apoio dos entrevistados. Os dados do Datafolha mostram também que há correlação entre o apoio ao presidente Jair Bolsonaro e a rejeição de uma vacina que tenha sido desenvolvida na China.
Em acontecimentos mais recentes, a Anvisa promoveu uma suspensão momentânea dos testes da vacina da Sinovac, entre os dias de 9 e 11 de novembro, após a ocorrência de um “evento adverso” em um dos voluntários. Este fato acabou gerando especulações acerca de uma politização das vacinas, uma vez que o presidente da República Jair Bolsonaro comemorou em rede social a suspensão como uma vitória política: “(…) Esta é a vacina que Dória queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Além disso, o “evento adverso” foi tido pelo próprio diretor do Butantan, que ficou sabendo pela imprensa da suspensão da Anvisa, como não relacionado a vacina. A controvérsia da interrupção dos estudos alcançou até o STF, que chegou a determinar um prazo de 48h para que a Anvisa explicasse os motivos da paralisação.
O leilão do 5G e a competição entre Estados Unidos e China
As disputas em torno do leilão da infraestrutura brasileira das redes de 5G também ganharam maior latência no período recente. Pode-se traçar o histórico dessas polêmicas desde o primeiro semestre do ano, quando a China se tornou alvo de ataques xenófobos de membros do governo e o presidente Jair Bolsonaro foi obrigado a se retratar com uma ligação direta ao Presidente da China, Xi Jinping, se comprometendo na época a não restringir a participação da Huawei no leilão da tecnologia 5G.
De outro lado, os Estados Unidos intensificaram a pressão para que o Brasil deixasse a empresa chinesa de fora do novo padrão tecnológico de telecomunicações, sob o pretexto de que a empresa seria uma ameaça à segurança nacional do Brasil e à privacidade dos seus cidadãos. Neste contexto, repercutiu a fala de Todd Chapman, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, de que o país não sofreria represálias, mas teria que lidar com as consequências de uma decisão favorável à Huawei.
A estratégia dos Estados Unidos tem sido, portanto, de contenção dos avanços tecnológicos da China em setores estratégicos, justamente por causa dos impactos econômicos abrangentes que são previstos pelo desenvolvimento e adoção da tecnologia 5G, com ampla difusão nas mais diversas atividades e dispositivos, emergindo com uma das bases para a 4ª Revolução Industrial.
Neste contexto, a tensão no Brasil tem escalado nas últimas semanas, com destaque para a visita do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O’Brien, para uma conferência comercial entre os Estados Unidos e o Brasil. No dia 19 de outubro, durante uma reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), foi recomendado que parceiros dos Estados Unidos adotassem fornecedores confiáveis da tecnologia 5G, em detrimento da Huawei, que poderia ser um risco à segurança nacional e roubar informações do país.
Ademais, junto a presença de O’Brien, no dia 20 de outubro, o Ministério da Economia firmou um memorando com o Banco de Importação e Exportação dos Estados Unidos (Eximbank) em que se prevê a oferta de crédito de US$ 1 bilhão por parte do governo americano para financiamento de projetos no Brasil. Além das áreas de energia, infraestrutura e logística, também estaria previsto financiamento dos Estados Unidos no setor de telecomunicações, vinculado à implantação do 5G no Brasil.
As falas de O’Brien não passaram despercebidas, e assim como no caso do comentário de Mike Pompeo de que o Brasil deveria reduzir sua dependência de importações chinesas, a embaixada da China no Brasil manifestou repulsa ao comportamento dos EUA, afirmando que o país possui uma mentalidade de “Guerra Fria” e um “histórico sujo” na área de segurança cibernética.
Intervenção de subsecretário
Além disso, no início de novembro, o embaixador Todd Chapman enviou uma carta para as quatro grandes operadoras telefônicas do país (Oi, Vivo, Claro e TIM), visando marcar uma reunião de seus representantes com o subsecretário do Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente do Departamento de Estado dos EUA, Keith Krach, tendo como pauta a discussão sobre o atual cenário do setor de telecomunicações e a presença do 5G no Brasil. Tal situação as colocou em uma posição delicada, já que a Huawei é um fornecedor relevante de equipamentos para essas empresas, que resolveram não participar da reunião.
Mesmo com o setor de telecomunicações defendendo a liberação de todos os fornecedores, o governo brasileiro tem demonstrado uma posição mais alinhada aos interesses estadunidenses, como pode ser verificado nos dois fatos ocorridos na terça-feira, 10 de novembro, em que o Itamaraty sinalizou apoio aos princípios contidos no plano Clean Network, um projeto elaborado pelo governo dos Estados Unidos com o intuito de proteger os informações particulares de cidadãos seus de “atores malignos” (no caso, o Partido Comunista Chinês) e também o diálogo trilateral Japão – Estados Unidos – Brasil (JUSBE), que visa estreitar os vínculos e valores compartilhados entre as três nações e a promoção de uma ordem internacional livre e aberta. A aliança teria como uma de suas metas “desenvolver uma abordagem comum quanto à utilização de redes 5G transparentes, seguras, e baseadas na livre concorrência e no primado do direito, em linha com suas legislações nacionais, prioridades na formulação de políticas públicas e obrigações internacionais”.
Americanismo e sinofobia nas relações sino-brasileiras
Por um lado, é nítido que a questão do 5G se tornou prioridade na agenda externa norte-americana e que o Brasil, pelo tamanho de mercado que possui para a telefonia e a possibilidade de que uma escolha aqui possa impactar a região, tornou-se uma frente de batalha na qual os EUA encontraram grande interlocução especialmente por conta do posicionamento pró-estadunidense da política externa bolsonarista. Por outro, com a centralização da pandemia como tópico de interesse público cotidiano, o fornecimento da vacina contra o coronavírus se tornou, inevitavelmente, uma pauta politizada, capaz de angariar apoio político e eleitoral, ensejando uma explícita disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria.
Desta forma, as posições políticas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro de alinhamento ideológico aos Estados Unidos e de visões sinofóbicas atravancam e amplificam os conflitos que envolvem questões vitais e de primeira ordem para o Brasil, como o desenvolvimento para a vacina do covid-19 e construção das redes nacionais de 5G, colocando mais tensões nas relações do Brasil com seu maior parceiro de comércio internacional, e dificultando a tomada de decisões mais pragmáticas acerca destes temas que beneficiariam a população brasileira.