14 de junho de 2021
Por Tatiana Berringer, Thiago Fernandes e Gabriela Leite
Somando-se a todos os programas de recuperação econômica e social, o governo Biden conseguiu a aprovação de quase US$ 6 trilhões no primeiro semestre deste ano. Embora essas medidas estejam trazendo bons resultados, há um sinal de alerta, emitido pelos republicanos, sobre um possível superaquecimento da economia.
Passados 100 dias do novo governo dos Estados Unidos, é chegada a hora de um compromisso costumeiro naquele país: a primeira análise do governo. Esta prática política teve início com o presidente Franklin Delano Roosevelt. Tendo isso em vista, Joe Biden afirmou que a crise econômica em decorrência da crise sanitária da pandemia do novo coronavírus é a pior desde a Grande Depressão, por isso, é necessária a “reconstrução econômica” do país, em resposta a este momento conturbado. Assim, a perspectiva que se apresenta em relação ao programa de governo de Biden é uma agenda de um Estado que participa da economia de forma mais ativa. Mas, o panorama político de disputa entre Executivo e Legislativo acena para um clima de constante negociação.
O primeiro passo proposto pelo presidente democrata foi o “Plano de Infraestrutura”, incluindo principalmente modernização dos sistemas de transporte, rodovias e ferrovias, e sistemas de distribuição de água e luz, moradias populares, além de um aumento considerável de investimento em pesquisa. Esse plano tende a contribuir para a geração de emprego. Para isso, planeja-se elevar por 15 anos a taxa de imposto das empresas nacionais de 21% para 28%, e ainda cogita-se que as corporações multinacionais paguem mais impostos sobre lucros e reservas no exterior. O segundo passo foi chamado de “Plano para as Famílias Americanas”. Trata-se de políticas de correção de desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero. Biden propôs projetos de lei para melhoria das condições de trabalho e acesso à saúde, segurança alimentar, investimentos em educação infantil e superior, e outros programas sociais. Para isso, também espera-se conseguir a contribuição da parcela mais rica da população para viabilizar o projeto, e quer fazê-lo a partir do aumento da taxa marginal do imposto de renda, de 37% para 39,6%.
Diante desse quadro, qualquer tentativa de comparar Estados Unidos e Brasil seria hoje uma tarefa difícil. De um lado, Biden declarou guerra à pandemia de coronavírus, e está travando uma recuperação econômica. Do outro lado, o presidente brasileiro mostra seu total despreparo e adota uma política neoliberal tout court.
Somando-se a todos os programas antes mencionados, o governo Biden conseguiu a aprovação de quase US$ 6 trilhões no primeiro semestre deste ano. Embora essas medidas estejam trazendo bons resultados, há um sinal de alerta, emitido pelos republicanos, sobre um possível superaquecimento da economia. Segundo a última estimativa da Agência de Análise Econômica americana (BEA, sigla em inglês), divulgada no dia 27 de maio de 2021, o PIB dos EUA teve um crescimento anual de 6,4% no primeiro trimestre deste ano. No período anterior, este crescimento foi de 4,3%. O resultado coincide com as projeções do FMI, divulgadas no relatório Perspectiva Econômica Global em 5 de abril, e é muito próximo da expectativa do FED, de 6,5%. Já no Brasil, as perspectivas não são tão boas: segundo o boletim Focus do Banco Central publicado no último dia 24, o PIB brasileiro terá um crescimento de apenas 3,52% neste ano. O FMI previu um avanço de 3,7%. Para o Fundo, o desemprego brasileiro é um fator preocupante: espera-se que o país amplie a taxa de 2020, de 13,2%, para 14,5% neste ano, o que piora a realidade social do país consideravelmente. Um estudo publicado no dia 22 de abril pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo aponta: em 2021, o Brasil terá 9,1 milhões de pobres a mais do que em 2019, quando já se somavam 51,9 milhões de pessoas nessas condições. No caso dos extremamente pobres, neste ano 5,4 milhões de brasileiros serão adicionados à conta que somava 13,9 milhões antes da pandemia. Para além do baixo crescimento econômico, esta realidade se relaciona à alta da inflação. Segundo o Boletim Focus, o IGP-M, índice que mede os preços gerais da economia, fechou em 16,82% no dia 21 de maio, e o IPCA, índice que mede os preços para o consumidor final, em 5,24%. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego cairá de 8,1% em 2020 para 5,8% em 2021, ainda segundo o FMI. Já o índice de preços das PCE (sigla em inglês para despesas de consumo pessoal) sofreu um aumento de 3,7% no primeiro trimestre deste ano, como aponta a BEA. No último trimestre de 2020, esse aumento foi de 1,5%. Segundo a agência, o PIB real do país cresceu, dentre outros fatores, devido ao aumento destas despesas individuais, além dos gastos governamentais e da diminuição dos investimentos privados em estoque, que ocorreu majoritariamente no comércio varejista.
No Brasil, esta disputa é assistida com olhos atentos no mercado financeiro, já que mudanças nas políticas econômica e monetária dos Estados Unidos têm impacto sobre a economia brasileira, especialmente na bolsa de valores e taxa de câmbio. Além disso, outro fator preocupante por aqui é a crise hídrica, que ronda o setor energético com a ameaça de escassez. Isto pode aumentar ainda mais a inflação ao consumidor e, consequentemente, dificultar a vida dos mais pobres, que cada vez mais têm se visto na dura posição de escolher entre comprar alimentos ou pagar as contas do mês. Com relação a esta parcela da população, a ajuda tardou neste ano: a nova rodada do auxílio emergencial só começou em abril, devido à aprovação da PEC em março. O pagamento da segunda parcela terminou no último domingo (30) e a terceira começará a ser paga em 17 de junho. A demora se deveu, em geral, à aprovação tardia do orçamento de 2021, o qual previa uma expansão dos gastos públicos para o enfrentamento à pandemia. Assim, os gastos para além do teto, que em abril do ano passado geraram um déficit de R$93 milhões, não foram um problema este ano: no mesmo mês, obteve-se um superávit de R$16,5 bilhões, que foi resultado, também, de um aumento na arrecadação do país. No total, o saldo positivo deste ano chega aos R$41 bilhões. O secretário do Tesouro Nacional, Jefferson Bittencourt, afirmou para Folha de São Paulo que a redução nos gastos se deveu a um aprendizado do governo nas formas de lidar com a pandemia, e não a uma demora na execução dos programas. Contudo, a situação geral do país tende a apontar na direção contrária.
Assim, as disputas no Congresso estadunidense se voltam a progressivos aumentos nos gastos públicos para uma ascensão da potência pós-pandemia ao mesmo tempo em que a vacinação caminha a passos largos, o desemprego cai e a retomada plena e segura é uma realidade mais palpável a cada dia. Já no Brasil, os cortes de gastos continuam e há um prolongamento dos efeitos da crise gerada pela pandemia, que podem se tornar crônicos, como afirmou o economista Ricardo Paes Lemos. São contextos bastante adversos, evidentemente, porém, vale lembrar que no próprio relatório de abril, o FMI, após projetar um crescimento de 6% para o PIB global, afirmou que este vai depender largamente do avanço conjunto da vacinação no mundo e que deve haver um esforço de todos os países em direção a este objetivo. E desta relação entre vacinação e investimentos públicos os EUA têm se mostrado como o grande exemplo mundial, diferentemente do Brasil.