A (des)internacionalização das empresas brasileiras

14 de junho de 2021

Por Hanna Campeche Cruz, Leonardo Poletto di Giovanni, Mariana Pessoa de Freitas, Renata Nogueira Alencar, Thais Felix Padela [1]

Há um fenômeno novo ocorrendo, que pode ser chamado de “desinternacionalização” das empresas brasileiras. O mais próximo que o Brasil chega de internacionalização é a de fora para dentro, das empresas estrangeiras comprando ativos, públicos e privados, no Brasil.

O esforço da internacionalização de empresas brasileiras

O retrocesso da imagem do Brasil no exterior reflete não somente a diplomacia bizarra, mas também o apequenamento na inserção econômica, que já foi mais propositiva.

O governo Lula foi marcado pela retomada do protagonismo nacional e do uso estratégico do cenário internacional para favorecer interesses brasileiros – tanto sociais quanto econômicos. Principalmente na década de 2000, houve um reforço ao poderio econômico e de investimento brasileiro não só internamente, mas também no exterior. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi mobilizado para financiar, por meio de linhas de crédito especiais, a  internacionalização do que foram chamado de  “campeões nacionais”, empresas brasileiras de maior porte com potencial de disputar com  grandes players internacionais.

Todo esse protagonismo pode ser lido como um esforço em promover a internacionalização externa, ou seja, levar o Brasil, sua economia, influência política – e, mais concretamente suas empresas -, para o mundo, e não apenas abrir o Brasil para as empresas internacionais. Neste artigo, veremos casos de empresas brasileiras que fizeram parte desse processo de internacionalização, a saber: Petrobras, Braskem e Embraer, bem como a maneira com que essa prática foi desarranjada nos últimos anos.

Petrobras voltando para casa

O processo de internacionalização da Petrobras se iniciou antes do desenvolvimento das atividades de exploração no pré-sal, um processo que se acelerou nos anos 2000. Naqueles anos, a Petrobras aumentou consideravelmente a sua presença na América do Sul, participando tanto da exploração e produção, mas também logística, refino e distribuição.

Com a descoberta das reservas do pré-sal, em 2007, houve uma reorientação na política de internacionalização, dada a necessidade de um gigantesco montante de recursos para o desenvolvimento e a viabilização da exploração dos campos do pré-sal, mas sem retirar-se das posições que ocupava.

Ainda no segundo governo Dilma decidiu-se pela não inclusão de novos projetos exploração e produção fora do Brasil. E a Petrobras vendeu, inclusive, sua subsidiária Petrobras Energia Peru (PEP) para a chinesa CNPC.

Mas foi com Michel Temer na Presidência da República que a Petrobras muito rapidamente teve a sua política transformada completamente. Em nível nacional, isso se deu com a aceleração dos leilões do pré-sal, a diminuição do conteúdo local das fornecedoras de máquinas e equipamentos e a privatização de diversos ativos da empresa. No âmbito internacional, foram seguidas diretrizes semelhantes, com a aceleração muito rápida da liquidação de ativos no exterior. Assim, a Petrobras fechou, já em 2016, um acordo para a venda da Petrobras Argentina para a Pampa Energia, no valor de US$ 2,6 bi.

Em 2018, a Petrobras, por meio de sua subsidiária Petrobras America Inc (PAI) formou uma joint venture com a Murphy – na qual a PAI ficou com 20% de participação – para exploração e produção de petróleo em águas rasas e profundas no Golfo do México, EUA. Na prática, essa fusão significou uma diminuição da participação e presença da estatal brasileira nos EUA. Isso foi seguido, em 2019, da venda da refinaria de Pasadena, na Califórnia.

Em 2020, a Petrobras anunciou a venda da totalidade das ações da Petrobras Colombia Combustibles, praticamente consolidando a sua saída do mercado de refinados e distribuição de combustíveis no exterior. Em 2021 a Petrobras também concluiu a venda da sua subsidiária no Uruguai, que atuava na distribuição e comercialização de derivados, sendo a segunda maior deste setor no país. Também deixou a área de distribuição de fertilizantes líquidos, segmento na qual era a principal empresa.

Com esse breve panorama das vendas de ativos no exterior se nota que a internacionalização interrompida e revertida da Petrobras na América do Sul continha a atuação em diversos segmentos da cadeia de petróleo e gás, não se limitando apenas a E&P, mas também abrangendo a distribuição e comercialização, contando com terminais, rede de postos e atuação no segmento de fertilizantes e lubrificantes. A Petrobras deixou de ser um grande player na América do Sul por orientação do governo.

Braskem quo vadis?

Com bases operacionais no Brasil, nos EUA, no México e na Alemanha e escritórios em mais de 16 países, a Braskem, além de ser líder das Américas na produção de resinas termoplásticas, é a única petroquímica integrada do Brasil e a maior produtora de plástico polipropileno nos EUA. A empresa foi criada em agosto de 2002 pela fusão de seis subsidiárias do grupo Mariani e Odebrecht, tanto no cenário nacional quanto internacional, e se fortaleceu com uma joint-venture com a Petrobras durante o governo Lula.

Os primeiros passos para o processo de internacionalização da Braskem aconteceram no mesmo ano de sua fundação, quando suas ações foram lançadas na bolsa de valores de NY e de São Paulo, além de serem fundados escritórios no exterior, mais especificamente na Argentina e nos Estados Unidos. Em 2003, suas ações foram listadas na bolsa de Madrid.

Porém, um dos maiores esforços de internacionalização da Braskem se deu em 2009, quando a petroquímica brasileira se juntou à estatal do México, Idesa, e venceram um leilão promovido pela PEMEX Gas, formando a joint-venture Braskem-Idesa, da qual a Braskem possui 70% da participação, com o intuito de inaugurar um complexo petroquímico. O complexo foi inaugurado em 2016 e contou com US$ 5,2 bilhões investidos com o objetivo de suprir o mercado interno mexicano, que dependia da importação de polietileno.

Em 2019, a petroquímica internacional LyondellBasell, registrada na Holanda, chegou a negociar a compra da Braskem, mas acabou desistindo em razão da crise financeira e de problemas judiciais envolvendo o grupo Odebrecht. Continua, porém,  a haver grande expectativa e pressão por parte do mercado financeiro e dos acionistas em vender a Braskem.

Desde então, com a assessoria do Morgan Stanley, (reconhecido pela sua atuação no setor de fusões e aquisições de empresas), tanto o grupo Odebrecht, que possui 38.3% do capital total, quanto a Petrobras, que possui 36.1%,  dão continuidade aos seus anseios pela venda de suas participações. A Odebrecht porque ainda está se recuperando do impacto da Lava-Jato, que deixou a empresa com enorme dificuldade de pagar suas dívidas. E a Petrobras pela decisão do governo de sair da petroquímica de vez, como parte da decisão de diminuir o peso da estatal.

Segundo a reportagem do Exame, a Morgan Stanley reuniu mais de 40 interessados na aquisição da Braskem. Hoje o valor de mercado da Braskem é de 45 bilhões. A venda da empresa significará não só uma desnacionalização, mas sobretudo a perda de uma empresa de capital nacional que ocupava um papel de destaque no mercado internacional com atuação pelo mundo a fora.

Embraer

A Embraer S.A constitui um conglomerado transnacional. Foi fundada em 1969 como uma empresa de capital misto e privatizada em 1994. Nos anos 2000, a Embraer abriu seu capital e negociou suas ações em São Paulo e Nova York. Atualmente, a maior parte dos acionistas são estrangeiros, detendo 74% do capital total, enquanto os 26% restantes dos acionistas são nacionais.

A Embraer é a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, atrás apenas da Boeing e da Airbus. Graças a seus esforços de reinvenção de um modelo mais econômico de aeronaves de curta distância a jato em 1995, colocou-se no mercado como competidora, ao lado de grandes multinacionais. Com o sucesso desse novo modelo de aeronave, a Embraer expandiu seu mercado consumidor para além das fronteiras e deu início a políticas de internacionalização a partir de diferentes estratégias. Para garantir presença internacional a Embraer utilizou-se de joint ventures, filiais e consórcios. Em 2002, consolidou uma joint-venture com a AVIC II, empresa chinesa de aviação como forma de ingresso das aeronaves produzidas pela Embraer no mercado asiático. Já em 2011, a Embraer abriu sua primeira fábrica nos EUA, em Melbourne, e hoje tem presença em mais 7 localidades por todo o país.

Em 2020, a estadunidense Boeing realizou, com consentimento do governo, uma proposta para adquirir a divisão de aviação comercial da Embraer. O Brasil iria abrir mão de uma das poucas empresas líderes de porte global. Mas, em razão do advento da pandemia e consequentemente da crise generalizada no setor e aviação, a parceria prevista com a Boeing foi cancelada. Curiosamente, mesmo com todo o cenário de recessão no setor, o valor da empresa na bolsa aumentou cerca de 60% em 2021, o que revela a viabilidade da empresa sobretudo com o aquecimento da demanda por jatos privados.

Permanecem porém dúvidas no que diz respeito à capacidade de recuperação no longo prazo, e a pergunta é se isso deve ser somente uma preocupação da empresa ou também do país.

Brasil atual: desinternacionalização externa, internacionalização interna

A partir do início do governo Lula, intensificou-se de forma substancial o processo de internacionalização de empresas brasileiras, estatais e privadas, seja na exportação e ocupação de novos mercados no exterior, seja na presença de empresas brasileiras nesses países. Isso se deu com uma política estruturada de internacionalização das empresas e forte participação do BNDES. Outro fator relevante foi o próprio cenário econômico internacional neste período, do ciclo de alta das commodities e da crise de 2008, que reduziu a presença de multinacionais dos países centrais e possibilitou crescimento de empresas brasileiras já estruturadas no exterior, com especial destaque na América do Sul.

O ano de 2014, mas mais claramente o ano de 2016, com a deposição da presidenta Dilma Rousseff e a chegada de Michel Temer à Presidência da República, marcou uma virada completa tanto na política econômica nacional, com reflexos para a internacionalização das empresas brasileiras. Um fator crucial foi também a forma como a Lava-Jato foi conduzida, diminuindo drasticamente empresas de engenharia de ponta ao invés de se concentrar na responsabilização dos dirigentes envolvidos com  a corrupção. As diretrizes econômicas passaram a ser a de privatização das empresas públicas, retirada da participação ativa do Estado na economia e diminuição drástica do financiamento do BNDES e abandono de programas e políticas de apoio à internacionalização de empresas brasileiras.

Dessa forma, ocorreu nos últimos anos  o que pode ser chamado de  “desinternacionalização” das empresas brasileiras, uma desconstrução do que havia sido montado até então, uma vez que, atualmente, o mais próximo que o Brasil chega de internacionalização é a de fora para dentro, das empresas estrangeiras comprando ativos, públicos e privados, no Brasil.

[1] Agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte pela colaboração

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *