14 de junho de 2021
Por Tatiana Berringer e Thiago Fernandes
O governo Bolsonaro mimetizou o governo Trump na defesa do uso da hidroxicloroquina e na negligência para com a crise sanitária. As consequências são catastróficas.
No dia 18 de Maio de 2021, o ex-Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal acerca da condução do Governo Federal no tratamento da crise sanitária da Covid-19. Em sua fala, entre outros pontos, o ex-chanceler falou das relações diplomáticas com os EUA, particularmente, com a administração do agora ex-presidente, Donald Trump. Ele afirmou que não existia alinhamento e que jamais teríamos entrado em qualquer iniciativa que fosse apenas de interesse estadunidense.
Entretanto, como explicar as ofensas desferidas contra a China, maior parceiro econômico do Estado brasileiro, por este ex-Ministro e outros membros do atual Governo como algo que fosse de interesse do Brasil, e não só dos “parceiros” políticos de Bolsonaro, como Trump? Cabe lembrar que Araújo, em 2020, referindo-se à pandemia, chamou-a de “vírus chinês” e a comparou ao que chamou de “comunavírus”, falas que acabaram estremecendo as relações com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming. Apesar disso, na CPI, o ex-ministro negou que tenha cometido atos que afetaram as relações diplomáticas com o Estado chinês, ou que tenha atrapalhado de alguma forma o recebimento de insumos para a produção de vacinas vindos do país asiático.
Do mesmo modo, o governo Bolsonaro mimetizou o governo Trump na defesa do uso da hidroxicloroquina para tratar Covid-19. Sobre isso, Araújo foi questionado a prestar esclarecimentos sobre a doação feita pelos EUA deste fármaco, no dia 31 de Maio de 2020. Ele afirmou que Washington teria oferecido ao Brasil a doação de uma carga com 2 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina, que semanas antes havia sido descartada para o tratamento de Covid-19 nos EUA. Esta versão é incompatível com o que foi dito anteriormente pelo embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, que afirma que esta doação foi solicitada pelo Governo Brasileiro, negando que tenha sido oferecida pelos estadunidenses.
Vacina russa
Em relação à vacina Sputnik V. Em Março de 2021, a imprensa brasileira divulgou que, de acordo com o relatório oficial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS) – agência responsável pela área da saúde –, o governo Trump teria “persuadido” Jair Bolsonaro a não comprar a vacina de origem russa, com a justificativa de “combater influências malignas nas Américas”. Na ocasião, a Embaixada dos EUA em Brasília afirmou via Twitter que “nunca desencorajou o Brasil a aceitar vacinas contra Covid-19 que foram autorizadas por seus respectivos órgãos reguladores. Respeitamos o processo de aprovação da Anvisa”. No entanto, esta afirmação contradiz o que consta no relatório do HHS, uma vez que a Sputnik V não tinha naquele momento a autorização para aplicação no Brasil ou nos EUA.
O Itamaraty, em nota, afirmou que “a Embaixada do Brasil em Washington não recebeu consultas ou gestões de autoridades ou empresas dos Estados Unidos a respeito da eventual compra, pelo Brasil, da vacina russa contra a Covid-19”. Em Abril de 2021, a autorização de importação da Sputnik V foi negada pela agência sanitária brasileira, que alegou ter encontrado “falhas técnicas” e falta de “dados básicos” para a aprovação desta vacina. Essa autorização para a importação somente veio a ser concedida pela Anvisa em Junho de 2021, de forma excepcional, e ainda com a imposição de limitações de uso a níveis baixíssimos.
Durante a CPI, Ernesto Araújo quando inquirido sobre este tema, respondeu negativamente. Afirmou o seguinte: “Jamais recebi nenhuma pressão nesse sentido, nenhum contato nesse sentido de qualquer autoridade americana e não tenho conhecimento de nenhuma outra autoridade brasileira que tenha recebido esse tipo de pressão.” Dessa maneira, como já se poderia esperar a negativa, na versão do ex-chanceler não seria fato as informações que constam no relatório do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA.