Como o Brasil pode ser afetado pela crise da Evergrande?

05 de outubro de 2021

Por Brenda Neris Gajus, Filipe Porto, Vanessa Cristina Pitondo Rodrigues e Vitor Hugo dos Santos
(Foto: Reuters)

Os impactos para o Brasil podem ocorrer no comércio exterior, principalmente nas exportações de minério de ferro, e, potencialmente, a partir de mudanças nas condições de acesso a recursos nos mercados internacionais.

O grupo chinês Evergrande, uma das maiores incorporadoras imobiliárias do mundo, atraiu a atenção do mercado financeiro desde que divulgou um comunicado à Bolsa de Valores de Hong Kong, no dia 14 de setembro, alertando para o risco de inadimplência devido à insuficiente arrecadação de fundos e o contínuo declínio nas vendas de imóveis. Desde então, busca-se entender quais os impactos que essa crise poderá trazer ao Brasil. Destacam-se preocupações, no geral, de duas ordens: no comércio exterior e no mercado financeiro.

 

Impactos no comércio exterior

Em um primeiro momento, a principal preocupação relacionou-se ao comércio exterior. A China tem sido desde 2009 a principal parceira de trocas e maior fonte de superávit comercial para o Brasil. A possibilidade de que a crise do grupo Evergrande pudesse afetar a economia real da China e diminuísse o seu crescimento foi apontada como aspecto que pode causar impacto a economia brasileira.

Sabe-se que, de modo geral, o setor imobiliário desempenha um papel fundamental no funcionamento da macroeconomia chinesa, representando cerca de 20% do PIB. A crise nesse setor poderia levar a uma diminuição de consumo e, portanto, das necessidades chinesas de comprar do exterior. Isso afetaria não só as exportações brasileiras para a China, mas também as de outros países, causando um efeito em cascata no comércio internacional, com impactos sobre a economia do mundo todo.

Como o setor imobiliário chinês mobiliza longas cadeias de produção domésticas e globais, o impacto sobre alguns produtos específicos, em destaque o minério de ferro, muito usado no setor, também foi especialmente apontado como preocupante para o Brasil. Dados da Comex Vis, entre janeiro e agosto de 2020, apontam que 32% (o equivalente a 20,5 bilhões de dólares) das exportações nacionais para a China são compostas por minério de ferro e seus concentrados. Mesmo que o preço do minério de ferro já estivesse nos últimos tempos em uma trajetória de baixa nos preços supervalorizados e retomada a um patamar mais equilibrado, um possível agravamento da crise imobiliária na China poderia gerar impactos negativos nas exportações brasileiras desse produto e nas empresas envolvidas nesse mercado, bem como levar a diminuição adicional dos preços.

De fato, após o alerta da empresa chinesa, no dia 20 de setembro, o Índice Bovespa caiu 2,33%, fechando com 108.834,74 pontos, o menor resultado desde 23 de dezembro de 2020. Dentre os motivos para isso, estaria a desvalorização das ações da Vale – que perdeu o posto de maior companhia latino americana, considerando o valor de mercado, para a argentina Mercado Livre -, gigante do setor de extração de minérios, especialmente do minério de ferro, que assume enorme relevância na pauta de exportações brasileiras para o gigante asiático.

 

Preocupações no mercado financeiro

Sabe-se que na China o sistema bancário é altamente controlado pelo governo e o mercado financeiro ainda se mantém relativamente fechado, o que diminui em muito a probabilidade de os problemas extrapolarem para uma crise sistêmica no estilo que foi a quebra do Lehman Brothers. Ainda, espera-se que o governo chinês intervenha para garantir um calote ordenado.

Contudo, é possível que haja consequências (i) para outras incorporadoras com dívidas elevadas e, potencialmente, (ii) pode haver impactos para o mercado financeiro chinês de forma mais ampla e nos países emergentes. No primeiro caso, a possibilidade de calote da Evergrande, e as incertezas sobre como se dará andamento a sua dívida, afetam a classificação de risco e os preços dos bônus de empresas em situações parecidas, o que torna mais difícil para elas conseguirem captar recursos no mercado, criando um problema de liquidez. 

O governo chinês tem tentado prevenir que isso ocorra, tendo injetado US$ 15,5 bi no mercado financeiro chinês, contudo o comportamento do mercado de bônus para empresas do setor ainda está impactado.

No que se refere aos impactos no mercado financeiro chinês e países emergentes, como o Brasil, o mecanismo é semelhante. Permanecendo a volatilidade no mercado chinês, principalmente diante das incertezas regulatórias que pairam sobre diversos setores, é possível que investidores passem a demandar prêmios maiores para lidar com ativos chineses, o que tem potencial para repercutir também nos mercados emergentes, que podem, então, terem mais dificuldades para acessar capital nos mercados externos. 

Essas dificuldades podem se refletir em uma menor recepção de investimentos internacionais e na desvalorização da moeda, o que no caso do Brasil – que teve a quarta moeda que mais desvalorizou no primeiro semestre de 2021 – pode causar impacto adicional na inflação. Lembra-se que segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação nos últimos 12 meses chegou a 9,68%. A desvalorização do real afeta negativamente a inflação, pois aumenta o valor pago em reais a produtos importados ou referenciados pelo mercado internacional, como é o caso do petróleo e outras commodities. Em um momento em que muitos setores econômicos já estão fragilizados pelos últimos um ano e meio de pandemia, essas dificuldades podem ser a gota que transborda o copo.

 

Incertezas regulatórias e o setor imobiliário na China

Simultaneamente visto como chave central para o crescimento econômico do país, mas também uma fonte potencial de risco sistêmico, o setor imobiliário chinês tem passado por consideráveis flutuações nos últimos anos, com a Evergrande inclusive operando com fluxo de caixa negativo frequentemente.

Embora o setor imobiliário chinês seja bastante lucrativo, a crise da Evergrande decorre de novas restrições às vendas de casas, à medida que Pequim tenta controlar os preços dos imóveis para lidar com as crescentes preocupações com o elevado preço da moradia. Sob o slogan da “Prosperidade Comum”, o setor é considerado altamente sensível para a capacidade de consumo das famílias e o bem-estar social. Dessa forma, empresas como a Evergrande tornam-se alvos da vigilância, supervisão e regulamentação tanto do governo central quanto das administrações locais, que impõem um controle mais rígido sobre as empresas privadas de habitação. Os altos custos dos imóveis são considerados excessivos e um desincentivo para o aumento das famílias frente aos desafios demográficos do país, como o declínio do tamanho da população em idade ativa, o aprofundamento do grau de envelhecimento populacional e a diminuição no número de nascimentos.

Com o mundo cada vez mais atento às questões climáticas e ambientais, o desenvolvimento sustentável tem estado na agenda de muitos países nos últimos anos e não poderia ser diferente para a China. O setor de construção civil consome enorme quantidade de recursos naturais e energia, produz uma grande quantidade de resíduos e contribui com quantidades significativas de emissões de Gases de Efeito Estufa.

Recentemente, a China aprovou uma série de mudanças regulatórias, como as chamadas Three Red Lines“, que redefinem os critérios de empréstimos que os bancos poderão oferecer para as empresas baseados nos valores de suas dívidas. Foi por não cumprir tais critérios que a Evergrande perdeu capacidade de se financiar e passou a ter perigos de liquidez. Paralelamente, o governo chinês tem mudado regulações internas em várias frentes, impactando o mercado da educação, mídias sociais, fintechs e criptomoedas. Assim, para além do fato concreto da Evergrande, qual será caminho das regulações chinesas e em que setores ela vai chegar é o que tem gerado tantas incertezas e especulações.

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