Como a guerra na Ucrânia está atingindo o comércio no mundo?

18 de abril de 2022

 

Por Gustavo Rocha Botão e Leonardo Brandão Rocha (Foto: Unsplash)

 

Iniciado em fevereiro, o conflito entre Rússia e Ucrânia precipitou abalos no comércio mundial. Grandes exportadores agrícolas, ambos países possuem em sua pauta exportadora de commodities produtos como o óleo e sementes de girassol, e o trigo (53% e 27% de fatia do mercado global, respectivamente). Além da produção agrícola, a Rússia é uma das maiores produtoras de fertilizantes do mundo, a segunda maior exportadora de petróleo e grande produtora de gás natural, abastecendo o mercado europeu, especialmente o alemão.Dessa forma, as sanções impostas à Rússia diminuem a oferta dos produtos russos exportados no mundo. 

Esses fatores levam ao aumento global nos custos de alimentos, seja pela redução na oferta de gêneros alimentícios como o trigo, seja pela escassez de fertilizantes na agricultura de países produtores agrícolas, como o Brasil, maior importador de fertilizantes do mundo, seguido por Índia, Estados Unidos e China. Os fretes também sofrem com o aumento de preços em razão do encarecimento dos combustíveis, do fechamento de espaços aéreos e da reorientação de rotas marítimas, afetando as cadeias globais de valor, já combalidas pela pandemia mundial de Covid-19. 

No plano doméstico, a inflação global pressionará os países em desenvolvimento a aumentarem suas taxas de juros, freando a retomada de suas economias e achatando a renda dos trabalhadores, assim como aumentará a insegurança alimentar dos Estados mais dependentes dos produtos agrícolas russos e ucranianos. Nesse sentido, a atuação dos países, especialmente na Organização Mundial do Comércio (OMC), tem se dividido entre aqueles que defendem as sanções contra a Rússia e os que temem a piora das condições no comércio global.

 

Os posicionamentos dos países em relação ao conflito na Ucrânia

Os Estados Unidos e seus aliados do Grupo de Coordenação dos Países Desenvolvidos (DCCG em inglês) têm intensificado seu boicote à Rússia na OMC, com o anúncio, dia 4 de março, da suspensão do país do grupo. Além disso, um grupo de quatorze membros da OMC, composto por Albânia, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Islândia, Japão, Macedônia do Norte, Moldávia, Montenegro, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e União Europeia anunciou formalmente que não irá mais oferecer direitos de nação mais favorecida à Federação Russa, com a União Europeia suspendendo todas suas litigâncias pendentes contra a Rússia no Órgão de Solução de Controvérsias da Organização. 

Represálias também recaíram sobre Belarus em razão de sua colaboração com o governo russo no conflito, e sua adesão à OMC foi boicotada pelo grupo de quatorze membros, a maioria países desenvolvidos. Por outro lado, Brasil, México, países africanos e a maioria dos asiáticos se abstiveram de assinar a declaração conjunta proposta pelo grupo.

A Diretora-Geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, expressou preocupações com a quebra de cadeias de suprimento de alimentos e com as restrições às exportações de grãos e óleos vegetais impostas por alguns países, sob o temor de uma crise de escassez mundial de alimentos. A economista nigeriana ainda prevê uma queda nos fluxos de comércio global no ano de 2022. Essa preocupação também é compartilhada pela FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura), que estima que o preço mundial dos alimentos sofra uma alta de 20%.

Fora do âmbito da OMC, os Estados Unidos e seus aliados excluíram a Rússia do sistema de pagamentos SWIFT, congelaram aproximadamente 300 bilhões de dólares em reservas internacionais russas e anunciaram sanções à indústria de petróleo e gás do país, levando a um choque internacional dos preços destes produtos. Em resposta a essas medidas, o governo de Vladimir Putin iniciou o uso de meios de pagamento alternativos como o SFPS russo e o CIPS chinês, além da implementação de um pacote de nacionalizações, com o propósito de reduzir os efeitos das sanções internacionais na economia do país. Como reação ao congelamento de ativos russos em dólar e forma de driblar as sanções dos Estados Unidos e aliados, o governo russo passou a exigir o pagamento das importações de petróleo e gás em rublo, o que afeta especialmente as vendas dessas commodities para países europeus como a Alemanha.

Além disso, várias empresas ocidentais deixaram a Rússia em represália à ação russa no conflito. A Apple, por exemplo, anunciou a interrupção de todas as vendas de produtos como uma ação em resposta à invasão russa da Ucrânia, inclusive suspendendo o download, na Apple Store, de aplicativos de mídias estatais russas como a RT News e a Sputnik News. A Samsung suspendeu todos os envios de celulares e TVs à Rússia. A Hyundai e a Honda, juntamente com outras montadoras, anunciaram a suspensão das atividades na Rússia. Já a Microsoft suspendeu a venda de produtos e serviços, além de derrubar conteúdos e aplicativos de duas redes financiadas pelo governo russo. A publicidade às buscas de grandes empresas foi afetada com o anúncio de suspensão pelo Google, Youtube e parceiros com o intuito de combater a desinformação sobre a Ucrânia. 

 

O posicionamento do Brasil neste conflito

Apesar das críticas à invasão russa da Ucrânia, o governo brasileiro tem expressado preocupações em relação às sanções unilaterais impostas à Rússia e ao interrompimento das exportações de fertilizantes utilizados na agricultura. A ministra Tereza Cristina afirmou que o Brasil errou ao fechar fábricas de fertilizantes e defendeu a exclusão do produto da lista de sanções ocidentais. Para evitar a escassez de fertilizantes no mercado brasileiro, o governo Bolsonaro tem buscado diversificar os fornecedores, enviando a Ministra da Agricultura ao Canadá para adquirir o produto de outros fornecedores e lançando o polêmico Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), que vem atrelado à liberação da mineração em terras indígenas a fim de obter o potássio necessário para a manufatura do produto, cuja proposta de Lei foi aprovada, sob regime de urgência, na Câmara dos Deputados, no dia 9 de março.

Além dos fertilizantes, o choque nos preços do petróleo decorrentes do conflito contribuiu com o encarecimento dos combustíveis no Brasil, o que levou à inflação de outros produtos, especialmente alimentos, que dependem largamente do transporte rodoviário para chegar a seu destino. Apesar de a maioria do trigo consumido no Brasil vir da Argentina e de outros países da América, o conflito na Ucrânia elevou os preços do produto no mercado brasileiro, agravando a já existente inflação no país. A expectativa do governo brasileiro é a de que os fertilizantes comprados da Rússia consigam ser entregues até a próxima safra, juntamente com uma desescalada do conflito, de modo a restabelecer os preços no mercado global.

 

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