04 de outubro de 2022
Por Daniel Rocha, Emanuela Almeida, Lais Pina, Rafael Abrão e Vitor Hugo dos Santos (Foto: Isac Nóbrega/PR)
Apesar da importância da parceria entre Brasil e China, a única menção no plano de governo de Bolsonaro coloca o Brasil como parceiro na segurança alimentar, o que pode ser uma moderação do discurso sinofóbico imposta pela relação com o agronegócio, mas Paulo Guedes declarou a empresários que não quer a ‘chinesada’ entrando aqui
A emergência da China como um dos principais atores internacionais tem repercutido em diferentes partes do mundo. O sistema internacional está aprendendo a lidar com essa ascensão e o Brasil não é uma exceção. A emergência política e econômica da China gerou novas oportunidades de cooperação e levantou desafios para a política externa brasileira.
Analisamos as ideias dos candidatos do campo conservador e suas propostas para as relações Brasil-China.
O plano de governo do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), não faz nenhuma menção direta à China. A política externa teve pouco espaço no documento de 48 páginas, ocupando menos de 3 laudas. A ausência de menções à China surpreende por destoar da atuação da política externa do governo de Bolsonaro nos últimos quatro anos e da sua última campanha eleitoral. Em 2018, pela primeira vez a China foi parte do debate eleitoral no Brasil quando Bolsonaro fez uma visita à Taiwan e passou a dar declarações de que os chineses estariam “comprando o Brasil”.
Após a vitória de Bolsonaro, o tom em relação ao nosso principal parceiro comercial foi amenizado e os interesses da base de apoio do bolsonarismo prevaleceram, especialmente do agronegócio. No entanto, com a pandemia de Covid-19, houve uma radicalização do discurso anti-China que gerou atritos diretos com a diplomacia chinesa, resultando em diversas manifestações do então Embaixador da China no Brasil, Yang Wanming.
Durante a pandemia, a China foi atacada de diversas formas e por diferentes membros do governo, com destaque para Eduardo Bolsonaro (Deputado Federal e filho do presidente), Abraham Weintraub (ex-Ministro da Educação), Ernesto Araújo (ex-Ministro das Relações Exteriores) e pelo próprio Presidente da República. A culpabilização da China pela pandemia e os diversos ataques à “vacina chinesa”, em referência à CoronaVac, desenvolvida pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, foi uma das principais retóricas da comprovada negligência bolsonarista durante a crise sanitária. O próprio presidente Bolsonaro insinuava que a China estaria envolvida em uma “guerra biológica” para propagar intencionalmente o vírus contra outros países.
Além disso, a ausência da China no plano de governo de Bolsonaro surpreende pelo componente ideológico. A crítica ao comunismo e a criação de uma imagem em torno da China de “ameaça externa” se tornou um dos alicerces das ideias bolsonaristas para a política externa, gerando fortes ondas de desinformação em grupos de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, que ecoavam teorias conspiratórias que faziam referência ao “comunavírus” – um termo cunhado por Ernesto Araújo em uma tentativa de ligar o regime comunista chinês à propagação da Covid-19. Desse modo, a China foi, por muitas vezes, acusada de ser um inimigo aos valores da sociedade brasileira.
Apesar da importância da parceria entre Brasil e China, a única menção no plano de governo de Bolsonaro que podemos considerar que se aproxima de alguma discussão em que os chineses estariam incluídos é no trecho em que se cita o continente asiático: “Para a Ásia, o Brasil significa um importante parceiro na segurança alimentar. Assim, é uma atividade estratégica que deve ser incrementada com uso de tecnologia de ponta, pesquisas e respeito ao meio ambiente”. O que parece ser uma moderação do discurso imposta pela relação de Bolsonaro com o agronegócio, assim como constatado no início de seu primeiro governo. Apesar da ausência nos planos de um segundo mandato, recentemente a visão bolsonarista voltou a aparecer em uma fala do Ministro da Economia, Paulo Guedes, em que ele declarou a empresários que “Não queremos a ‘chinesada’ entrando aqui, quebrando nossas fábricas.”
Simone Tebet
O plano de governo de Simone Tebet, do Movimento Democrátio Brasileiro (MDB), não faz menção às relações Brasil-China, contendo apenas diretrizes e objetivos da atuação diplomática do Brasil. Cabe destacar uma de suas diretrizes: o uso da diplomacia para engajar-se nas discussões de grupos plurilaterais dos quais o Brasil participa, tais como G-20 e BRICS, com vistas ao fortalecimento do multilateralismo. Considerando a trajetória política de Tebet em favor do agronegócio, cujas relações com a China são fundamentais, é significativa a ausência de menções ao país em sua campanha.
A candidata reconheceu a importância das relações sino-brasileiras, em entrevista a Jamil Chade, quando perguntada acerca do posicionamento que o Brasil deveria adotar na disputa de hegemonia entre China e Estados Unidos. Na ocasião, argumentou em favor da neutralidade, afirmando que a China é a maior responsável pelo superávit comercial do Brasil, advogando que as relações com o país devem ser estreitadas – assim como as relações com os Estados Unidos. Em outra declaração, durante campanha nas ruas do ABC paulista, a candidata defendeu a reindustrialização do Brasil, prometendo aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro, atingindo níveis internacionais, especialmente de concorrentes asiáticos.
Soraya Thronicke
Soraya Thronicke, candidata pelo União Brasil (UB), faz uma única citação direta à China em seu plano de governo. Ao fazer propostas sobre agricultura e segurança alimentar, a candidata apresenta a China e a Índia como potenciais mercados para alimentos provenientes da agricultura familiar brasileira. A candidata comumente dá grande ênfase às parcerias comerciais internacionais e à produção agrícola brasileira ao falar de política externa. No debate entre presidenciáveis do SBT, a candidata se referiu ao Brasil como “celeiro do mundo” em resposta à pergunta de Simone Tebet (MDB) sobre os altos preços dos alimentos no país. Na tréplica da mesma pergunta, citou diretamente a China em crítica à piora das relações do país com o Brasil sob o atual governo de Jair Bolsonaro (PL), ressaltando a importância do país asiático como o maior parceiro comercial brasileiro.
Felipe D’Avila
Felipe D’Avila, candidato pelo Partido Novo, não faz menções a China em seu plano de governo. Já ao longo da disputa eleitoral, o candidato fez duas menções ao país asiático em suas redes sociais. Na primeira, D’Avila afirmou que o grande desafio do agronegócio brasileiro é deixar de ser um exportador de commodities e se tornar um exportador de bens com maior valor agregado. Segundo o candidato, “se os chineses não embarcarem soja brasileira por três meses, quebra.” Diante dessa declaração, destaca-se, na visão do candidato, a necessidade de transformação, embora tímida, da pauta de exportação nacional e, no que tange à China, a situação de dependência comercial do setor agrícola brasileiro com o país asiatico.
Em um segundo momento, em um vídeo publicado na Internet, o candidato usou um vídeo publicado no Youtube para apontar a China como exemplo na defesa da abertura comercial para o mercado externo como medida para a redução permanente da pobreza, afirmando que “Apesar de ser comunista domesticamente, o que fez a China crescer a um ritmo mais de 8% ao ano durante 40 anos foi ter se tornado uma grande potência no comércio global. E esse crescimento tirou 800 milhões da pobreza. Não tem programa social, não tem auxílio emergencial, não tem Bolsa Família que vai tirar as pessoas permanentemente da miséria sem crescimento econômico”. O candidato ignora, contudo, que a abertura chinesa tenha sido gradual e programada, a partir de políticas que passam longe do receituário neoliberal que ele defende.
José Maria Eymael
Eymael, do Democracia Cristã (DC), é candidato pela sexta vez à Presidência da República, apresenta um Plano de Governo em que promete utilizar a política externa como instrumento de desenvolvimento nacional e focar na busca da paz mundial. No todo, o candidato não traz novidades para os temas sensíveis do Brasil, tanto em seu plano de governo quanto em suas declarações, além de não apresentar soluções detalhadas para o cumprimento de suas promessas, o mesmo ocorre na abordagem da política externa. Em agosto de 2021 o candidato recebeu uma homenagem da comunidade chinesa e assumiu o compromisso de manter o bom relacionamento entre o Brasil e a China.
Padre Kelmon
Um personagem excêntrico nos debates, alinhado com Bolsonaro e autodeclarado “Padre”, Kelmon se lançou candidato pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) por apadrinhamento do presidente do partido, Roberto Jefferson. Jefferson teve a candidatura indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral por sua condenação, em 2012, no escândalo de mensalão. Em julho de 2021, Jefferson protagonizou um dos mais tristes episódios de ataques bolsonaristas à China, ao chamar o então embaixador, Yang Wanming, de “chinês malandro”, “xing ling”, “pilantra”, “macaco”, entre outras ofensas em vídeo publicado nas redes sociais, e pedir a sua expulsão do Brasil. Jefferson foi preso um mês depois, em agosto de 2021, por fazer ataques à democracia em suas redes sociais, o que foi comemorado pelo Embaixador da China em sua conta no Twitter. O plano de governo lançado pelo PTB, ainda com o nome de Jefferson como candidato, não faz menções à China.
Uma ausência inaceitável
Diante dos pontos apresentados, fica evidente que, por mais que a China seja um ator crucial dentro da Política Externa Brasileira, não recebe a devida importância pelos candidatos à presidência do país, sendo inclusive desrespeitada por parte de alguns candidatos, incluindo o atual Presidente da República. Em um cenário de dificuldades econômicas e crescente instabilidade mundial, a negligência quanto à China é, no mínimo, inapropriada, demonstrando ausência de um plano de atuação sólido para o Brasil no sistema internacional, especialmente quando se trata de lidar com um dos maiores parceiros do Brasil em termos políticos e econômicos.