Irã enfrenta protestos com repercussão mundial

04 de outubro de 2022

 

Por Barbara Rodrigues de Souza, Scarlett Rodrigues da Cunha e Gilberto M. A. Rodrigues (Foto: Pixabay)

 

Controle do governo sobre as mulheres enquadra-se em violação dos direitos humanos e reação contra a morte de mulheres iranianas aumenta o questionamento do regime repressor do Irã

 

A morte da iraniana Mahsa Amini, de 22 anos, provocou nas últimas semanas de setembro intensas e massivas manifestações e protestos contra a “polícia da moralidade”. De acordo com a lei iraniana, as mulheres devem utilizar o véu para cobrir os seus cabelos. Essa é uma das obrigatoriedades expressas no Código de vestimenta das mulheres iranianas e o não uso ou o “mau uso” do véu acarreta sanções e violência, como o mundo pôde presenciar no caso de Mahsa que, supostamente, deixou à mostra alguns fios de cabelo por baixo do seu véu e foi presa e violentada pela polícia em Teerã, no dia 13 de setembro, entrando em coma e vindo a falecer três dias depois. 

Uma parte importante da discussão sobre o hijab gira em torno da obrigação compulsória do seu uso. A escolha e a liberdade de usar ou não o véu precisa e deve ser, exclusivamente, das mulheres, e morrer pela escolha de não usá-lo é o que deveria incomodar a sociedade. A morte de tantas mulheres por terem exercido o livre arbítrio (princípio, inclusive, que está presente na fé e na religião iraniana) sobre os seus corpos foi um dos principais motivos que impulsionou os protestos dos últimos dias no Irã. A revolta e as manifestações [1]são formas de reafirmar, resistir e demonstrar a força das mulheres iranianas contra as determinações sociais e políticas que controlam os corpos femininos e suas decisões. Mas esse não foi o primeiro protesto que ganhou um alcance mundial: em 2014 mulheres iranianas se uniram em uma campanha online[2] pedindo mais direitos, e o debate sobre o direito de escolher usar ou não o hijab estava entre as pautas.

 A história do hijab

Mas como era a vida das mulheres iranianas no passado? A resposta se encontra, possivelmente, nas principais mudanças de governo ocorridas no Irã no século XX. A Revolução Iraniana, em 1979, foi um marco da transição entre o governo do xá Reza Pahlavi, que utilizava políticas ocidentalizadas, para o governo de aiatolá Ruhollah Khomeini, que era contra todas as políticas que remetessem ao Ocidente, advindo daí o início da República Islâmica, que adotou um Estado teocrático. A lei adotada no Irã passou, então, a ser a Sharia e com isso, as mulheres perderam alguns direitos anteriormente conquistados, como o de assumirem determinados cargos e tornou-se obrigatório o uso do hijab[3]. O fato é que antes da revolução, devido às políticas de ocidentalização, havia propagandas do governo para que as mulheres deixassem de usar o véu, que foi quase abolido, mas não representava o desejo de parte das mulheres no período. 

A transição para um governo que obriga o uso do hijab representou uma decisão repressiva para as mulheres. Desde então, a questão variou um pouco ao longo de cada governo, já que alguns foram mais liberais em relação ao uso do véu, como Mohammad Khatami (1997-2005), e outros mais rígidos, como o atual presidente Ebrahim Raisi.

A discussão sobre o hijab não é apenas religiosa, é sobretudo política, uma vez que se retira o direito de escolha das mulheres sobre o seu uso, e por que tem acarretado a morte, de forma violenta, de mulheres iranianas, indo na contramão do que deveria ser função do Estado – proteger e garantir direitos. É também social, porque desvenda o cerne da questão sobre a cobertura dos corpos das mulheres iranianas. Em uma entrevista anônima concedida à BBC[4], um policial da moralidade relata que o uso do véu e, concomitantemente, a fiscalização do seu uso é uma forma de “proteger as mulheres” da reação dos homens que se sentem provocados e tentados pela vestimenta “inadequada” das mulheres. Ou seja, há uma necessidade de cobertura dos corpos femininos como uma forma de não provocar os homens, mas por que essa regra só se aplica às mulheres? Isso reflete a misoginia intrínseca nas relações e estruturas sociais, políticas, institucionais, sistêmicas e até econômicas, que acabam oprimindo, violentando e assassinando mulheres todos os dias.

O Brasil e os órgãos internacionais diante do tema

O debate sobre o caso iraniano não é isolado. No Brasil, nos últimos anos, assumiu-se uma postura de preocupação em relação aos casos de violações dos direitos das mulheres no Irã. Entretanto, em [5]2010 e na votação da resolução da ONU em 2015, que criticava as violações dos direitos humanos no Irã, o Brasil se absteve, num contexto de negociações internacionais de desnuclearização de Teerã. A posição do Brasil, entendida como favorável ao governo iraniano, não contribuiu para cooperar com o respeito aos direitos das mulheres iranianas[6]. No início do governo de Dilma Rousseff, houve uma tentativa de mudança nesse tema, mas sem grandes avanços. O que se espera é que a nova onda de protestos no Irã possa despertar alguma atitude concreta das autoridades brasileiras frente a tais violações.

O uso do hijab acumula prática de não ser um direito de escolha por parte das iranianas, o que o torna uma ferramenta de controle do governo (e dos homens) sobre as mulheres e, consequentemente, se enquadra em violação dos direitos humanos. A morte de Mahsa Amini gerou repercussões que talvez não fossem esperadas pelo governo, chamando a atenção do mundo e ampliando os questionamentos em relação ao regime repressor do Irã. Mahsa não pode ser mais um número nas estatísticas de violência e mortes no Irã. Seu exemplo poderá servir para que os Estados se posicionem de forma mais firme na cooperação pelo  enfrentamento à violência contra as mulheres.

[1] “Iranianas queimam hijabs em protesto à morte de jovem por mau uso do véu” – Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/iranianas-queimam-hijabs-em-protesto-a-morte-de-jovem-por-mau-uso-de-veu/> Acessado em 28 de setembro de 2022

[2] A campanha nas redes sociais (em especial no Facebook) “Liberdades furtivas das Mulheres no Irã – Stealthy Freedoms of Women in Iran” ganhou um alcance expressivo e impulsionou, ainda mais, a discussão sobre o uso do hijab.

[3] MORETÃO, S. Amanda. A posição da mulher no Irã antes e depois da Revolução Iraniana em comparação com a Turquia. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017.

[4] “Protestos no Irã: ‘Polícia da moralidade’ é alvo de ira após morte de mulher presa por causa do véu” – Disponível em <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/22/protestos-no-ira-policia-da-moralidade-e-alvo-de-ira-apos-morte-de-mulher-presa-por-estar-sem-veu.ghtml> Acessado em 28 de setembro de 2022

[5] “Brasil sinaliza preocupação com os direitos humanos no Irã” – Disponível em <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/brasil-sinaliza-preocupacao-com-direitos-humanos-no-ira-bz568m5wnbfpyo5p36lfvuy4u/ > Acessado em 28 de setembro de 2022

[6] “Brasil se abstém em votação sobre direitos humanos no Irã” – Disponível em <https://www.estadao.com.br/internacional/brasil-se-abstem-em-voto-sobre-direitos-humanos-no-ira/> Acessado em 28 de setembro de 2022

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