A influência chinesa no comércio com a América Latina e o embate leste-oeste

22 de abril de 2023

 

Por Bruno Fabricio Alcebino da Silva (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

 

O comércio entre a América Latina e a China cresceu exponencialmente nas últimas décadas. A guerra na Ucrânia vêm acirrando os ânimos e a posição de Lula frente ao conflito leste-oeste ganha destaque, a visita do presidente é uma retomada das relações sino-brasileiras em via da política externa.

 

A China tem se consolidado como um dos principais parceiros comerciais da América Latina nas últimas décadas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. A influência chinesa no comércio com a região tem sido cada vez mais evidente, ao se tornar o principal destino das exportações de muitos países latino-americanos e a fonte de grande parte das importações. Essa relação comercial estreita entre a China e a América Latina se intensificou a partir dos anos 2000, quando o país se tornou uma das principais economias do mundo e começou a buscar novos mercados para seus produtos e investimentos. 

 

A região latino-americana, por sua vez, viu na China uma oportunidade para diversificar suas relações comerciais e atrair investimentos estrangeiros, durante o período conhecido como “boom de commodities”. No ano de 2022, o comércio entre a China e a América Latina registrou aumento de 11% chegando a 437 bilhões de euros. Embora seja o segundo maior parceiro da região, o país asiático já é líder no comércio com o Brasil, Chile e Peru

 

Uma das principais razões para a crescente influência chinesa na América Latina é o comércio de commodities. A China é um grande importador de matérias-primas como petróleo, minério de ferro e soja, que são produzidas em grande escala na região. Isso tem impulsionado as exportações de muitos países latino-americanos para a China e gerado uma forte dependência econômica em relação ao gigante asiático.

 

Além disso, a China também tem investido significativamente na região, principalmente em setores como infraestrutura, energia e mineração. Esses investimentos têm sido fundamentais para o desenvolvimento de muitos países latino-americanos, que enfrentam dificuldades financeiras e precisam de recursos externos para impulsionar seu crescimento econômico, pois foram severamente afetados pela crise de 2008 e pelas as atuais tensões locais e globais.

 

A crescente influência chinesa na América Latina também tem gerado tensões entre os Estados Unidos e a China, o conflito leste-oeste vêm se acirrando ainda mais com a guerra na Ucrânia. Os dois países têm protagonizado uma série de embates comerciais e diplomáticos, com os Estados Unidos buscando frear o avanço da China no cenário global, em via de manter a hegemonia. O avanço chines no comércio da região é evidenciado pela figura abaixo (Figura 1), a mudança de paradigma é evidente com o avanço do país asiático em detrimento dos Estados Unidos, em apenas duas décadas.

 

Figura 1 – Principais parceiros comerciais da América Latina entre 2000 e 2020.


 Fonte: Reprodução/ DW

 

Um dos principais pontos de tensão entre os Estados Unidos e a China na América Latina é o projeto chinês da Nova Rota da Seda ou “Belt and Road”. Esse projeto prevê a construção de uma rede de infraestrutura que ligaria a China a vários países da Ásia, Europa e África, passando pela América Latina. 

 

Os Estados Unidos veem esse projeto como uma ameaça à sua hegemonia na região e têm pressionado os países latino-americanos a não aderirem à iniciativa. Além disso, os Estados Unidos também têm adotado uma postura mais assertiva em relação aos investimentos chineses na região. Em 2019, por exemplo, o governo estadunidense lançou a iniciativa “América Cresce”, que tem como objetivo incentivar os investimentos privados em infraestrutura na América Latina e concorrer com os investimentos chineses na região. 

 

O ex-chanceler e atual assessor especial da presidência, Celso Amorim, afirmou em entrevista ao jornal Global Times que o governo brasileiro está “interessado em estudar” sua adesão à iniciativa de investimentos internacionais na infraestrutura chinesa, o “Belt and Road” (Cinturão e Rota), ou Nova Rota da Seda. Amorim, ainda disse que “a China é de longe o nosso parceiro comercial mais importante”, e continuou: “o Brasil está se tornando um dos lugares onde a China mais investe”. O ex-chanceler fez parte da comitiva que visitou a China, com Lula, no início do mês de abril. Durante a entrevista, a multipolaridade global foi ressaltada, assim como a proposição de uma descentralização da hegemonia global, uma tentativa de neutralizar o embate entre as duas maiores potências globais, ou seja, os Estados Unidos e a China.  

 

No entanto, a crescente influência chinesa na América Latina também tem gerado preocupações. Alguns críticos afirmam que a China está adotando uma postura neocolonialista em relação à região, explorando seus recursos naturais e utilizando sua força econômica para impor condições desfavoráveis aos países latino-americanos.

 

Essa tensão entre os Estados Unidos e a China tem gerado um forte embate político na América Latina, com os países da região tendo que lidar com as pressões e interesses de ambos, ainda mais acirrados pela guerra na Ucrânia. Por um lado, a China tem oferecido uma alternativa aos países da região em termos de desenvolvimento econômico e social, o que tem atraído muitos governos latino-americanos. Por outro lado, os Estados Unidos têm buscado manter sua influência na região, pressionando os países a não se alinharem com a China.

 

Segundo análise do IPEA, os principais desafios da China, hodiernamente são: 

 

1. resolver desequilíbrios internos, como excesso de capacidade produtiva, declínio do crescimento econômico e subdesenvolvimento das províncias do oeste;  2. reformar a economia global, com base nas normas e instituições propostas no pós-guerra pelos Estados Unidos; 3. elevar o uso do renminbi (RMB) nas transações internacionais; 4. enfrentar desafios de ordem geopolítica por meio do estreitamento de laços com outras nações; 5. fortalecer a segurança econômica mediante, por exemplo, o aprimoramento das rotas de fornecimento de recursos estratégicos.

 

A América Latina é uma das portas para o enfrentamento de alguns desses desafios, além dos BRICS, podemos observar isso na recente e suntuosa visita de Lula à China, que será tratada adiante. 

 

As relações comerciais chinesas com a região

 

O comércio exterior constituiu uma das principais bases da relação entre a China e a América Latina. A relação com o Brasil, Chile e Peru, seus principais parceiros na região, se acirrou durante a primeira década dos anos 2000. Com a entrada do gigante asiático na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, o país em conjunto com os Estados Unidos foi o motor do dinamismo econômico global.

 

Alguns tratados de livre-comércio (TCLs) foram assinados neste período de crescimento exacerbado: com o Chile em 2006, com o Peru em 2009, e também com a Costa Rica em 2015. No fim da primeira década do século, o gigante asiático já se constituía um dos principais parceiros comerciais da região em conjunto com os Estados Unidos e a União Europeia.

 

Segundo Ray, Albright e Wang (2021)¹, cinco commodities corresponderam a cerca de 70% das exportações latino-americanas para a China de 2015 a 2019: soja e outras oleaginosas (Brasil 87% e Argentina 12%), petróleo cru (Brasil 51%, Venezuela 31% e Colômbia 13%), minério de cobre e concentrados (Chile 47% e Peru 41%), minério de ferro e concentrados Brasil (88%), e o cobre refinado (Chile 82% e Peru 10%). 

 

Assim, o Brasil, Chile e Peru são responsáveis por uma quantia significativa das importações chinesas. Além da “Venezuela e, em menor medida, a Colômbia também contribuem com as necessidades chinesas de fornecimento ordenado de petróleo; enquanto a Argentina, ao lado do Brasil, se apresentou como relevante fornecedor de soja”.

 

O Brasil se constituiu um grande exportador, tendo enviado a China, segundo o IPEA

 

US$ 67,8 bilhões em bens em 2020, com um superavit de US$ 31,1 bilhões. Nesse ano, o país asiático absorveu 32,4% das exportações brasileiras, por sua vez concentradas em três produtos (soja (31%); minério de ferro e seus concentrados (27%); óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus (17%). Com isso, a China permanece a principal origem das importações brasileiras (22,1%).

 

Dessa forma, é evidente a dependência econômica de ambos os países, embora de maneira diferente. Apesar dos desafios, a relação comercial entre Brasil e China continua sendo fundamental para o balanço de pagamentos dos dois países. A relação bilateral deve permanecer como uma prioridade nas políticas externas de ambos os governos, assim como de toda região latino-americana. 

 

A visita de Lula à China e o embate leste-oeste

 

No último dia 12, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou com sua comitiva em Xangai, uma das principais cidades da República Popular da China. O objetivo da viagem além de retomar os laços com antigos parceiros, desgastados durante o governo Bolsonaro, era retomar a diplomacia presidencial e avançar na nova política externa que ainda está sendo “desenhada” com o Itamaraty sob o comando de Mauro Vieira. A posição internacional do Brasil tem sido ambígua, com diferentes posições partindo de Lula, Vieira e do ex-chanceler Celso Amorim. A aproximação com a China, como maior parceira comercial do Brasil, é um dos fatores essenciais para o sucesso do novo governo. 

 

Porém, o cenário internacional se apresenta com incertezas, com a guerra na Ucrânia e as tensões cada vez mais acirradas entre Washington e Pequim. No momento, as relações entre a China e a Rússia estão alinhadas devido à posição de Xi Jinping em relação ao conflito russo-ucraniano, logo após a visita do presidente chinês a Putin. Diante disso, “ambos compartilham da visão de que os Estados Unidos e seus aliados estão tentando transformar um conflito local, entre Rússia e Ucrânia, em um conflito global, pressionando diversos países a aderir às sanções e contribuir com o fornecimento de armamentos e sistemas de defesa para Kiev”

 

A viagem de Lula, diante disso, toma outras proporções, a proximidade e a posição do presidente entram em xeque com suas declarações sobre os dois principais parceiros comerciais do Brasil, a China e os Estados Unidos. Lula se negou a enviar armamentos à Ucrânia, se distanciando da posição de Washington, e durante sua visita ao gigante asiático, integrante dos BRICS, propôs a adoção de outras moedas nas relações bilaterais entre os países, um enfrentamento à hegemonia do dólar. Amorim, diante disso, declarou que “se pudermos trabalhar com uma variedade de moedas e usar nossas próprias moedas em grande escala, isso é a melhor coisa”, além de achar “muito importante estarmos livres do domínio de uma moeda única porque, às vezes, ela é usada de forma política”. Essa é uma posição interessante e uma “cutucada” a Washington. 

 

A histórica posição pragmática do Brasil vem mudando de tom, em relação à guerra na Ucrânia com as polêmicas colocações de Lula, e o movimento em busca da multipolaridade e do alinhamento não automático vem ganhando destaque. Lula declarou que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore a sua relação com a China”, posição que Washington tomou com antagonismo. 

 

O presidente brasileiro, também enxerga os Estados Unidos como obstáculo para o fim da guerra, enquanto vê a China e a Rússia como mediadores do conflito. Por fim, a visita de Lula à China foi uma grande oportunidade para utilizar o “palco” mundial e reafirmar a posição do Brasil em busca da paz, embora de maneira ambígua, por vezes, responsabilizando a Ucrânia e os países ocidentais pelo conflito. Porém, Lula vem mudando o tom, declarando no dia 18 de abril, que condena a  invasão do território ucraniano, devido a pressão das potências Ocidentais. A visita de Lula à China foi um sucesso, o país tupiniquim saiu com 15 acordos comerciais assinados e a promessa de maior cooperação com o gigante asiático, seja nos BRICS ou na proposição e desafio à hegemonia estadunidense com uma posição multipolar.

 

Enfim, as relações entre a América Latina, em especial o Brasil, com a China são extensas. A balança comercial brasileira necessita dessa conexão estratégica e a posição dos BRICS vêm ganhando destaque. Os chineses veem na região uma possibilidade de expansão de seus interesses e o embate com os Estados Unidos é crescente, pois o status quo está em disputa. 

 

Apesar das preocupações, a influência chinesa no comércio com a América Latina parece estar cada vez mais consolidada. Para muitos países da região, a China é um parceiro estratégico importante, capaz de fornecer recursos financeiros e tecnológicos para o desenvolvimento econômico. Porém, é importante que essa relação seja pautada por princípios de cooperação, transparência e respeito mútuo, de forma a garantir que os benefícios sejam compartilhados de maneira justa e equilibrada.

 

Por fim, a visita de Lula à China pode ser vista como um movimento importante no embate pela hegemonia global entre as duas maiores potências mundiais, e pode gerar tensões entre o Brasil e os Estados Unidos. No entanto, também pode fortalecer as relações comerciais entre o Brasil e a China, e fortalecer a posição dos países dos BRICS na arena internacional. A guerra na Ucrânia será determinante para os próximos passos, ao se tornar um conflito global, sendo que os “vencedores” sairão ainda mais fortes, nessa importante disputa leste-oeste.

 

¹RAY, R.; ALBRIGHT, Z. C; WANG, K. China-Latin America and the Caribbean Economic Bulletin – 2021 Edition. Boston: GDP Center, 2021.

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