Quais desafios o Renminbi (RMB) enfrenta para se firmar nas transações econômicas entre Brasil e China?

 30 de maio de 2023

 Por Giovanna Mendes Carvalho, Isabella Pedroso Lucino, Lucas Barbosa de Oliveira, Ester Gonzalez Souza e Ana Tereza Marra (Imagem: Pixabay)


Em um mundo cada vez mais globalizado, a competição entre as principais moedas internacionais desempenha um papel crucial na economia global. Exploramos a ascensão do Renminbi (RMB), a moeda chinesa, e seu desafio à hegemonia do dólar no Sistema Monetário Internacional (SMI). A China está determinada a promover o uso global do RMB como uma alternativa viável. A crescente influência econômica do país asiático e suas políticas de abertura financeira têm impulsionado o interesse internacional na moeda chinesa. 


Nos marcos da viagem que Lula realizou recentemente à China, um dos acordos celebrados entre os países referiu-se ao setor bancário. Afirmou-se que a “sucursal brasileira do Industrial and Commercial Bank of China (Brazil) passa a atuar como banco de compensação do RMB no Brasil. As reduções das restrições ao uso do RMB objetiva promover ainda mais o comércio bilateral e facilitar investimentos com o RMB”.

A celebração desse acordo se deu em um contexto no qual a internacionalização do renminbi (RMB), moeda chinesa, tem avançado – tendo se tornado em abril de 2023 a moeda mais usada nas transações transfronteiras da China, ultrapassando o dólar. Do lado do Brasil, tem havido o interesse estratégico por parte do governo Lula de impulsionar a diversificação do sistema monetário internacional. Contudo, quando olhamos para as estatísticas oficiais, segundo dados do Banco Central do Brasil no segundo trimestre de 2022, apenas 0,077% dos registros de moeda no mercado de câmbio primário foram em RMB, o que indica uma baixa adesão à moeda. Assim, ainda há vários desafios para que o RMB passe a ser relevante do ponto de vista bilateral. Abaixo, discutimos.

A natureza hierárquica do Sistema Monetário Internacional (SMI) e a internacionalização do RMB

Olhando para o principal adversário do RMB, o dólar contribui diretamente para a construção e manutenção da hegemonia americana. Seja porque permite aos EUA sofrerem menores restrições financeiras no mercado de crédito global ou porque permite interferências claras a partir da imposição de constrangimentos financeiros, como está ocorrendo com a Rússia no contexto da Guerra da Ucrânia, o dólar estadunidense é vinculado a um poder expressivo, não só econômico, como também político.

Esse papel do dólar como arma geopolítica vem sendo criticado atualmente por alguns países emergentes, principalmente por Estados que constituem o agrupamento dos BRICS, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Tais países consideram que o SMI monopolizado pelo dólar não é compatível com a configuração globalizada dos dias de hoje, cuja base é um mundo multipolar.

É diante dessas constatações que a internacionalização do RMB tem emergido. Desde 2008, no cenário da crise global, o governo chinês tem impulsionado a internacionalização do RMB, cuja função é potencializar o comércio internacional e reduzir a dependência chinesa ao dólar americano.

Um dos instrumentos empregados pelo governo chinês foi a celebração de acordos bilaterais de SWAP entre bancos centrais. Esses, impulsionam a internacionalização da Renmimbi, uma vez que preveem que as economias envolvidas deixem recursos disponíveis na moeda local para uso, além da possibilidade de realizar transações financeiras, sem a necessidade de envolver uma moeda balizadora, como o dólar (YELERY, 2016). Até 2020, o governo chinês firmou acordo desta natureza com 41 países, sobretudo asiáticos. Outro instrumento foi a luta para a inclusão da moeda – que ocorreu em 2015 – nos Direitos Especiais de Saque (SDR) do Fundo Monetário Internacional (FMI), já que ter sua moeda inclusa no SDR implicaria no reconhecimento da legitimidade da moeda chinesa na cena internacional.

Outra medida importante foi a criação do Cross-Border Interbank Payment System (CIPS), sistema internacional de pagamentos da China, supervisionado pelo Banco Popular da China (PBC). O governo chinês possui a pretensão de que o sistema seja um canal que impulsione as transações da moeda chinesa em diversos centros financeiros e que reduza os custos de transações. Comportando-se, ainda, como uma alternativa ao SWIFT, principal sistema de pagamento internacional, criado em 1973 por bancos europeus e estadunidenses, cuja finalidade consiste em viabilizar de modo seguro e rápido transferência financeira entre as instituições participantes. O CIPS lidou com 2,2 milhões de transações em 2022, cujo montante envolveu 45,3 trilhões de yuans (US$ 7,1 trilhões). O sistema possui, até o presente momento, 80 participantes diretos e 1357 participantes indiretos.

O CIPS tem se constituído cada vez mais como uma alternativa aos sistemas mais tradicionais, principalmente para países que buscam driblar sanções e que ambicionam por um sistema monetário internacional multipolar, como no caso da Rússia e de alguns países do Oriente Médio.

O Uso do RMB pelo Brasil

O discurso recente de Lula durante a posse de Dilma Rousseff como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) retomou a discussão sobre a necessidade de multipolarização do SMI:Toda noite me pergunto por que é que todos os países estão obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que é que nós não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? […] Então se escolheu a moeda [o dólar] sem levar em conta a necessidade de que nós precisamos ter uma moeda que transforma os países numa situação um pouco mais tranquila. Porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar […]”.

Já o acordo para o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) atuar como banco de compensação do RMB no Brasil, abriu caminho para que o RMB tenha mais espaço nesse cenário de multipolarização monetária desejado por Lula. Naquilo que depende de autoridades monetárias, o RMB tem ganhado espaço no Brasil. Segundo dados do Banco Central, em dezembro de 2022, o dólar representava 80,42% das reservas brasileiras – somando aproximadamente 259 bilhões de dólares – seguido do RMB com 5,37%, o que o colocou em 2º lugar como moeda mais utilizada como reserva pelo Brasil (a frente do Euro, em 3º lugar com 4,74%). Pode parecer pouco, mas até 2020 a participação do RMB nas reservas brasileiras era nula.

Contudo, para que o uso do RMB no Brasil possa ir além das reservas e ser mobilizado no comércio internacional e fluxos financeiros, é preciso que os agentes econômicos que estão na relação bilateral se interessem por usar a moeda. Segundo Sousa e Freitas (2020), cerca de uma década atrás um acordo de Swap entre Brasil e China – que permitiria o uso de RMB bilateralmente – não foi adiante pois “não houve demanda de RMB por parte  dos  operadores  brasileiros  para  o  comércio  com  a  China”. A grande reserva brasileira de dólares e o fato de a moeda chinesa ainda apresentar baixa conversibilidade foram possíveis motivos.

Entretanto, Quadros e Azevedo (2022)[1] apontaram que esse cenário está em evolução. Em entrevistas realizadas com empresas, os autores apontaram haver maior disposição para o uso do RMB devido a vantagens como a “redução dos custos de transação” e “aumento do comércio devido à facilidade de acesso aos mercados e aumento do volume de negócios”. Apesar disso, barreiras foram mencionadas: “falta de liquidez, confiabilidade e um banco central independente, além de diferenças culturais”.

O fato é que atualmente a política externa do Presidente Lula possui como destaque principal a inserção do Brasil como um país mais autônomo no cenário internacional, isto é, com mais independência. Este princípio tem guiado o governo na busca de acordos bilaterais com a China, demonstrando seu entendimento sobre a intensa presença e importância chinesa na conjuntura, não apenas do Brasil, mas também globalmente.  A formação de um mundo multipolar – desejado por Lula – dialoga com o nascimento de um mundo plurimonetário, no qual há outras moedas, além do dólar, prontas para serem utilizadas em transações bilaterais. Em contrapartida, pelo menos no curto prazo, mesmo que os governos e bancos dos respectivos países realizem acordos, é preciso que os agentes econômicos das relações Brasil-China decidam por usar o RMB. Esse é o desafio. Contudo, a intensificação da internacionalização do RMB a nível global, ao tornar a moeda conversível, pode impulsionar o seu uso no Brasil.

Em 1944, o acordo nomeado como Bretton-Woods foi assinado, tendo como principal feito a substituição do ouro pelo dólar como moeda global. A partir desse momento, a moeda estadunidense apenas subiu na escala de importância para aqueles que quisessem participar de forma significativa no mercado mundial. Por outro lado, o poder de dominância dos Estados Unidos sobre outros países se utilizando do dólar também pode ser observado, seja a partir da influência indireta, como o câmbio, ou de uma interferência clara, por meio de constrangimentos financeiros, como está ocorrendo com a Rússia com a guerra instaurada na Ucrânia.


Esse papel do dólar como arma geopolítica vem sendo criticado duramente, principalmente pelos chamados países emergentes, protagonizados pelo BRICS. As nações em crescimento se mostram uma ameaça à ordem hegemônica atual, ainda que governos como o chinês e o russo contestem essa função da moeda, visto seu uso contra possíveis ameaças de influência, além de ser visto como não compatível com a organização globalizada dos dias de hoje, ou seja, um mundo teoricamente multipolar.


O discurso recente de Lula Inácio da Silva durante a posse de Dilma Rousseff como a 3º presidente do Novo Banco de Desenvolvimento(NBD) retomou essa discussão sobre a relevância e necessidade de se ter o dólar mediando as relações comerciais de terceiros, mesmo que esse assunto já tenha sido sido pauta entre o bloco emergente, mas não levada para frente.Toda noite me pergunto por que é que todos os países estão obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que é que nós não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? […] Então se escolheu a moeda sem levar em conta a necessidade de que nós precisamos ter uma moeda que transforma os países numa situação um pouco mais tranquila. Porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar […]”. Com cada vez mais acordos sendo firmados sobre o uso do Renminbi, a moeda chinesa, no comércio de países com a China, os questionamentos sobre a verdade por trás do uso do dólar e uma possível mudança de ares têm sido colocados constantemente em pauta.


Nos últimos anos, a China tem investido na sua inserção internacional, principalmente através da política política conhecida como Going Out, no começo dos anos 2000, e da entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2011. Em 2008, ainda, a crise impulsionou mudanças significativas na política monetária chinesa, cujo foco voltou-se para internacionalização do renminbi, potencializando sua utilização no comércio internacional e reduzindo a dependência chinesa ao dólar americano.


A internacionalização do Renminbi é produto, também, da necessidade de administrar de modo mais eficiente as volumosas reservas cambiais em dólar, contraídas através do comércio internacional. Nesse sentido, um dos primeiros instrumentos relacionados com a internacionalização empregadas pelo governo chinês, foram os acordos bilaterais de SWAP, ou seja, acordo entre bancos centrais. Até 2020, o governo chinês firmou acordo desta natureza com 41 países, sobretudo asiáticos. 


O Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015, incluiu o Renminbi na cesta do Direitos Especiais de Saque (SDR), o que representou um passo importante de internacionalização da moeda chinesa, uma vez que ter sua moeda inclusa no SDR implica reconhecimento da legitimidade da moeda chinesa por parte de uma instituição internacional. No mesmo ano, Cross-Border Interbank Payment System (CIPS), sistema internacional de pagamentos da China foi criado. O governo chinês possui pretensão que o sistema, semelhante ao SWIFT, seja um canal de liquidez de transações entre a moeda chinesa e diversos outros centros financeiros. O Cips, lidou com 2,2 milhões de transações em 2022, cujo montante envolveu 45,3 trilhões de yuans (US$ 7,1 trilhões). O sistema possui, até o presente momento, 80 participantes diretos e 1357 participantes indiretos. 


O Cips tem se constituído cada vez mais uma alternativa ao SWIFT, principalmente para países emergentes que buscam driblar sanções e reduzir o predomínio do dólar no mercado global, como no caso da Rússia e alguns países do Oriente Médio. E para países que não possuem grandes reservas em dólar, sendo a Argentina um exemplo. E é uma importante saída, por exemplo, para a Rússia, que sofre com sanções financeiras vindas dos Estados Unidos no contexto da Guerra da Ucrânia e pode utilizar o mecanismo chines para contornar os impedimentos vindos de Washington. Além da Rússia como parceira comercial para tal internacionalização, o Brasil assinou recentemente um acordo com a China para a realização de trocas comerciais diretamente pela moeda chinesa. Arábia Saudita e França já anunciaram exportações para a China nos mesmos moldes. 


No entanto, é possível que se perceba que, mesmo com uma caminhada positiva na tentativa de internacionalização do renminbi, algumas razões podem explicar porque as transações brasileiras com a China, anteriores aos acordos de 2023, não eram realizadas diretamente através da moeda chinesa. Um desses fatores é a grande reserva brasileira de dólares, o que funciona como uma espécie de seguro para o país em caso de crises internacionais. Segundo dados do Banco Central, em dezembro de 2022 o dólar representava 80,42% das reservas brasileiras – somando aproximadamente 259 bilhões de dólares – seguido do renminbi com 5,37%. Isso significa que não há problemas para o Brasil a moeda com maior liquidez no sistema financeiro internacional. Além disso, a balança de pagamentos do Brasil é superavitária, o que indica que as reservas internacionais estão aumentando e, consequentemente, atraindo capital estrangeiro para a economia brasileira. Apesar do renminbi ter conquistado espaço nas carteiras de vários países ao redor do globo, a moeda chinesa ainda apresenta baixa conversibilidade, não sendo tão atrativo, até agora, para o Brasil.


A política externa do Presidente Lula em seu mandato atual possui como destaque principal a inserção do Brasil como um país mais autônomo no cenário internacional, isto é, com mais independência. Este princípio guiou o Presidente para a afirmação de acordos bilaterais com a China, demonstrando seu entendimento sobre a intensa presença e importância chinesa na conjuntura, não apenas do Brasil, mas também do globo.


A formação de um mundo multipolar dialoga com o nascimento de um mundo plurimonetário, no qual há outras moedas, além do dólar, prontas para serem utilizadas em transações bilaterais. Essa questão tem sido debatida atualmente devido ao acordo instaurado entre China e Brasil que permite a realização de comércio sem a necessidade de câmbio, isto é, sem precisar do dólar – caracterizando a operação direta entre renminbi (yuan) e real.


Em  contrapartida, o destaque principal vai para o empresariado brasileiro em relação à adesão deste acordo firmado entre bancos nacionais. Mesmo que os governos e bancos dos respectivos países realizem acordos, cabe aos empresários gerenciadores de empresas que dão vida às relações de mercado com a China acatar a proposta de receber em renminbi no lugar do dólar. Para maior compreensão dessa perspectiva do empresariado retomaremos um breve histórico.


Segundo de Sousa e de Freitas (2020), o restabelecimento das relações diplomáticas entre China e Brasil ocorreu em 1974, enquanto os diálogos políticos e econômicos  passaram a crescer a partir dos anos 2000. Dez anos atrás houve um acordo semelhante ao atual, denominado BSA, no que se refere a utilização das próprias moedas para o comércio bilateral, sem necessidade do intermédio do dólar e suas flutuações no mercado. No entanto, as operações cambiais sino-brasileiras não foram executadas pois “não houve demanda de RMB por  parte  dos  operadores  brasileiros  para  o  comércio  com  a  China” (de Sousa, de Freitas; 2020); a facilidade e falta de empecilhos de acesso ao dólar pelos empresários brasileiros foram os elementos que guiaram a não renovação do acordo por falta de interesse nas operações cambiais diretas.


Contudo, a partir da leitura e análise da pesquisa feita por Quadros e Azevedo (2023) é notável uma mudança no pensamento sobre adesão do renminbi, a qual mostra-se mais acessível à conversão direta, mas sem desconsiderar as possíveis “barreiras”. Conforme as entrevistas realizadas pela pesquisa mencionada,  as barreiras mencionadas pelos agentes operacionais brasileiros foram: “falta de liquidez, confiabilidade e um banco central independente, além de diferenças culturais”. Por outro lado, os benefícios também levaram destaque – “redução dos custos de transação” e “aumento do comércio devido à facilidade de acesso aos mercados e aumento do volume de negócios” foram os elencados pelas empresas brasileiras. 


Posto isso, apesar dos obstáculos, é possível notar uma perspectiva mais positiva em relação à internacionalização do renminbi e seu uso direto por agentes do comércio brasileiro. Cenário que pode ser notado também após iniciativas tomadas neste ano. No dia 29 de março de 2023, a missão empresarial brasileira em Pequim marcou 21 acordos com empresários chineses com os objetivos principais de trazer inovação, desenvolvimento em pesquisa e desenvolvimento, investimento, além da maior inserção do mercado brasileiro no país chinês a partir de diversos setores, além de commodities. De acordo com a Apex Brasil, apenas a empresa Vale assinou sete acordos com parceiros chineses, entre tais acordos estão inclusos a fomentação do intercâmbio técnico e pesquisa científica visando sustentabilidade, como por exemplo siderurgia de baixo carbono e desenvolvimento da primeira motoniveladora zero emissão do mundo. Além de acordos com o setor bancário da China, “ um com o Industrial and Commercial Bank of China (o ICBC) e o Bank of China, para cooperação financeira envolvendo linhas de crédito abrangentes para mineração no Brasil e para grandes projetos ao redor do mundo, além de outras parcerias financeiras, especialmente cooperação financeira verde, fortalecendo projetos de energia verde.”


[1] DE QUADROS, Sérgio Edegar Girardi; DE AZEVEDO, André Filipe Zago. The Internationalization of Renminbi: The View of Brazilian Companies Regarding the Internationalization Process of Chinese Currency. The Chinese Economy, v. 56, n. 2, p. 147-162, 2023.

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